Alice 5
- Então, o que disse o médico? - Perguntou
Alice a Lurdes enquanto bebia o café na esplanada do "Estrela".
Como vista, por detrás das casas, admiravam-se
ao longe as montanhas, e no cimo de uma delas avistavam-se as ruínas do
castelo, o lugar favorito de Alice.
Ali ela encontrava a paz, o seu refúgio.
Ali ela encontrava as suas aventuras, partia em viagens, conhecia novos
lugares, novas pessoas, novas vidas.
- Disse que era normal da idade... Ele
sabe lá. A minha mãe estava rija como um pero antes daquela lá se meter em
casa. E ainda disse que tem um quarto para mim. É preciso ter lata.
- Calma. Então que é lá isso? - Alice
olhava para ela divertida. - Já te esqueceste de quando a achavas o modelo
ideal de mulher?
- Isso era antes...- Lurdes respondeu
furiosa
- Antes
do quê?
- Antes de ela se enfiar lá em casa, toda
delicodoces, chazinho para aqui, gotinhas para acolá…irra. Ainda bem que se foi
embora.
- Olha
que tal irmos à vila amanhã às compras? - Alice disse-lhe com um ar divertido.
- Estamos as duas a precisar de desanuviar…
O
tempo foi passando e D. Augusta piorava a olhos vistos. Lurdes já não sabia
mais o que fazer. Alice também sofria. Gostava muito de ambas e custava-lhe não
poder fazer mais. Foi então que chegou o dia fatídico.
D. Augusta acabou por adormecer para
sempre, numa tarde de terça-feira. Lurdes tinha saído, deixara-a sentada no
sofá da sala, lancho já dado. Umas torradas e aquele chá que Olinda lhe tinha
deixado e que fazia as delícias da mãe.
Quando chegou, chamou por ela. Como não
teve resposta foi até à sala, e encontrou-a no chão. Torcida, agarrada à
barriga como se tivesse tido uma cólica. A pele estava toda manchada.
Ficou em pânico. Gritou, abanou a mãe, e
como ela não respondia, lá ligou para o 112.
Depois ligou para Alice.
Os vizinhos ao ouvirem a gritaria vieram
ver o que se passava. Lurdes chorava agarrada à mãe, ninguém a conseguiram
tirar de lá.
Foi Alice quando chegou que com a sua
calma, devagarinho, abraçando-a, falando baixinho, tentando acalmá-la, tentando
o impossível, lá conseguiu.
A
confusão em casa era muita.
Todos tentavam ajudar, uns fazendo-o de
facto, outros atrapalhando, mas em todos os casos a intenção era boa.
Chegou, finalmente o 112. Não havia nada a
fazer, a Sra. já estava morta há algumas horas. Tinham, no entanto, de esperar
pelo delegado de saúde para passar o atestado de óbito.
Como tinha morrido em casa teria de ir
primeiro para o instituto de medicina legal, onde seria feita uma autópsia.
- Uma autópsia?! – Lurdes gritava fora de
si. - Para quê? – Perguntava agarrando-se aos colarinhos do enfermeiro.
- Achavam que a tinha morto?
-Não digas disparates. – Acalmava-a Alice. -É
o procedimento normal nestes casos.
- Anda, vamos até ao quarto, deitar-te um
pouco. Agora não há nada que possas fazer. Bebe este chá. – Pegou no chá que a
mãe deixara no bule.
- Lurdes deu um gole e de imediato cuspiu.
- O que raio é isto? - Perguntou.
- O chá que a tua mãe estava a beber...
Ainda estava quente, na chaleira.
- Isto é horrível. – Tornou a cuspir. - Como
é que ela conseguia beber isto?
- Isso és tu que não estás bem. Vá,
deita-te. Eu trato de tudo. Olha, chegou o delegado.
Um homem dos seus 30 anos, de fato, alto e
bem composto, entrou pela casa adentro e perguntou pelos familiares ou
responsáveis pela vítima.
Alice aproximou-se. Naquele momento só lá
estava a filha, mas finalmente estava a dormir. Se ele não se importasse, ela poderia tratar do que fosse
preciso. Não era família, mas era o mais próximo que havia…
O médico acedeu ao pedido, contrariado, e questionou-a
a cerca das manchas da pele, e acerca das dores de barriga que algum vizinho
lhe tida dito serem frequentes ultimamente.
Alice disse-lhe o que sabia, que Lurdes
tinha chamado o médico há pouco tempo e que ele não tinha dado importância ao
assunto.
- Eram coisas da idade. Dissera ele.
O delegado nada disse. Não iria dizer mal
do colega, mas achava estranho que aquelas manchas associadas a cólicas não lhe
tivessem despertado a atenção. Bem, iria levá-la para autópsia e logo veria.
Podia ser que estivesse enganado. (continua)
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