A promessa 10
A
correr, saiu do hospital, cega às pessoas que a chamavam. Entrou no carro, e
sem ter a noção do caminho, foi ter até ao seu refúgio, a praia, que se encontrava com muito pouca gente
naquele dia invernoso onde o vento a puxava a chuva.
Estacionou
de modo automático, no primeiro lugar que encontrou, e com a imagem dos dois
abraçados, e com as palavras dela “ criou-se um clima” a aparecerem-lhe
na cabeça tipo “pop up”, irritante, gozador, indicador da triste figura que
fizera, dirigiu-se cega para o areal.
Caminhou
em direção ao mar, como se nele pudesse desaparecer e mergulhou os pés
descalços. Sentiu o frio da água a entrar-lhe pelo corpo dentro, acalmando-lhe
a fúria, e resfriando-lhe a lava de emoções que lhe escorriam do peito, e deixou-se
estar por um bocado, indiferente às gaivotas que estranhando a sua presença,
esvoaçavam em seu redor, lançando gritos, pedidos…
Mais
calma, olhou para o farol, e decidiu-se a ir até lá.
Fora
em tempos o seu local secreto, o seu porto de abrigo, quando as saudades
apertavam, e o medo se instalava no peito, impedindo-a por vezes de respirar.
Por
detrás dele, estava a salvo das pessoas, e dos problemas. Estava a sós com o
mar e com as raposinhas que por lá se escondiam, e que, curiosas, vinham ter
com ela.
Com o
vento a fustigar-lhe o rosto dando-lhe uma desculpa para as lágrimas que teimavam
em sair, e para o vermelho que o rosto teimava em usar de cada vez que se
lembrava do que sucedera, caminhou decidida, e sem parar, os bons quilómetros
que separavam o sitio onde se encontrava do acesso ao farol.
Quando
lá chegou, e como supusera, não estava lá ninguém.
Contornou-o
e sentou-se encostada a ele, sentindo na sua parede um abrigo, e no mar à sua
frente, um horizonte de esperança.
- Se
eu fosse a Jennifer Figge, punha-me a nado e saia daqui direitinha a casa. –
Pensava muitas vezes quando ali se sentava.
Não tardou muito para que uma raposinha mais
afoita, se aproximasse. A medo, cheirou-a na esperança de que ela tivesse algum
pedaço de comida para lhe oferecer e perante a desilusão provavelmente sofrida,
recuou, alguns passos, ficando virada
para ela. Quieta. Observando-a.
- Olá
raposinha! – Falou-lhe baixinho. – Queres comida? Deixa ver se tenho aqui algo
para ti.
Vasculhou
na mala e a raposinha assustada, fugiu para os arbustos que ladeavam o
empedrado do farol.
- Não
te vás! – Chamou-a mais alto.- Toma! Tenho aqui este pedaço de sandes. Queres?
A
raposinha, como se a tivesse percebido, espetou o focinho por entre os arbustos
e espreitou. O aroma do pão e da carne, foram levados pelo vento até ao seu
nariz que não parava de se mexer. Passo a passo, e sempre com os sentidos
alerta foi-se aproximando.
Primeiro,
roubou-lhe um pedaço do pão que Júlia tinha deixado no chão e afastou-se.
Depois, voltou para outro, e mais outro, e no fim da sandes, já se tinha
deitado ao lado dela, sem, no entanto, se deixar tocar.
-
Sabes o que me aconteceu? – Perguntou-lhe Júlia numa voz suave.
- Hoje
fiz uma coisa muito parva, e por causa disso acabei por perder a minha amiga e
o homem que eu amo… Agora nem como amigo.
A
raposinha aninhou-se como se quisesse por confortável para ouvir melhor o
desabafo.
- Hoje
de manhã, segui o conselho de um amigo. – Continuou Júlia. - E telefonei a esse homem para dizer que o
amava. Para lhe dizer, que a diferença de idades não interessa, para lhe pedir
uma chance. Como ele não atendeu o telefone, e antes que a coragem
desaparecesse, deixei-lhe uma mensagem de voz onde dizia isto tudo.
Lembrou-se
penosamente do que dissera e do que acontecera a seguir.
-
James. Telefonei para marcar um encontro, para conversarmos, mas talvez seja
melhor assim. Talvez seja o destino a ajudar-me. Hum… Não sei bem como dizer,
mas acho que não preciso de ajuda. Ou talvez precise, não sei. Não estou a
fazer sentido. Bem, eu hoje senti que tu sentes por mim, o mesmo que eu sinto
por ti. E não importa a diferença de idades, ou que as pessoas possam ou não
dizer, o que nós sentimos é real, por isso.
Soou o
sinal de fim de chamada.
-
Sério? Tinhas de falar tão atabalhoadamente? – Perguntou-se ao dar-se conta do
que dissera. – Bem, perdida por 100, perdida por 1000. – Incitou-se.
E
ligando mais uma vez, continuou:
- Hum,
continuando, eu amo-te e se me deres uma chance, eu mostro-te que poderemos ser
felizes juntos. Como dizia a Hellen, é o desejo que nos faz andar, e eu
desejo-te…Muito…
Desligou.
Corando,
como um pimentão, riu-se e sentiu-se leve. Começou a caminhar para o trabalho. Apesar de
estar um dia ventoso, o calor que sentia servia-lhe como um casaco de lã,
quentinho e aconchegante. Ainda não tinha dado meia dúzia de passos quando
sentiu o telefone vibrar.
Ansiosa
para o atender, pensando que era ele a retornar a chamada, quase o deixou cair,
e ficou desiludida quando viu que era uma funcionaria do hospital a relembrar-lhe
a consulta e a pedir-lhe a confirmação.
Ainda
com a cabeça no que acabara de fazer, confirmou, e telefonou para a livraria
para comunicar que iria tirar o dia de folga. Era uma segunda feira, um dia sempre
com pouco movimento, pelo que a sua ausência seria facilmente suportada.
E foi
assim, envergonhada, mas feliz que se dirigiu para o hospital, para ter a
consulta e para falar com a Alexandra.
O que
ela não esperava era ver o que viu…Por isso ele não lhe respondera às
mensagens. Como se devem ter rido os dois à custa dela…
Com
esta brincadeira, não só perdera o futuro namorado como também a amiga. Sim,
porque depois disto não tinha coragem de encarar nenhum dos dois…
Como
se sentia idiota!
James
saiu do hospital determinado a ir ter com a Júlia. Não lhe telefonaria,
far-lhe-ia uma surpresa. Queria falar com ela acerca da amiga.
Depois
do abraço, ela tentou-o beijar e ele sem estar à espera não resistiu.
Há
quanto tempo não beijava uma mulher? Soubera-lhe bem, não o podia negar, mas
não era a boca dela que ele queria. Embraçado depois do beijo, libertou-se dela
o mais rápido e atabalhoadamente que conseguiu, e, inventando uma treta
qualquer, apressou-se a sair de lá. Tinha a perfeita noção que fora um estúpido
e um cobarde, mas não o fora com intenção, e isso haveria de valer para alguma
coisa!
Desculpava-se
assim, quando à porta da livraria, viu o colega de Júlia e lhe perguntou por
ela.
- Ela
não está. Ela tirou o dia. – Informou-o solicito.
- Oh!
– A desilusão que sentia era patente no rosto. – Estará em casa? Desculpe a
pergunta. – Continuou vendo a cara dele. – Mas precisava de falar com ela. Era
importante.
O
rapaz, que teria a idade dela mais ou menos, olhou-o demoradamente e decidindo-se,
acabou por responder:
-
Duvido. É tentar, mas ela disse-me que tinha de ir ao hospital.
-
Hospital? Está doente? – A aflição era genuína. A imagem do sofrimento da
Hellen era algo que ainda não se apagara.
- Não.
– Sorriu. – Ela ia fazer uma consulta de rotina. Acho que ia ter com a Alex, a
amiga dela enfermeira. Não se preocupe.
- Ah!
Ok! Obrigado. – Agradeceu.
- De
nada! Se ela não estiver num lado nem no outro, tente o farol.
- O
farol?
- Sim,
ela ia muito para lá no princípio da sua vida aqui. É só um palpite. Para o
caso de a coisa no hospital não ter corrido bem. Agora, se também aí não estiver…- Abriu os braços e
encolheu os ombros num sinal de impotência. – Se aí não estiver, não faço a
mínima ideia para onde poderá ter ido.
-
Muito obrigado, mais uma vez. – Despediu-se e saiu, virando na rua, para a
direção da casa dela.
Pelo
caminho pôs-se a pensar. Se ela ia ter com a Alex, há uma grande probabilidade
de nos ter visto.
-
M*da! E se viu o beijo? Raios! Mas porque é que ela o beijara? Nunca a
incentivara a nada disso. Seria uma coisa dos latinos?
Comentários
Enviar um comentário