Alice 3
Lurdes assustara-se deveras com Olinda e falou nos
seus receios a Alice.
- Que disparate! – Alice “deu-lhe para trás”. - Lá
estás tu com os teus exageros.
Lurdes encolheu os ombros e assentiu não muito
convencida.
Não gostara daquele olhar. Parecia Louca. Se calhar
Francisco tinha razão. Olinda tinha ideias estúpidas!
Os dias foram passando e Lurdes foi tentando
afastar-se de Olinda sem que esta se apercebesse da verdadeira razão porque o
fazia.
A verdade é que tinha medo.
E, quanto mais ela se afastava, mais Olinda se
aproximava.
Ele era convites para ir à vila ajudá-la a escolher um
vestido (como se ela precisasse), ele era convites para ir à matiné porque
estava a passar um filme imperdível, ele era pedidos de ajuda para ir com ela
ao hospital, e quando Lurdes começou a recusar, Olinda, aproximou-se de sua
casa, e de sua mãe.
Ela tinha regressado para o funeral do pai.
A sua mãe há muito que havia partido, e ela sentia- se
só, desamparada, e quem melhor que a dona Augusta, mãe da sua melhor, da sua
única e verdadeira amiga, Lurdes, para a amparar?
Isto irritava Lurdes solenemente que resolvera
reaproximar-se de Alice.
Começou por se sentar ao lado dela na missa. - Desde
que Olinda chegara que Lurdes tinha mudado de lugar.
Depois começou a aparecer em casa dela para tomar um
café, para se abrigar do calor infernal que fazia na rua, abrigar-se do vento…Qualquer
pretexto servia.
Mas, Alice não era parva.
Percebia o que se estava a passar, e para ser sincera,
também ela sentia saudades das maluquices de Lurdes, das novidades que ela lhe
trazia, do riso solto e fácil, de como tinha uma solução simples e rápida para
tudo, por isso foi aceitando a reaproximação sem rancor.
Num domingo depois da missa, debaixo do carvalho no
adro da igreja, Lurdes sentou-se ao lado de Alice e calada olhava para as
montanhas.
Olhava, no entanto, sem ver.
Alice, ao reparar nisso perguntou-lhe:
- O que se passa mulher? Andas estranhas. Parece que
viste bicho.
Lurdes não respondeu. No seu interior debatia-se se
havia de contar ao não os seus receios a Alice.
Ela era e sempre fora a sua companheira de tudo. De
todas as maluquices que lhe passavam pela cabeça, de todos os medos e sonhos,
mas agora era diferente. Tinha algum receio de falar. Nem sabia bem porquê.
- Sim? Então… Desce da lua. - Alice insistia.
Lurdes olhou por um momento, calada, a ganhar coragem,
e então, numa torrente trôpega e sem sentido contou-lhe tudo.
- Pára! Calma. Fala devagar. Assim não percebo nada.
Lurdes respirou fundo, e mais calma recontou-lhe tudo
pausadamente. Falava baixinho, pois alguém podia ouvir, ou um “anjo” podia
passar e dizer “Ámen…”
Alice estava parva.
Desta vez Lurdes tinha ultrapassado todos os limites
da maluquice!!
E sem paciência para tais maluquices, disse-lhe:
- Ouve lá, não te percebo. Até aqui, ela era um poço
de virtudes. A tua mãe uma chata que nunca mais morria para ficares livre e ires
para a cidade, e agora? Estás com ciúmes? Mulher atina de uma vez por todas.!!!
Sabes que mais? Tenho de ir. Tenho mais que fazer!
E irritada, levantou-se e saiu, deixando Lurdes ali
sentada a sentir-se miserável…
Não se pense que Alice não gostava de Lurdes, gostava,
e muito, mas estava ainda um pouco magoada e tudo isto tinha abalado o seu
pequeno mundo seguro e feliz… Não sabia bem o que fazer com o que estava a
sentir…
De repente era ela que não queria ali ficar.
Era ela que desejava a libertação.
E por isso zangava-se com Lurdes. Ela fazia-lhe
acender esse sentimento, ainda que de uma forma inconsciente.
Como Lurdes se afastava cada vez mais, um dia depois
do jantar, Olinda foi bater à porta de Alice. Precisava de falar com ela com
urgência. O assunto era sério.
(continua)
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