A promessa 6
- O que fazes aqui? – Cumprimentou-o com
dois beijinhos no rosto.
Atrapalhado, ele retribuiu os beijos,
interrogando-se da necessidade que os latinos têm de se cumprimentarem com
beijos.
- Vim só fazer uns exames de rotina. Não
sabia que trabalhavas aqui. – Sorriu-lhe.
- Há já 20 anos. – Fez uma cara de
cansaço.
- Tens tempo para um café? – Convidou-o
impulsivamente.
- Se eu tenho tempo? Tempo é coisa que
não me falta, pelo menos por enquanto.
- Então? – Ela avançou para a cafetaria.
Sentaram-se numa mesa junto a uma grande
janela, e com os respetivos cafés nas mãos, deixaram-se aquecer pelo sol que
transbordava vidro adentro. Por momentos, cada uma viajou para o seu mundo
secreto.
- Então? – Repetiu ela. – Vais deixar de
ter tempo?
Ele poisou a caneca antes de responder.
- Se tudo correr bem, sim. Irei dar
aulas para a universidade sénior.
- A sério? Uau! Que bom. E vais dar
aulas de quê? – Bebeu mais um gole de café, e trincou um pouco do queque que
trouxera com a bebida.
Ele olhou para ela, e num relâmpago de
tempo pensou que outro hábito estranho destes povos, era o de acompanharem
sempre o café ou o chá com bolos.
- Por isso são tão roliços. - Sorriu, da
ideia que lhe atravessou a mente, e respondeu.
- Vou dar aulas de História.
- História? Pensei que eras Engenheiro.
– Outra dentada.
Ele espantava-se com a velocidade com
que ela comia o bolo.
- E sou. Mas quando era novo, antes de
entrar em engenharia, fiz dois anos de História de Inglaterra na faculdade de
Letras.
Ela olhou-o por um momento e depois
sorrindo elogiou-o:
- Tu és uma caixinha de surpresas!!!
Ele fez uma cara de não-percebo-porquê.
- Sabes quem é que vai gostar de
assistir às tuas aulas? Isto é se tiver horários compatíveis…
- Já tenho um aluno? Boa! Assim não me
podem recusar o emprego! – Brincou. – Quem é ele?
- Não é ele. É ela.
Interrogou-a com o olhar.
- Euzinha! – Levantou-se. – Tenho de ir,
mas gostava de saber mais sobre isso.
Levou o tabuleiro para o carrinho dos
tabuleiros com loiça suja, e ao regressar para se despedir, e num impulso,
convidou-o:
- Não queres contar-me mais pormenores
disso ao jantar?
- Perdão?
- Desculpa. Fui atrevida… - Corou
arrependida de ter sido impulsiva. Afinal ele era inglês.
- Não, não. Apanhaste-me de surpresa. Só
isso. Mas terei todo o prazer. Quando?
Ela suspirou interiormente de alívio.
- Que tal amanhã?
- Às oito?
- Às oito!
- Vou buscar-te então.
Ela assentou com a cabeça e despediu-se,
mais uma vez com dois beijinhos no rosto. Desta vez ele já estava à espera e
não se atrapalhou. Retribui-lhe de imediato.
Ficou sentado na mesa a observá-la a
ir-se embora. Tinha o cabelo castanho claro, mais curto do que o de Júlia, e
com um corte da moda. Era mais alta e mais magra do que ela, mas as curvas
estavam lá, juntamente com um peito generoso.
Os olhos, esses eram verdes e
expressivos. Conseguiam mostrar o seu ar divertido, mesmo que a boca
permanecesse cerrada. Como ficariam quando ela se zangava?
Onde a levaria a jantar? – A mente é
assim, salta de um assunto para outro, como se fosse provida de vontade
própria.
E a roupa? Que roupa usaria?
- A sério? Com essa idade vais
preocupar-te com isso? – Entrou mais uma vez em diálogo consigo próprio.
- Tens razão. – Condescendeu-se. – Mas
era sempre ela que tratava disso. Há quantos anos não me preocupo comigo? Com o
meu aspeto? – Desculpou-se.
- E o que é que isso interessa? Acaso
estás a pensar em ter alguma coisa com ela?
- Não! Claro que não. Mas tenho de
voltar a pensar em mim. Por isso cala-te!!! – Ordenou ao seu “eu” moralizador, e
depois disse para si:
- Tenho de ir às compras, e hoje
parece-me um bom dia para isso! – Decidiu, levantando-se para arrumar o seu
tabuleiro.
Júlia resolveu ir visitar James.
Há já um tempo que não se falavam, e ela,
naquele dia, tinha recebido um carregamento de livros onde estava um que pensou
que ele iria gostar.
Assim, pegou num exemplar, embrulhou-o e
quando saiu da livraria, em vez de ir para casa, virou na direção oposta e foi
em direção à vila.
Ia contente, a imaginar a cara dele
quando abrisse o presente, e como era perto da hora de jantar, quem sabe se
poderiam ir comer qualquer coisa aquele Fish and Chips novo que abrira junto à
câmara.
Chegou à casa dele em poucos minutos, abriu
o portão, e escondendo o livro atrás das costas, tocou à campainha, ansiosa por
lhe fazer a surpresa.
Ele abriu a porta quase de imediato.
- Júlia! – Exclamou.
- Olá! Abriste tão depressa, parece que
estavas atrás da porta! – Respondeu de imediato.
- E estava mesmo. Ia agora a sair.
- Óh! Sair?
- Sim, vou jantar com a Alexandra.
- Com a Alexandra?! – Sentiu espanto e
ciúme.
- Sim, combinei com ela ontem.
Ela fez uma cara aborrecida, e ele
reparou, pelo que acrescentou rapidamente:
- Se quiseres podes vir também. De
certeza que ela não se irá importar…
- Não, não. Eu também tenho uma coisa
combinada. – Mentiu.
Depois, apercebendo-se do ridículo em
que caiu, estendeu-lhe o livro e disse muito rápido enquanto se afastava quase
a correr.
- Chegaram hoje. Pensei que irias
gostar. Até breve.
- Até breve. – Respondeu ele ficando especado
com o livro na mão.
Passados alguns segundo, quando a viu
desaparecer na curva, dirigiu-se para casa da Alexandra, pensando no que
acabara de acontecer.
Era impressão sua, ou …
Não, era impressão sua.
Com certeza que era impressão sua…
Definitivamente, era impressão sua.
- Olá! Que elegante estás! – Alexandra
elogiou-o ao abrir a porta, e ao dar-lhe dois beijinhos.
Mais dois…
- Não, tu é que estás! Não tinha pensado
em levar-te a um sítio tão chique! Agora estou atrapalhado.
- Ora, isto são só uns trapitos. –
Respondeu coquete. – Vamos onde quiseres. Estou cheia de fome, e tu?
Escolheram um restaurante tipicamente
inglês.
Ela tinha-lhe dado a provar a comida
portuguesa, e ele queria retribuir com a comida inglesa. Não que ela já não a
conhecesse, mas ainda assim, este restaurante era famoso pelos seus pratos
típicos e tradicionais, e apostava que no meio deles, haveria algum que ela não
conheceria.
- Hum…O que é isto? – A cara dela
demonstrava o nojo que sentia.
Ele riu-se com vontade.
- Isso é… Toad in the Hole.
- E? Isto é salsichas?
- Sim, são salsichas envoltas em
Yorshire Pudding. Prova. Sabe melhor do que parece!
Muito a custo, ela lá provou uma
garfada. A sua cara de nojo, à medida que ia mastigando, ia-se transformando, e
no fim, com um sorriso, ela comentou:
- Hum! Muito bom, isto sabe melhor do
que parece!
Riram-se os dois, e o resto do jantar
prosseguiu com eles conversando sobre os projetos que iriam fazer quando
tivessem o tempo por conta deles.
Durante a refeição, James, não pode
deixar de observar com agrado, a satisfação com que ela devorava a comida. Já
Júlia fazia o mesmo.
- Seria uma característica comum dos
portugueses? – Perguntou-se.
Despediram-se combinando que assim que
ele tivesse novidades sobre as aulas, ou ela novidades sobre os exames, entrariam
em contacto um com o outro.
Já deitado na sua cama, James pôs-se a
pensar na Júlia. Não sabia bem porquê, mas aquela cara de deceção, (seria
deceção?) que ela tinha feito quando lhe disse que ia jantar com a Alexandra,
bailava-lhe na mente quando fechava os olhos.
Sentia uma vontade de a consolar, de a
abraçar, de sentir o gosto dos seus lábios, tão vermelhos e carnudos. Depois, a
sua mente vagueou para o resto do seu corpo. Aqueles seios, pequenos e
redondos. Como seriam ao toque?
O seu corpo reagiu a estes pensamentos e
ele envergonhou-se.
- Caramba. Já tens idade para teres
juízo! Achas mesmo que uma miúda como ela, aliás qualquer miúda da idade dela,
pensaria e ti nesses termos nem que fosse por um minuto? E o que ela diria se
soubesse o que pensas?
- Não sei. – Respondeu-se ensonado. –
Acho que o Morfeu está a chegar… - Ainda se respondeu antes de cair num sono
profundo.
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