A promessa 8
James
sentia-se um adolescente no auge da puberdade. Na sua barriga, “borboletas”
voavam, o seu coração batia descompassadamente, e a vontade… A vontade…
A
vontade era tanta e tão grande que sentia que quem com ele se cruzava o
adivinhava o que o fazia envergonhado e ao mesmo tempo com uma vontade de rir
incontrolável.
Júlia sentia o coração cheio. Ele queria. Ele
dissera-lhe que sim!!!
- E tu
queres? – Imaginava-se a contar o sucedido à Alex.
-
Quero, acho que quero. Quero. Quero mesmo! – Respondeu-lhe mentalmente.
- Mas
ele é bem mais velho que tu. – Via-a a responder. – E foi casado com a tua a
amiga.
Aqui
Júlia sentiu uma pontada no peito, incomodada e baralhada com o que sentia,
resolveu ligar ao Jacques, o primeiro amigo que fizera quando aqui chegara à
uns anos atrás.
Imigrante
como ela, estava na pousada que a acolheu, há apenas umas semanas, e
sentindo-se ambos sós e estrangeiros, num país pouco dado a acolhimentos,
apoiaram-se mutuamente e a sua amizade foi crescendo. Como não conheciam mais
ninguém, não tinham entraves e falavam de tudo, sem receio de julgamentos ou
consequências…
- Jaques?
-
Sim…- Atendeu-lhe ensonado.
-
Estavas a dormir?
- Que
horas são?
- 8.00
H
- E
isso é lá hora de ligar a alguém? – Resmungou.
-
Preciso de falar contigo…
-
Agora?
- Sim.
Anda, levanta-te que vou aí ter. Estou aí em 15 minutos.
- Mas…
- Ele ainda tentou falar, só que ela já tinha desligado o telefone.
-
Pobre Jacques! – Pensou enquanto corria para casa dele. – Querido Jacques, tenho mesmo de falar
contigo. Depois eu compenso-te, prometo.
Foi um
Jacques rabugento e em boxers que lhe veio abrir a porta. Ela sorriu-lhe e
deu-lhe um beijo no rosto, enquanto, e sem fazer cerimónias, entrava porta
adentro indo em direção à cozinha.
Quando
lá chegou, abriu um armário e tirou de lá duas canecas e um copo. Abriu e
torneira do lava loiças, encheu o copo com água, que bebeu de imediato, e
depois encheu a cafeteira que estava mesmo ali ao lado. Também com água e pô-la
ao lume para que fervesse.
Enquanto
isso, Jacques, encostado à ombreira da porta observava-a com um olho aberto e
outro fechado. Cheio de sono.
-
Senta-te. – Indicou-lhe a cadeira. – Vou preparar um daqueles cafés que tu
gostas. Onde está o açúcar? -
perguntou-lhe com a cabeça enfiada dentro do armário.
Sem
animo para resistir ou para refilar, Jacques obedeceu, sentou-se à mesa, e com
um bocejo respondeu-lhe que não havia. Há uma semana que estava de dieta e
decidira acabar com todos os açucares da casa.
- Hum,
por isso é que estás tão azedo! – Brincou ela.
-
Achas? – retrucou ironicamente.
Com as
canecas a aquecerem as mãos e o aroma a café fresquinho a despertar-lhes os
sentidos, deixaram-se estar sentados na mesa da cozinha de fronte um para o
outro, a olharem-se mutuamente. Passado um pouco, ele perguntou-lhe meigamente.
- Vá.
Diz lá o que te fez acordar-me a estas horas da madrugada.
Ela
não lhe respondeu de imediato. Ao invés disso, continuou por mais um pouco a
olhá-lo, calada.
-
Querido Jacques. – Pensou mais uma vez. – Tu mereces alguém que te ame, e que
valorize essa tua doçura…
-
Então? – Interrompeu-a nos seus devaneios.
Ela,
endireitou-se na cadeira e suspirou fundo. Bebeu mais um gole de café antes de
falar.
- É o
James. – Disse e olhou para a caneca.
- O James?
O que é que tem? – Ele já adivinhava o que ela sentia por ele, mas queria perceber
o que se tinha passado, se é que se tinha passado algo…
- Não
tem nada, eu é que tenho…
- Não
estás a fazer muito sentido, sabes? E de madrugada, eu não sou muito bom com
charadas. – Picou-a.
- Eu
sei. Mas eu própria não me faço sentido! – colocou as mãos na cabeça e fechou
os olhos.
Ele
ficou a olhá-la, acusando-a de continuar a não fazer sentido.
- É
que… - Falava de olhos fechados. – É que eu acho que amo o James! - Pronto.
Estava dito em voz alta. - Fechou os olhos com mais força como pensasse que
dessa forma evitaria uma rajada de críticas da parte dele.
- Olha
para mim. – Ele afagou-lhe o braço.
- Olha
para mim. – Repetiu perante a permanência dela de olhos fechados. – Não tens de
ter vergonha de o dizer. Eu já o sabia.
- Já?
– Ela abriu os olhos. – Como, se eu própria só soube disso hoje?
- Porque
te conheço muito bem, e pelo modo como falas dele, pela preocupação que
demonstras com ele, pelo teu rosto que fica vermelho quando ele se aproxima…
Ela corou
mais uma vez e amaldiçoou esta sua mania de demonstrar o embaraço que sentia.
- E
qual é o problema, ele não te retribui o sentimento?
Ela
levantou-se e foi até à pia onde lavou a caneca com os restos do café.
- Não
sei, acho que sim, mas…
- Mas?
– Ele imitou-a e lavou a sua caneca também.
Ficaram
de pé, frente a frente.
- Mas
ele é bem mais velho, e foi marido da Hellen. – A voz saiu-lhe trémula.
- E
depois? Continuo sem saber qual o problema.
- Não
percebes? Eu acho que sim, que ele gosta, mas ao mesmo tempo, acho que não e penso que é só ridículo que um
homem daqueles que teve uma mulher como ela, possa sequer a vir a olhar para
mim. Eu sou tão pequenina perante a grande mulher que ela foi.
Ela
gesticulava e andava de um lado para o outro enquanto despejava tudo o que
sentia sob a forma de uma rajada.
Quando
passou por ele, ele segurou-a e abraçou-a.
-
Calma. – Sussurrou-lhe passando-lhe a mão pela cabeça. – Quem te disse que não
és uma grande mulher? És diferente da Hellen, é verdade, mas isso não te torna
inferior a ela.
- Sou
sim. – Continuou ela com a cabeça enterrada no peito dele.
Ele
afastou-a um pouco de modo a poder olhá-la nos olhos.
- Não
és não. És uma mulher maravilhosa, bondosa, inteligente e corajosa. Desde que
te conheci, aprendi a não ter medo de certas coisas e a enfrentar os “ touros
pelos cornos” como tu tão bem me ensinaste. E além do mais, se não lhe disseres
o que sentes, ficarás para sempre no limbo da indecisão, da incerteza, e
acredita-me, não vais querer isso para ti.
Júlia
sorriu. Sabia ao que ele se referia. Há anos que ele amava uma mulher casada, e
embora tivesse alguns sinais de que era correspondido, por respeito ao marido,
de quem era amigo, nunca se declarara.
Fez-lhe
uma festa no rosto. Como gostava dele, e desejava que ele fosse feliz…
-
Achas?
- O
quê?
-
Achas que lhe devo dizer?
-
Acho. Agora vai tomar um banho, que tresandas a suor e lágrimas, e depois
põe-te bonita e vai ter com ele.
- És
um doce. – Disse-lhe beijando-o no rosto.
- Sou,
sou. Mas não às 8.00 da manhã! – Resmungou enquanto a empurrava porta fora. –
Deixa-me dormir, que hoje é a minha folga.
-
Beijos! – Atirou-lhe ela do portão.
Ele
respondeu-lhe com um beijo atirado para o ar, e fechou a porta. Queria dormir,
mas de repente ficara sem sono.
-
Raios partam as mulheres! – Resmungou para o gato da vizinha que gostava de lhe
fazer companhia pela manhã.
Júlia
foi para casa animada. Sem conseguir esperar mais, e antes que perdesse a
coragem, ligou para ele.
Estava
a pensar, em Alexandra e em lhe contar o que tinha decidido quando ela lhe
ligou.
- Olá
estava mesmo a pensar em ti.
- A
sério?
- Tenho
de te contar uma coisa. – Disse animada.
- Também
eu, mal posso esperar, estou tão contente.
- Então?
O que aconteceu?
- Tens
tempo para me ouvir?
- Pode
ser à hora do almoço? – Júlia apercebeu-se de repente que tinha muito pouco
tempo para se despachar e chegar a horas à livraria.
- Qual
hora?! -Alexandra ironizou referindo-se ao facto de ela nunca ter hora de
almoço quando trabalhava, pelo menos uma hora como a das outras pessoas.
-
Pois, esqueci-me…Que tal ao jantar? Queres ir aquele restaurante novo que abriu
lá na praça?
- Pode
ser…Então até logo.
-
Espera! – Júlia gritou para o telemóvel esperando que Alex a ouvisse e não
desligasse.
- Diz.
- Diz-me
ao menos do que se trata. Não me faças sofrer até logo.
Alexandra
riu-se.
- Tu é
que não tens tempo, eu contava-te agora… - Picou-a.
- Óh!
Vá lá! – Júlia abria a porta e entrava para a sala.
- Ok.
– Alexandra estava mortinha para contar. – Outro dia jantei com o James…
- E? –
Júlia sentiu um frio na barriga.
-
E…Depois conto-te, mas acho que se gerou ali um clima. – Silêncio de suspense.
Júlia
sentou-se e demorou um pouco a responder. Estava a tentar processar o alcance
da informação que acabara de ouvir.
- Alô?
Não estás contente miga?
- Eh!
Estou, estou! – Mentiu.
- Tens
a certeza?
-
Bem…Claro que tenho, quer dizer, uma mulher sente estas coisas, não é? E ele é
um gato e um cavalheiro, e, sei lá. Quase que diria que é perfeito. – Alexandra
vibrava em cada palavra que dizia. – E quase, quase me beijou…
– Olha, tenho de ir que está a fazer-se tarde.
Beijo. – Sem conseguir ouvir mais, Júlia desligou o telefone.
Desligou-
o à pressa, e atirou-o para o chão com raiva.
Sentia-se
tola, humilhada. Mas no que é que pensara? Claro que um homem como ele nunca
iria olhar para uma miúda como ela. E ainda por cima depois de conhecer a
Alexandra. Ela era um mulherão! E mais próxima da idade dele. Que parva que
era.
Aborrecida,
entrou para o duche e deixou a água quente, muito quente, correr por cima de si, por muito tempo, na
esperança desta lhe lavar o corpo e a mente e lhe levar os pensamentos para o
ralo.
Mas o
que é que se estava a passar?
Se
pensasse bem, ele não fazia sequer o seu género!!! O Jacques é que era um
romântico perdido. O James não era, o James era... Um homem mais velho, viúvo,
e embora ainda se mantivesse bem conservado, tinha já os cabelos a começarem a
branquear, nas têmporas, e na barba mal semeada que emoldurava uns lábios
grossos, carnudos e vermelhos que quando pronunciavam o seu nome…
-
Aiiiii. Pára!
Esfregou-se
com força e com raiva até que a pele lhe começou a doer.
James
chegou a casa ainda sob o efeito da imaginação, e decidido a combatê-la, enfiou-se
debaixo de um duche gelado. Mais uma vez voltara aos tempos de adolescente,
onde recorria ao duche de água fria para resolver muitos dos seus problemas.
Recomposto,
vestiu uns jeans e um polo que tinha comprado há uns dias, e nos pés calçou uns
sapatos vela, também adquiridos aquando da vestimenta. Colocou um pouco de
perfume e olhou-se no espelho.
Nada
mal! Como a sobrinha lhe dizia a brincar, estava um “cota” todo “enxuto”.
Passou
a mão pelo cabelo e pela barba mal semeada, onde já se notavam alguns cabelos
brancos, mas, e mais uma vez, lembrou-se da sobrinha que lhe dizia que, isso
estava na moda. E a sobrinha era uma autoridade no assunto, com os seus 17 anos
acabados de fazer.
- E a
ti, isso que te importa? – Perguntou-se passado alguns segundos.
-
Nada. Não me importa nada. Tens razão. Tenho de deixar de ser um velho tolo, ou
ainda acabo a fazer figuras tristes. Vou, mas é dedicar-me às aulas. –
Respondeu-se afastando-se do espelho e indo para a sala.
Resolvido
a deixar estas coisas para trás, pegou no telemóvel e nas chaves, e saiu de
casa para ir ter com o diretor da escola.
Iria apresentar-se
e apresentar-lhe o seu projeto e estava com algum receio que ele não o
aceitasse. Por isso, e para se preparar bem, durante todo o caminho, foi
treinando mentalmente o discurso que faria, antecipando perguntas e críticas e preparando as melhores respostas
para que tudo corresse bem.
- Bom
dia! – Cumprimentou-o o diretor saindo de trás da secretária e estendendo-lhe a
mão.
- Bom
dia! – Retribuiu o cumprimento com um sorriso.
- Ora
então, disseram-me que o James queria falar comigo. – Afirmou voltando-se a
sentar e convidando o James para se sentar na cadeira de fronte da secretária.
- É
verdade. Não o enganaram! – Sorriu timidamente.
- E
então, do que se trata?
- Sou um
engenheiro físico, reformado, com tempo a mais e ocupação a menos. Tenho a paixão
pela história em geral e em particular pela de Inglaterra. Antes de tirar o
curso de engenharia física, frequentei o curso de história de Inglaterra, na
universidade de Bristol. Frequentei até ao terceiro ano para ser mais exato.
- E
depois mudou para engenharia física?- Espantou-se o diretor.
- É
verdade…
- Como
é que isso aconteceu?
- Bom
foi um processo gradual, mas tudo começou com a minha namorada da altura. Ao
tentar impressioná-la levei-a numa noite a ver as estrelas, e para isso, pedi
emprestado a um amigo que estava no segundo ano de engenharia, um aparelho para
pesquisar e mostrar o mapa estelar. O
aparelho, não recordo agora o nome, era um protótipo desse amigo, um projeto
para uma cadeira, que me garantiu que não só funcionava na perfeição e era intuitivo
de usar, como também é ótimo para impressionar as miúdas. Ele próprio já o
tinha usado com sucesso. Nunca falhava, dizia ele.
Então,
eu muito entusiasmado, levei a miúda até ao topo de uma colina, descrevi um
grande cenário histórico do local e quando chegou a altura de usar o
aparelho…Fiz uma completa figura de parvo. Não só não sabia como pô-lo a
funcionar, como ainda dei cabo dele. – Fez uma cara cómica de pobre coitado.
O
diretor riu-se.
Orgulhoso
como sou, - Continuou.- Meti na cabeça
que não só haveria de perceber como
aquela geringonça funcionava, como o haveria de arranjar antes de o devolver…
O
diretor acenou com a cabeça em sinal de aprovação e incitamento.
- E
foi assim, ao tentar perceber a mecânica da coisa, que me fui embrenhando pela
ciência e pelo gosto das leis da física e quando dei por mim, estava no curso
de engenharia física! Mas nunca abandonei a história por completo, e agora que
já estou reformado, e ao falar com um amigo que leciona aqui história da arte,
nos lembrámos que eu poderia ensinar alguma coisa de história a quem tivesse
gosto e vontade de aprender.
O
diretor ouviu-o com atenção sorrindo aquando da descrição do embaraço e de um
ou outro momento, e não respondeu de imediato.
- Até
já tenho um aluno, ou melhor, uma aluna. – Insistiu perante aquele silêncio.
- O
James tem 49 anos? É ainda muito novo para estar reformado.
-
Pois. Infelizmente o departamento onde eu trabalhava, na universidade, fechou
porque o novo diretor achou que investir dinheiro naquele projeto era um
desperdício e eu e os meus colegas fomos confrontados com a proposta da
pré-reforma. Uns ainda enveredaram pela via de ensino, mas a minha mulher,
entretanto adoeceu e eu optei pela primeira solução.
- E
agora quer dar aulas?
- Sim.
– James sentia-se nervoso.
-
Porque não, aulas de física?
- Na
universidade?
- Sim.
- Não.
Custa-me lá voltar depois de tudo o que se passou.
- E
aqui?
- Física?
Aqui?
-
Seria o mais lógico…
-
Bem…primeiro porque duvido que haja muita gente interessada em aprender física,
fora do contexto universitário, e depois porque após tantos anos a estudar
física, resolvi voltar ao meu sonho antigo.
-
Muito bem. – O diretor abriu a gaveta da secretária e tirou de lá uns papeis. –
Sabe que a remuneração aqui é apenas simbólica, não sabe?
- Sim.
Não é isso que me preocupa.
-
Então muito bem. – Estendeu-lhe os papeis. – Tem aqui um contrato onde explica
as normas de funcionamento da casa, leia com atenção e preencha-o. Quando
estiver pronto, entregue-o à Dona Graçe, dos serviços administrativos e veja
com ela o horário disponível e se lhe convém ou não.
James
aceitou os papeis e levantou-se imitando o diretor que também se tinha
levantado e rodeado a mesa. Estendo-lhe a mão para mais um cumprimento, acompanhou-o
à porta e despediu-se dando-lhe as boas vindas.
-
Obrigado. – James abriu a porta e saiu.
- Já
agora, ficou com ela?
- Com
quem? – Voltou para trás uns passos.
- Com
a miúda. – O diretor sorriu.
- Até
ao fim dos seus dias. – E acenando, voltou-se novamente e saiu em direção à secretaria.
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