Carmo, fim

 

Escusado será dizer, que Sandra não conseguiu dormir o resto da noite. Levantou-se meio trôpega, e foi buscar o tablet.

Estremunhada, ligou o aparelho e procurou a Sónia através das redes socias. Não sabia o que queria, queria…Queria olhar para ela e perceber o que sentia, se é que sentia alguma coisa. Nunca tinha passado por uma situação destas, não se considerava uma pessoa preconceituosa, mas isto incomodava-a.

Ela não era homossexual. Disso tinha a certeza. E até o outro lhe ter dito aquilo nunca pensara mais do que dois segundos à rapariga. Então porquê isto? Porque é que não dava a mesma importância que dava a um piropo ou a uma “boca” de um colega ou de um conhecido?

Encontrou uma aplicação conhecida, onde as pessoas colocavam várias coisas, desde fotos a pensamentos, mensagens, etc., e quando em linha podiam conversar com outros que estivessem também em linha.

Procurou-a pelo nome. Sabia que era Sónia, mas pouco sabia mais do isso. Escreveu o nome dela e ficou a perceber que havias muitas mulheres chamadas Sónia. Com paciência, percorreu a longa lista de nomes e ao fim de alguns minutos lá a descobriu, e coincidência das coincidências, ela também estava em linha.

Espantou-se. Aquela hora? Num impulso, clicou no ícone de contacto.

- Olá! - disse-lhe. – Acordada a esta hora?

- Olá! – retribuiu ela de imediato. – É verdade. O Pedrito deu-me uma má noite. E tu? O que fazes acordada tão tarde? Insónias?

- Sim. Adormeci, mas acordei com um sonho estranhíssimo que me tirou o resto do sono.

- A sério? Pesadelo?

- Não. Não sei se o poderei chamar de pesadelo.

- Então?

- Foi só um sonho estranho.

- Queres falar?

- Não sei…

- Então?

- Não sei se deva.

E Sandra não sabia mesmo. Por um lado, queria muito partilhar com ela o que sentia, por outro tinha vergonha, muita vergonha, e não sabia se era boa ideia falar acerca disso. Sentia que quando falava em voz alta as coisas tomavam uma outra proporção. Tornavam-se maiores. Reais.

- Tu é que sabes. Não te quero forçar. Mas estou aqui se precisares de mim. Gosto muito de ti. – disse também num impulso.

O coração de Sandra parecia querer sair do peito ao ler aquelas palavras…

Carmo acordou cheia de boa disposição. O dia anterior tinha corrido bem, tinha sido produtivo e ela tinha conseguido acabar e chegar a acordo com a tal cliente. Agora era só mandar as coisas para a gráfica. O facto de Sandra ter saído de rompante fê-la, não sabia dizer porquê, pensar no António. Teria sido talvez a tosta, que tinha ficado esquecida na secretária e que ela foi comer, já fria, quando chegara ao fim do trabalho.

Comeu-a e lembrou-se dele. Há já tanto tempo que não falavam. E porquê? Por causa de uma parvoíce. Lembrou-se que da última que se falaram, no supermercado, ele tinha-a desafiado para ir ver se tinha um empregado ou empregada. Pois bem. Desafio aceite. Ainda que tarde, mas aceite. Até porque era sábado, um sábado soalheiro, um sábado que convidava a uma decisão arrojada.

A cantar ao som do seu album favorito tomou o seu duche, e a cantar e a dançar vestiu-se. Saiu de casa e bateu na porta da vizinha, a dona Maria, para a convidar para o café no café do António. Ninguém lhe respondeu. Melhor dizendo e para ser correta, a dona Maria não lhe respondeu, porque do outro lado da porta, Rato, miava, zangado, incomodado por ter sido acordado do seu sono da manhã.

- Estranho. – pensou. – Onde terá ido?

Encolhendo os ombros, desceu os degraus que a separavam do rés do chão e alcançou a rua. Parou um pouco à porta, inspirou fundo e avançou em direção ao seu destino.

- Bom dia, António. – cumprimentou bem-disposta e dirigindo-se a ele que estava de costas a limpar uma mesa que tinha acolhido um casal de namorados que ali resolvera tomar o pequeno-almoço.

Assustando-se com a voz que bulia com ele e que não esperava ouvir, ele deixou cair o tabuleiro, baixando-se de imediato para o apanhar.

Simultaneamente, Carmo baixou-se e as suas mãos tocaram-se, e os seus rostos ficaram próximos. Muito próximos.

- Carmo! - exclamou ele evitando o impulso de a beijar.

- Olá! – repetiu o cumprimento com um sorriso no rosto e outro nos olhos. Vim ver a tua ajuda.

Nisto, e como se tivesse ouvido “a sua deixa”, Sónia saiu da cozinha.

- Olá, Carmo! – cumprimentou-a sorrindo.

- Sónia? – Carmo espantou-se. És tu a ajuda dele?

Sandra, entretanto, como nos filmes de Hollywood, entrou naquele momento, e aproximando-se dele, cumprimentou Sandra com um beijo no rosto.

Ambas coraram e isso não passou despercebido a Carmo e ao António. Olharam um para o outro e perguntaram-se:

- O que se passa?

Sandra e Sónia sorriram. Tinham falado, e falado e falado, contado as magoas e os sonhos, os gostos e desgostos, os sonhos e pesadelos, e no fim descobriram que mais importante do que rotular os sentimentos, ou analisá-los para os catalogar, o melhor era sentir e ser feliz e deixar que o destino siga o seu caminho seja ele qual for. Por isso estavam bem dispostas e leves, como se lhes tivessem tirado uma pedra que presa ao pescoço as impedia de caminhar.

Já António e Carmo, resolveram por as caturrices de lado e ao descobrirem que tinham sido vítimas de um esquema das amigas, resolveram vingarem-se e tramaram e executaram um plano que deixarei para um próximo conto que este já vai longo.

Dona Maria, juntamente com o Pedrito, faziam longas maratonas de jogos e brincadeiras felizes por verem que as pessoas de quem mais gostavam brincavam mais, falavam mais, sorriam mais!







  

 

 

 

 

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