A promessa 5

James deu por si a assobiar no caminho para casa.

Há quanto tempo não fazia isso? – Pensou com os seus botões. - Desde que Hellen adoecera… Sentia-se contente com a perspetiva do jantar. Era uma lufada de ar fresco nos seus dias cinzentos!

Chegado a casa, e sempre a assobiar, fez uma nova tarte. Colocou-a no forno, e foi tomar um duche. Adorava ficar debaixo de água, sentir o jorro quente na cabeça e nas costas

 Lavava-lhe tudo, o corpo e a alma.

Sentia-se sempre tão bem melhor depois de um duche…

Já no quarto, e depois de se enxugar, com a toalha à cintura, abriu a porta do guarda fatos e ficou a olhar para a roupa que tinha.

- Decididamente, tenho de comprar roupa nova. – Pensou.

Vasculhou um pouco pelo roupeiro e acabou por escolher umas calças de ganga e uma camisola cinzenta, de linho que o fazia mais novo. – Pelo menos, era o que a Hellen lhe dizia…

 Nos pés calçou uns ténis recém-comprados.

Depois de se pentear, olhou-se ao espelho, e gostou do que viu. Colocou um pouco de perfume e sentindo-se animado foi para a cozinha desenformar e embalar a tarte.

Enquanto esperava que o viessem buscar, e, encostado ao balcão da cozinha, a olhar para o pequeno jardim das traseiras da casa, a sua mente, contra a sua vontade, fugiu para a o encontro dessa manhã, e para Júlia…

Lembrou-se dela  a correr. Lembrou-se dela a fingir-se altiva, lembrou-se dela sentada na mesa, com o vento a afagar-lhe os cabelos e o frio a corar-lhe o rosto.

Como era bonito e jovem!!!

Quando se ria, fazia-o com os olhos e na face apareciam duas covinhas que a tornavam…

- Deus! O que é que te está a dar?! – Exasperou-se.

Abanou a cabeça e foi para a sala. Pegou num copo e no whisky e enchendo-o um pouco, bebeu o seu conteúdo de um só trago. Depois, sentou-se no sofá e fechou os olhos, recostando-se na curva do assento, já moldada ao seu corpo.

Mais uma vez a imagem dela veio à sua mente.

Uma mulher não muito alta, mas bem proporcionada. Com curvas, era roliça sem ser gorda. Bem torneada.

O rosto era redondo, de tez branca salpicada de sardas por baixo de uns olhos grandes e castanhos, condizentes com o tom dos longos cabelos que insistia em trazer apanhados num rabo de cavalo que bamboleava a cada passo que dava, acompanhando o movimento dos quadris…

De repente, tomou consciência do rumo que os seus pensamentos e o seu corpo estava a tomar, e recriminou-se.

- Não sejas ridículo! – Ralhou-se.

“Foi salvo” de se perder em emoções pelo toque da campainha. Era Júlia.

Ao vê-la, o seu coração acelerou. Estava ainda mais bonita do que na recordação de há momentos atrás.

Com um pouco de maquilhagem e roupas justas, parecia… Engoliu em seco, e foi com dificuldade que se obrigou a controlar e a falar com naturalidade.

- Olá! – Saudou-o ela. – Está pronto?

- Claro que sim. – Abriu um sorriso. – Vou só buscar a tarte. Fiz uma nova.

- A sério? Não era preciso. A outra estava quase intacta…

- Achavas mesmo que me atrevia a ir a casa de alguém, que ainda por cima não conheço, com uma tarte já encetada?! – Pôs um ar escandalizado.

- Claro que não! – Ela alinhou na brincadeira. – As minhas desculpas… - Fez uma vénia.

Ele retribuiu a vénia, e entrou para ir buscar a tarte. Regressou pouco depois e fechou a porta.

Estava animado.

Começaram a andar, e ela ia tagarelando, e ele ia-lhe respondendo com a boca, enquanto que com a cabeça viajava por outro mundo.

Debatia consigo próprio a contradição de sentimentos que começavam a despontar.

- Mas tu estás doido? – Disse para si enquanto caminhavam em direção à casa da amiga. – Ela é amiga da Hellen…

- Era. – Rebateu o seu “Eu”. – E lembras-te do Hellen te obrigou a prometer? Ela queria que continuasses com a tua vida.

- Sim, mas isso não implica arranjar outra pessoa. E se o fizer será com alguém da minha idade, pelo amor de Deus!!! A além do mais, mal a conheço. Estive com ela meia dúzia de vezes!!! Isto é falta de sexo. Só pode!!!

Não teve tempo de se responder.

- Tão calado? – Júlia interrompeu-lhe o debate interior.

- Hein? – Custou-lhe a regressar à realidade.

- O que se passa? Tenho estado a falar consigo, há já um bom bocado, e não me “dá troco” …

- Não achas que depois de termos cozinhado um belíssimo peixe, e de me teres dado aulas de culinária nos podemos tratar por “tu”? – Fugiu à pergunta.

- Hã…Sssim. Suponho que sim…, Mas aviso já que não vai ser fácil.

- Porquê?

- Porque é mais velho. – Respondeu muito depressa.

- Toma!! - Disse para si, e sorriu triste.

- Então, em nome da convenção e dos bons costumes, tratá-la-ei, daqui em diante, por Exma. menina. – Acabou por responder.

- Ah! Não! – Respondeu ela. – Nem pense!

Ele franziu a sobrancelha.

- Nem penses… - Emendou ela, rindo.

Entretanto chegaram a casa da Alexandra.

De fora sentia-se o aroma a bacalhau assado no forno, um aroma que lhes fez crescer água na boca.

- Humm. Cheira bem, disse ele? O que é? – Desconhecia o cheiro.

- Se não me engano – Ela farejou o ar – É bacalhau no forno. Já alguma vez provaste? – Sem se aperceber, o tratamento por tu, tinha surgido com naturalidade após aquela brincadeira.

Alexandra respondeu ao som da campainha, com o seu sorriso característico.

- Olá! Entrem! Chegaram mesmo na hora certa, acabei de tirar o bacalhau do forno… - Abriu os braços num convite mudo.

Júlia voltou-se para trás e fez-lhe uma cara de: Eu-não-te-disse-que-era-bacalhau-no-forno?

Ele sorriu e respondeu com uma que dizia: Nunca-me-passou-pela-cabeça-duvidar-disso…

Ela retribuiu o sorriso e fez as apresentações.

 Entraram os três para a sala.

Conversaram um pouco, palavras de circunstância e Alexandra indicou-lhes que se sentassem, enquanto ela ia buscar a comida à cozinha. A mesa já estava posta. A lareira acesa dava ao ambiente um ar acolhedor.

- Então? – Perguntou Alexandra, regressada à sala com um tabuleiro a fumegar. – Já conhece a nossa comida?

- Não. – Levantou-se para a ajudar. – Mas pelo cheiro…

Fez uma cara cómica, que abriu caminho para um jantar de conversas interessantes sobre comidas, países e costumes.

Quando acabaram a refeição, não sei se pelo vinho, bom vinho português, se pelo bacalhau, todos se tratavam por tu e falavam como se conhecessem à anos.

A empatia entre todos foi espontânea, mas entre Alexandra e James, foi mais notória. Talvez devido à proximidade de idades…

Pelo menos foi isso que Júlia pensou, e foi disso que se tentou convencer quando os ciúmes, sem ser convidados, lhe entraram peito adentro, ao adormecer.

Os dias passaram, e todos eles voltaram às suas rotinas, umas mais animadas do que outras.

Alexandra, que era enfermeira, voltou à correria dos turnos hospitalares, e ao stress das situações mal resolvidas com resultados não esperados.

Júlia, voltou à sua livraria e às tertúlias onde encontrou um novo companheiro de discussões. Embora não tão bom como Hellen, era bom o suficiente para com ela estar horas a debater e a rebater um tópico escolhido por alguém, mesmo quando já todos tinham avançado no tema e no tempo.

James, por sua vez, resolveu pôr um fim ao luto e começar por fazer um check up. Tratar da sua saúde, para depois se dedicar ao ensino na faculdade sénior, pois há já muito tempo que estava parado e isso não lhe estava nem a saber, nem a fazer nenhum bem.

Começou por marcar uma consulta no hospital local. Sempre ali se tratara e era ali que estava todo o seu historial e o seu médico de confiança.

- James! Há já uns bons anos que não o via! – O médico levantou-se e veio cumprimentá-lo à porta.

- Pois é Dr.… Mas com tudo o que me aconteceu, nem me lembrei de mim…

- Os meus sentimentos. – Lamentou-o o médico. – A Hellen era uma mulher extraordinária…

- Era mesmo. – Respondeu nostálgico.

Sentaram-se os dois.

- Então o que o traz por cá? Alguma queixa?

- Não. Na verdade, não. Quero apenas saber como está a minha saúde, agora que finalmente saí do casulo.

- Pois faz muito bem. – Elogiou-o. – Não tem queixa nenhuma?

James, abanou a cabeça em sinal de negação.

- Então – Começou a escrever no computador. - Vamos aqui fazer estes exames para que possa começar a voar. – Continuou com a alegoria.

Riram-se os dois da brincadeira e James, estendendo a mão para receber os papéis dos exames, despediu-se com um até breve e um muito obrigado.

- Aproveite bem os voos. – Foi a despedida do Dr.

James saiu do consultório, uma sala situada a meio de um corredor envidraçado que terminava num hall, com paredes de vidro, e um balcão ao centro onde enfermeiros e funcionários administrativos trocavam informações sobre pacientes. A rodear o balcão estavam sofás onde pacientes, os pacientes esperavam a sua vez de serem atendidos.

Bem-disposto, avançou até ao balcão e tirou uma senha, à espera de que o chamassem para marcar os exames. Não tinha ainda andado meia dúzia de passos quando ouviu o seu nome.

- James? És tu?

Virou-se.

- Alexandra?



 

 


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