Simão Fim
Simão atrapalhou-se
quando ela entrou, e ao levantar-se bateu de encontro à cadeira que estava ao
lado do cadeirão. Irritado praguejou.
Também
ela se atrapalhou. O tabuleiro tremeu-lhe nas mãos, mas graças a uma perícia
providenciada pelos céus, equilibrou-o e as coisas não caíram.
O Sr.
José divertia-se à brava.
- Bem,
está a querer parecer-me que esta é a dica para eu sair…, Mas como infelizmente
não posso… - Brincou com os dois – Aconselho-vos vivamente a irem até ao jardim
porem tudo em “pratos limpos.”
- Sr.
José… - Admoestou-o ela. – Pare de dizer disparates.
- Mas…Não
é nenhum disparate, pois não Simão? Ainda agora me dizias que tinhas assuntos
por resolver aqui com a enfermeira Rosária.
O
rosto de Simão passou por todas as paletes de cores do arco iris, parando na
vermelha.
- O quê?!
– Bufou incrédulo. – Como era possível que ele lhe fizesse isso?!
Rosária,
que também tinha uma cor diferente da normal, mais rosada, manteve-se calada e
olhou para Simão que levantou os braços e começou a recuar.
- Não!
Isto não está a acontecer. – Disse.
- Isto
o quê? – O sr. José continuava implacável. – E aqui a sra. enfermeira também
parece ter coisas a esclarecer contigo, não é verdade Sra. enfermeira?
- Sr.
José….
- Não SR
José, nem Sra. Josefa. Já não tenho muito tempo de vida e quero ver isto
resolvido antes de partir. – Disparou ele ao mesmo tempo que tocava no botão
para chamar um enfermeiro.
O
enfermeiro António, como se estivesse à espera da sua deixa, entrou quase de
seguida.
-
Chamou-me?
- Sim.
Por favor. Preciso de ir até ao jardim apanhar ar, e estes dois não me podem
levar.
O
enfermeiro interrogou-os com o olhar. – O que se passa? – Perguntou silenciosamente.
Um
abanar de cabeça da enfermeira, disse-lhe que não fizesse mais perguntas e que
o levasse dali. O que ele fez de imediato.
Simão
estava calado. Calado e quieto.
Quando
eles saíram, um silêncio fez-se ouvir aos gritos no quarto. Nenhum dos dois
conseguia dizer fosse o que fosse. Nenhum dos dois conseguia mexer-se fosse
para onde fosse. Nenhum dois conseguia pensar fosse sobre o que fosse.
Estiveram
assim, imobilizados, como estátuas, algum tempo até que simão, nervoso quebrou
o momento.
-
Desculpa. Não sei o que ele quis dizer com aquilo. Devem ser efeitos da velhice…
Rosária
aproximou-se dele.
-
Achas?
- Tu
não? – Ele perguntou a meia voz. A proximidade dela fazia-se sentir em todo o
seu corpo.
- Não
sei…Acho que ele tem alguma razão no que diz…
- No
quê? – Afastou-se dela para que o seu cheiro não lhe invadisse o cérebro, e o
resto dos seus órgãos.
Olhou
para o chão. Nervoso.
Ela
tornou a aproximar-se e colocou-lhe uma mão no ombro. Sentiu-o estremecer. Ela
também estremeceu. Foi como se uma descarga elétrica caísse sobre si e lhe incendiasse
todo o seu ser.
-
Temos alguns assuntos por resolver…- Falou meigamente. Baixinho.
Ele
virou-se. Os seus olhos foram atraídos para os dela, e dali desceram para
aqueles lábios. Deus! Que vontade tinha de os beijar!!!
- Tu
andas a fugir de mim…- Insistiu ela.
Aqueles
lábios…
- Não…
- Respondeu, passados alguns momentos. – Ando a fugir de mim… - E virou o rosto
para o lado.
Ela
segurou-lho meigamente e forçando-o a olhá-la disse-lhe.
- Não
tens de fugir. Seja do que for. Eu estou aqui para ti. Para te ajudar.
Ele
retirou-lhe as mãos e respondeu com uma brusquidão impensada.
- Eu
não quero a tua ajuda!
Rosária
olhou-o magoada.
- Mas
o que é que eu te fiz?! – A voz mostrava a deceção que lhe ia no interior.
-
Céus! – Desabafou ele, levando as mãos à cabeça. – Tu não percebes? Eu sei que
para ti não passo de um miúdo. De um puto. Mas os “putos” sentem. Sabias? E
sentem como gente grande, às vezes!!!
- Tu
não és um puto para mim. – Respondeu-lhe zangada. – Acho que tudo o que vivemos
até agora tem te mostrado isso. Nunca te tratei como tal.
- Não,
mas… - Calou-se arrependido do que ia dizendo.
- Mas?
Ele
não respondeu e começou a andar entre a porta e a janela, como fazia sempre que
se sentia nervoso.
- Mas?
- Insistiu ela parando-o a meio do caminho.
- Mas
é o que vais fazer se eu te contar o que se passa…
-
Porque não tentas? – Ela aproximou-se mais.
Na
verdade, aproximou-se demais… Ele não resistiu e sem pensar mais, apertou-a
junto a si e beijou-a com a intensidade de um primeiro amor, sentindo-lhe a
correspondência no retorno do beijo e nas mãos que percorriam o seu corpo de
uma forma urgente…Faminta.
A tudo
isto assistiu o Sr. José que, entretanto, tinha chegado. Calado, sorriu e disse
para si:
- A
primeira pedra já saiu!
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