Francisca Fim


17 de Outubro
Começo a ficar preocupada. Já corri os hospitais todos e não o encontro em lado nenhum. Por um lado, significa que não está doente, por outro lado…Para onde foi?
Não me acredito que tenha partido sem se despedir.
Ele não é cobarde a esse ponto…
Ou é?
18 de Outubro
Nem acreditas no que te vou contar. Adivinha quem foi ter comigo à câmara, muito mansinha e muito minha amiga…
Pois é. A dona Manuela!
Queria pedir-me um favor, uma autorização “especial” para umas obras no seu quintal e com urgência, antes que as chuvas começassem.
O meu primeiro instinto foi o de lhe dizer que o Eng. estava ocupado e que não teria vaga nos próximos meses, mas depois pensei melhor…
Uma favor, paga-se com outro certo?
Então, combinei com ela conseguir-lhe a reunião para a semana que vem, se…Ela me dissesse onde estava o Gabriel!
Jogada de mestre, não?! Havias de ver a cara dela. Só por isso mereceu a pena a chantagem…
Fiquei então a saber que ele teve de partir de urgência para a terra, porque a mãe dele está muito mal. Segundo ela, teria poucas horas de vida, e não sabia se ele chegaria a tempo…
Fiquei tão aliviada…
Calma, eu sei que isto parece mal, e como é óbvio não fiquei feliz pela senhora estar doente, mas fiquei contente e aliviada por ele não ser um cobarde, e por saber que não tinha fugido.
Também fiquei a saber que voltará dentro de dois dias.
22 de Outubro
Ainda não falei com ele. Agora sou eu que estou a fugir!
 Quando sai ontem do trabalho, vi uma chamada perdida dele, e não retornei, aliás várias chamadas. Não respondi a nenhuma.
Sabes, estive a pensar e falei com a Sandra e …Isto não faz nenhum sentido. Ele é padre!!! E eu sou mais velha, e com 3 filhos e divorciada!!!
Bem na realidade, ainda não estou divorciada…
Ela é doida, diz que uma coisa não tem nada a ver com a outra e se realmente gosto dele para ir em frente. Mas como?!
Não fui capaz… Tenho de me deixar disto.
Cheguei a casa e “enrosquei-me” nos meus três pequeninos, e soube-me tão bem…
Depois do jantar, fiz umas pipocas e sentámo-nos os quatro a ver um filme. Há tanto tempo que não nos sentávamos assim, em paz…
O meu coração ficou cheio, cheio…
Isto é que é o correto. Dedicar-me aos meus filhotes e viver para mim…sozinha.
E vou viver muito bem. Vais ver!
25 de Outubro
Estou nas nuvens…
25 de Novembro
Desculpa…Já não falo contigo à muito tempo, mas não me esqueci de ti. É que aconteceu tanta coisa…
Nem sei por onde começar… E não me digas para começar do princípio, que nem sei bem qual é…
Bom, disse-te que não quis falar com ele, que fugi dele. É verdade. E funcionou por uns tempos, mas um dia, ele veio ter cá a casa. Bateu à porta e disse que tínhamos de falar.
Nem podes imaginar o meu espanto… Vou contar-te toda a conversa, conforme eu me lembro.
Convidei-o a entrar, os miúdos estavam fora…
Ele encostou-se à lareira, e cruzou os braços…Olhou-me e não disse nada.
Eu, encostei-me à janela, olhei-o e não disse nada…
Parecia que estávamos a medir forças! Estúpido, não é?! Pois é. Bom, estávamos assim há um bocado quando ele me disse:
- Desculpa-me.
- Desculpo-te do quê? – Perguntei-lhe tentando não mostrar o quanto o meu coração batia forte. Só o som da voz dele faz vibrar cada célula do meu corpo. Como só lhe obedecessem a ele e a mais ninguém…
- De ter desaparecido e não ter dito nada… - Aproximou-se de mim, e eu instintivamente recuei.
- Não tens de me dar satisfação. – Retorqui já com a voz não muito segura. – Aliás quem te deve um pedido de desculpa sou eu. Não devia ter ido ter contigo à sacristia.
- Mas eu precisava de pensar, e a minha mãe adoeceu. – Ignorou o que eu lhe disse.
- E chegaste a alguma conclusão? – Nem lhe perguntei pela mãe…
- Não. Estou cada vez mais confuso. Falei com Ele, pedi-Lhe ajuda, mas nada…Não sei o que fazer. – Virou-me as costas e pondo as mãos na cabeça, foi de novo para a lareira.
- Se calhar, o melhor é não fazeres nada. Afastares-te…Assim o problema resolve-se por si só… - Custou-me horrores dizer isto.
- Já pensei nisso. Mas de que me vale estar longe, se tu estás no meu pensamento todo o dia e…toda a noite. – Deixou escapar.
- Eu não consigo falar com as pessoas, não consigo aconselhá-las, não consigo raciocinar! – Virou-se para mim.
- Já pensei em desistir do sacerdócio, mas sinto que é essa a minha vocação, que é aí que Ele me quer. A ajudar as pessoas. Já pensei em ir-me embora, desistir de ti, mas não consigo respirar quando penso que nunca mais te irei ver. Estar aqui ao pé de ti e não te tocar…É um suplicio…Não sei por mais quanto tempo vou conseguir aguentar…
Como que puxadas por íman invisível, as minhas pernas levaram-me até ele.
- Vais ver que isso passa…Comigo já passou. – Menti. Reuni todas as minhas forças e menti. Não lhe podia causar esse sofrimento. Não tinha esse direito.
Ele olhou-me com os olhos cheios de mágoa, e eu desviei os meus. Consigo mentir com a boca, mas não com os olhos…
- Passou? – Perguntou-me incrédulo.
- Hum, hum. – Acenei incapaz de falar e virando-lhe as costas.
Ele agarrou-me, e virou-me para ele.
- Passou? - Tornou a perguntar, desta vez olhando-me nos olhos.
Não respondi. Não tive tempo. Os nossos lábios uniram-se e ali naquele momento não fomos o padre e a mulher casada, não fomos o Gabriel e a Francisca, não fomos um homem e uma mulher, fomos um. Quando nos amámos tornámo-nos um, não pelas leis da sociedade, nem da igreja, mas pelas leis do amor, da urgência, da fome…
Amámo-nos repetidas vezes, indiferentes a tudo, menos aos nossos corpos que se buscavam e se entregavam sem reservas, sentindo pela primeira vez o êxtase puro.
No fim, cansados, abraçados, deitados no chão, perguntei-lhe:
- E agora? Como é que vai ser?
Ele passou o dedo pelo meu peito, e sussurrou-me ao ouvido:
- Agora? Agora vai ser o que Deus quiser…














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