Alice 1
Alice!
Alice era a mais nova de 3 irmãos. Dois rapazes e ela.
Viviam com a mãe numa aldeia onde o tempo tinha dificuldade, por
teimosia, em acompanhar o avanço dos dias de hoje.
A casa, de Xisto, era composta por dois andares. No rés do chão
ficava a "loja", onde eram guardados os animais e as alfaias
agrícolas, no primeiro andar ficava a casa de família, modesta, com dois
quartos uma sala e uma cozinha. A casa de banho era uma divisão na varanda que
acompanhava toda a casa.
Embora não tivesse luxos era acolhedora e quentinha no inverno,
graças à enorme lareira que situada na cozinha aquecia toda a casa.
Às varandas estavam vasos com sardinheiras brancas e vermelhas
que pendiam destes, transmitindo uma imagem de paz e serenidade.
A aldeia em, Trás-os-Montes, estava perdida no meio das
montanhas, resguardada de tudo, dos males da dita chamada civilização e dos
benefícios da mesma, mas os habitantes não reclamavam.
A vida era assim. Já assim o era no tempo de seus avós e assim o
seria no tempo dos seus filhos e netos.
Era deste modo que todos falavam quando aos domingos depois da
missa se juntavam no átrio da Igreja.
A missa ainda era dita em latim, os homens separados das
mulheres e a canalha sentada junto às mães com os sapatos apertados nos pés e
os cabelos bem penteados.
Alice, gostava da vida que tinha.
Gostava de se levantar de manhã cedinho, acender a fogueira e
aquecer o café, que bebia quentinho, devagarinho, cheiroso. Sem pressas…
Gostava de conhecer todos, de sair à rua e sentir-se em casa. De
saber-se protegida.
Porém, e embora gostasse de tudo isto e de abrir a janela e
ver-se rodeada de montanhas, sonhava muitas vezes que estava num castelo e que
algum dia, algum cavaleiro a viria buscar num cavalo castanho e tirá-la ao seu
destino.
Sim, porque este já estava traçado.
Sendo a mais nova dos irmãos e sendo mulher, teria de ficar a
tomar conta da mãe enquanto esta vivesse. Viúva, contaria com os cuidados da
filha e a sua total dedicação, estando-lhe assim interdito o casamento.
- Tradição injusta e retrógrada! – Revoltava-se quando ao fim do
dia, se punha à janela a olhar para as montanhas na esperança de o ver chegar.
Bom, falar em cavaleiro é um bocado rebuscado.
Alice sonhava em sair dali, sim. Em conhecer outros lugares, outros costumes, e
pessoas com mentes mais abertas, como o professor de liceu que há dois anos se
fora embora da aldeia.
Ele ensinara-a a ver o mundo com outros olhos, ensinara-a que
havia mais da vida além disto, que havia outros mundos, outros olhos e que ao
contrário do que ela dizia, o seu destino não estava traçado.
O seu destino era ela que o fazia.
Mas à Alice faltava-lhe a coragem para abandonar a mãe, para
abandonar o conforto, para romper com a aldeia.
Mais uma vez, era assim...
No entanto, não era ela a única.
Nos fins de tarde do verão, descendo pela rua empedrada,
aproveitando a sombra projetada pelas sacadas das casas de xisto que a
ladeavam, Alice juntava-se a Lurdes, que tal como ela tinha o destino traçado.
Lurdes, no entanto, não se conformava.
- Olha lá. - Dizia-lhe muitas vezes. - Já viste a Olinda? Desde
que veio de Viseu parece outra. Roupas novas, penteado novo, sapatos de salto.
Aquilo sim. Até parece… Sei lá. E diz que não vai acabar os seus dias aqui.
- Pois…- Respondia-lhe Alice. - Ela teve sorte. Os pais são
imigrantes, têm ideias diferentes dos nossos. Eu também gostava de sair, mas
não vejo como...
- Podíamos fugir, íamos as duas para Vila Real.- Tornava Lurdes.
- Sim, e vivíamos do quê? – Alice era muito sensata e prática.
- Lá nos arranjaríamos – Tornava Lurdes sonhadora.
- E tinhas coragem de abandonar a tua mãe? – Lembrava-lhe Alice.
- Pois...- Lurdes baixava a cabeça arrependida da leviandade.
De repente, após uns momentos de silêncio, Lurdes com uma voz
malandra, diz:
- Podemos sempre matar a nossas mães. Já viveram a vida delas e
nós estamos aqui a definhar...- Brincou.
- Chiu... Parva! Ainda te ouvem. És mesmo parva! - Alice ria-se
com Lurdes. Como não rir? Daquela cabeça só saíam ideias disparatadas.
Mas a verdade é que ela não deixava de ter alguma razão...
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