A promessa 3
Júlia
estava firmemente decidida a cumprir a promessa, e estivesse ela em Portugal, a
lidar com portugueses e a coisa teria sido fácil. Mas, não estava. Estava em
Inglaterra e aquele povo sabia manter a distância como ninguém…
Depois
de conhecerem e se deixarem conhecer, eram tão ou mais afetuosos que os
portugueses, mas quebrar a barreira era difícil!!
Assim,
Júlia ainda tentou dar voltas à cabeça, na esperança de encontrar um pretexto
para o ir visitar, mas como a vida não pára, e com ela os afazeres do dia a dia,
esse pretexto nunca acabou por surgir, deixando tempo correr sem que ela o
visitasse.
Mais
uma vez ficou de dar notícias e não deu…
De vez
em quando lembrava-se, e sentia-se mal consigo própria, mas logo aparecia algo
que lhe roubava a atenção e ela deixava-se ir ficando este assunto escondido,
“in the back of her head”, como diziam os ingleses.
Ora,
numa bela manhã de sábado, a manhã do mercado para aquela gente, Júlia foi lá
comprar fruta, e acabou por dar de caras com ele em frente a uma barraca de
peixe, olhando “como um burro para um palácio” para aquela variedade de espécimes
que se lhe apresentavam expostos numa bancada de madeira, enfiados em grandes caixas
de esferovite e rodeados de gelo.
Com um
ar muito compenetrado, pegava num peixe e cheirava-o. Fazia uma cara de enojado
e tornava a colocá-lo no lugar. Depois, pegava noutro e repetia o processo, e
assim por diante, fazendo desesperar a peixeira que ansiava para que ele
colocasse o peixe no saco em vez de o repor no lugar.
Felizmente
havia mais clientes que lhe distraiam a atenção livrando assim o James de algum
comentário menos apropriado por parte dela.
Júlia
achou piada à situação e deixou-se estar um bocado a observar, mas depois teve
pena dos dois e aproximou-se:
- Bom
dia! – Saudou-o. – Sabe que o peixe cheira melhor depois de cozinhado? –
Brincou.
Assustado
ele virou-se, deixando cair no chão o peixe que tinha na mão.
-
Pronto. Está escolhido. – Determinou a peixeira que assistiu à cena.
-
Desculpe, desculpe. Não queria assustá-lo. – Júlia baixou-se para o ajudar a
apanhar o peixe.
- Não
faz mal. Não foi culpa sua, e até me ajudou… - Brincou, enquanto sacudia a
areia do bicho.
- Como
assim? – Júlia ajeitou o peixe dentro do saco e entregou-o à peixeira para que
o arranjasse.
- A
escolher o peixe! – Fez uma cara cómica. – Acredita que já estou aqui à quase meia
hora sem me conseguir decidir? A Hellen, fazia isto tão rápido…
-
Pois. Coisas de mulher. – Júlia aceitou o peixe enquanto ele pagava à peixeira.
- Já
sabe como o vai cozinhar? – Perguntou enquanto se afastavam da barraca do peixe
para se dirigirem para a dos legumes.
-
Cozê-lo?! – Fez uma cara de quem não conhecia outra alternativa viável.
-
Cozê-lo?!
-
Porquê? Não se pode? Eu não percebo nada de peixes, mas estou tão farto de
carne e pizzas…- Fez um ar de “pobre coitado”
Ela
riu-se.
- Este
peixe é para grelhar. Também o pode cozer claro, mas sabe melhor grelhado. Têm
um grelhador cá fora não têm? – E lembrando-se, de repente, da promessa não
prometida, continuou antes de lhe dar tempo de responder à pergunta.
-
Olhe, se me convidar para o almoço, eu grelho-lhe o peixe, enquanto trata das
batatas e da salada, pode ser? Hein? Que tal?
Ele
abriu um sorriso luminoso e respondeu de imediato.
-
Negócio fechado!
Animados
pelas compras da comida, e pelo ambiente alegre do mercado, compraram além dos
vegetais, coco ralado, uma base de tarte, farinha, açúcar e ovos.
- Vai
provar a melhor tarte de coco do mundo, vai ver. – Disse-lhe ela enquanto caminhavam
em direção à casa dele.
- Já
estou com água na boca. – Ripostou ele.
- E é
tão fácil de fazer… E rápida! De certeza que depois não vai querer outra coisa.
-
Really? – Perguntou incrédulo.
- A
sério! – Respondeu ela elevando o queixo.
Entrar
em casa da Hellen, sem que ela lá estivesse, fez muita confusão à Júlia. O
primeiro instinto foi arranjar uma desculpa, dar meia volta e ir-se embora, mas
ele estava tão contente que ela não teve coragem. Mexer nas coisas dela, também
foi complicado, e James ao aperceber-se disso, entregou-lhe uma caneca, a
caneca da Hellen, e disse-lhe enquanto fervia a água para um café:
- Não
esteja constrangida. Ela não iria gostar. Era uma mulher muito prática, apesar
daquele lado sonhador. E ela gostava muito de si, pelo que acho que, onde quer
que esteja, se sentirá honrada de a Júlia usar as coisas dela.
Baixou
a cabeça e sorriu embaraçada para ele.
- Por
onde começamos? – Perguntou ele para aliviar o ambiente.
- Pelo
lume. Vamos acendê-lo? – Saiu da cozinha em direção ao quintal.
Ele
seguiu-a bem-disposto. Como era bom ter companhia em casa.
Durante
todo o almoço conversaram animadamente sobre vários temas atuais, alguns temas do
passado, e até algumas coscuvilhices, o que deixou Júlia feliz e com a noção de
dever cumprido, especialmente quando ao despedir-se dele o sentiu leve e
bem-disposto.
-
Volte quando quiser. – Despediu-se ele da porta.
-
Voltarei sim. – Respondeu ela do portão. E estava a ser sincera.
Júlia,
avançou uns metros e parou olhando ao redor. Não queria ir já para casa. Estava
uma tarde tão boa, com o sol ainda tão quente…
O que
lhe apetecia mesmo, era dar um passeio junto à costa, mas não queria, porém,
fazê-lo sozinha.
Pensou
um pouco e logo lhe veio à ideia a sua amiga Alexandra, outra portuguesa que
para ali emigrara uns bons anos antes de si. Assim, sem pensar mais, desviou o
caminho e foi ter a casa dela.
- Olá,
Alex! – Saudou-a quando ela abriu a porta.
Alexandra
suspirou. De nada lhe adiantava dizer que o seu nome era Alexandra e não Alex,
mas Júlia, e os restantes amigos portugueses insistiam no nome, depois de um
anúncio ter passado na televisão quando eles eram pequenos, (no tempo em que só
existiam 2 canais televisivos), onde um rapaz perguntava a um cão:
-
Alex! O que fazias pelo teu Sumol?
E como
Alexandra era louca por Sumol…
- Olá!
– Acabou por sorrir. – Entra!
- Não.
Sai antes tu. Está uma tarde tão linda…Vai arranjar-te que eu espero aqui. –
Sentou-se no banco do pequeno jardim da
casa dela.
A
amiga riu-se e foi para dentro buscar um casaco e a mala. Também a ela lhe estava
a apetecer caminhar um pouco…
Sentada
no banco, Júlia recostou-se, inclinou a cabeça para trás e fechou os olhos.
Como era bom apanhar sol. Sentiu saudades de Portugal e do bom tempo que lá
tinha e da família que ficara por terras lusas. Estariam todos bem? Há já uns
dias largos que não falava com nenhum deles…
Deixou
a mente vaguear por recordações, e o almoço que tivera com ele, introduziu-se
nas lembranças, sinuoso, descarado, sem ser convidado.
Lembrou-se
do sorriso ora tímido, ora aberto que ele fazia e do olhar meigo que ele punha
ao falar da mulher. Percebia porque é que Hellen o tinha escolhido. Ele era uma
criatura bondosa…
Inteligente,
era também mordaz, mas o que mais a atraia era o respeito e a simplicidade com
que tratava todos, fossem eles gente formada ou não.
Gostara
francamente do convívio, e agora que pensava melhor no assunto, não tinha sido
nenhum frete, pelo contrário, a conversa tinha sido deveras agradável…
- Um
tostão pelos teus pensamentos! – Alexandra atirou-lhe com um casaco para a
cara.
- Ai!
O que é isto? – Tentava perceber o que a amiga lhe tinha atirado.
-
Isso? Isso é um casaco para a vinda. Vamos? Ou vais ficar aí de olhos fechados
com um sorriso parvo na cara? – Alexandra começou a dirigir-se para o portão.
- Vou,
vou. E parva és tu! – Júlia riu-se e alcançando-a, ultrapassou-a, e abrindo o
portão saiu correndo e gritando:
- Não
me apanhas, não me apanhas!!! - A amiga, “pegou” na brincadeira de crianças e
correu atrás dela.
Os
ingleses que por elas passaram, olharam-nas estupefactos e abanaram as cabeças
em tom de reprovação, comentando:
-
Estes estrangeiros…
Fizeram
uma corrida até à praia, gastando as energias acumuladas pelas contrariedades
da vida e os stress do dia a dia e Júlia, que foi a primeira a chegar,
atirou-se para a areia, deitando-se de barriga para cima, e abrindo os braços e
as pernas, deixou-se sentir a brisa fresca que vinha do mar. Quando a amiga
chegou, comentou:
- Como
sabe bem este ventinho…Não quero o teu casaco para nada.
Alexandra,
mais moderada, sentou-se ao seu lado, e sem responder, deixou-se estar a olhar
para o mar, alcançado com a vista a costa francesa que não conhecia.
- Como
será lá? – Perguntou passado uns momentos.
-
Hein? – Júlia abriu os olhos, mas não se mexeu.
- Lá,
em França. Dizem que os franceses são o oposto dos ingleses, mas França fica já
ali…É como os espanhóis e os portugueses.
- Já
ali, é a favor. – Rebateu Júlia sentando-se. – E os espanhóis e nós somos bem
diferentes, apesar da nossa separação ser bem menor…
-
Achas?
- Não
acho. Tenho a certeza.
-
Sabes, acho que no fundo somos todos pessoas…
- E? –
Júlia adivinhava um debate e pôs-se em ação. Como tinha saudades de um bem
aceso.
- E,
somos todos iguais. No fundo, somos todos iguais. Tirando a camada exterior,
choramos, rimos e sentimos todos o mesmo.
- É
que nem penses. – Júlia, pegou numa pedra a atirou-a para a frente, em direção
ao mar. Este fora o último debate que tivera com Hellen.
- Pensa
bem… - Começou Alexandra a dizer.
- Já
pensei bem. Muito bem até. Acredita. – Falou com agressividade. – Nós não somos
todos iguais. Existem pessoas especiais entre nós, e infelizmente, partem cedo.
– Deixou escapar mesmo sabendo que não rebatia o assunto com nexo.
-
Calma. Sim, eu sei que existem pessoas especiais, mas são a exceção que
confirma a regra, e mesmo essas pessoas…
-
Essas pessoas são diferentes. – Não a deixou terminar a frase. – Essas pessoas
são raras e temos muito a aprender com elas. Somos é todos burros e não o vimos
a tempo. Ou não queremos ver, e depois é tarde para lho dizer.
Rebatia
as frases inacabadas com argumentos sem nexo, mas o dia tinha sido
especialmente forte em emoções e ter ido a casa de Hellen, tinha-lhe aberto a
porta da saudade e do remorso…
- Mas
o que é que te deu? – Alexandra não estava a reconhecer a amiga.
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