Carmo 3

 

Carmo, divertida, tirou-lhe os sacos da mão, e sem lhe responder, foi para a cozinha onde as chávenas ainda fumegavam e o aroma a café era forte e convidativo.

- `Tás a ouvir-me? – Questionou-a Mauro que a seguira até à cozinha.

- Estás. – Corrigiu-o mentalmente Carmo.

- Ouve, senti que a velha estava a gozar comigo e não gostei. – Ignorando o silêncio como resposta, continuou sentando-se à mesa onde bebeu um gole do café da chávena da dona Maria.

- Não é “velha”, é “senhora”. Não se trata assim quem não se conhece. – Mais uma vez Carmo corrigiu-o começando a sentir “aquela irritação” a crescer dentro de si. – E essa chávena não estava aí à tua espera, era da dona Maria. E ela já bebeu uns quantos goles. – Ainda abriu a boca para o avisar, mas calou-se. Aquela era a sua pequena vingança.

- Então, não te sentas? – Perguntou-lhe ele barrando manteiga no pão que trouxera. – Está quente. Queres? – Estendeu-lhe uma fatia.

- Não. Não. Perdi o apetite. Vou tomar um duche. Fecha bem a porta quando saíres, por favor.

- Sair? Mas…Estava a pensar ficar aqui o fim de semana…

Carmo olhou-o com um misto de pena e de asco. Se por um lado parecia um miúdo pequeno a quem tinham prometido uma festa e não cumpriram, por outro, aquela boca cheia de comida, aquela falta de…alguma educação…AAhg! Não. O sexo era bom, muito bom, mas não compensava aquilo.

De hoje não passava. Iria terminar tudo com ele, mas antes tinha de tomar um bom banho e pensar em como o fazer.

Estava no quarto a vestir-se quando ouviu a porta da rua a bater. Sentiu um alívio. Estava sozinha. Podia pensar com clareza.

Pelo menos assim pensava. E foi com uma leveza no peito que foi para a cozinha, para, finalmente, tomar o seu pequeno-almoço.

- Trim, trim. – Novamente a porta.

- Mas isto hoje não pára?! – Resmungou acabando o café. – Do que é que te esqueceste? – Perguntava ao Mauro que pensava estar do outro lado da porta.

Sem espreitar pelo óculo abriu-a.

- Dona Maria! Outra vez?

- Desculpe menina, mas desta vez a culpa é do Rato.

- Do Rato?

- Sim, menina. Voltou a fugir para a sua varanda. Não sei como é que ele faz isso. Juro! – Abriu muito os olhos para reforçar a mentira.

Carmo revirou os olhos. Não lhe apetecia nada empoleirar-se novamente no escadote, mas, não tendo outra alternativa, lá abriu a porta e foi para a varanda deixando para a vizinha a tarefa de a fechar.

Chegou à sala, dirigiu-se à varanda e ia para ir buscar o escadote quando deu com o gato deitado, a dormir, no chão, junto ao murete que separava as duas varandas, a dela e a da vizinha. Dormia profundamente, e parecia mesmo que alguém o ali tinha colocado.

- Dona Maria, a senhora é lixada! – Pensou enquanto pegava no animal que se enroscou no seu colo, sem abrir os olhos, de tão perdido de sono que estava.

- Aqui está, dona Maria. O seu gato fujão. – Entregou-lhe o animal deitando-lhe aquele olhar que diz: eu-sei-bem-que-me-estás-a-enganar.

- Ó! Obrigada. - A Sra. aceitou-o e sentou-se no sofá.

Carmo olhou-a estupefacta, sem bem que se pensasse um pouquinho, não era uma atitude que na verdade a surpreendesse. No fundo já tinha percebido que tudo isto não tinha passado de uma maquinação dela para entrar em sua casa e conversar mais um pouco.

- Então, Dona Maria. Veio acabar o café? – Perguntou-lhe divertida.

- O café? Bem…Eu…Sim…Não…

- O que se passa? Já a conheço há uns bons pares de anos e nunca a vi assim…

- Assim como? – Perguntou altiva. Tinha-se endireitado no sofá e recuperado a pose.

- Assim. Atrapalhada. A balbuciar. – Respondeu com empatia.

- Balbuciar? Eu? Não, o que se passa é que… - Suspirou profundamente.

- O que se passa é que? – Carmo devolveu-lhe a pergunta.

- O que se passa, é que eu não gosto de me meter na vida de ninguém, já sabe disso.

Carmo assentiu com a cabeça incentivando-a a continuar. Rato, esse ressonava no colo da dona.

- Mas aquilo que eu vi, sem querer, é claro, aquilo que eu vi é demasiado grave para ficar calada.

- Aí, está a assustar-me. O que foi assim tão “terrível” que viu? – Perguntou-lhe cada vez mais divertida e intrigada.

A velha senhora acomodou-se melhor no sofá e o Rato saiu-lhe do colo.

- Bem o que vi, foi, foi…

- Aí Dona Maria. Desembuche.

- Bem, vi o seu “noivo” passar a tarde toda com outra moça aqui em sua casa.

- Hein? Como assim? – Carmo não estava a perceber.

- A semana passada, e já antes, desconfio, quando a Carminho saiu para o trabalho, passado pouco tempo, o seu noivo, veio abrir a porta a outra moça, e deixou-a entrar e estiveram lá a manhã toda.

- A manhã toda? Se calhar era uma amiga. Ou alguma colega de trabalho.  – Carmo não sabia porque é que o estava a justificar, mas fazia-o.

- Uma amiga? Diga-me, sei que os tempos mudaram muito desde que eu era jovem, mas é costume receber-se uma amiga nu, e cumprimentá-la com um beijo na boca? – Perguntou-lhe com um ar desafiante.

 




 

 

Comentários

Mensagens populares