António 4
Entraram numa sala que parecia ter sido
uma capela.
Do lado oposto às grandes portas estava
uma parede com um arco e uma mesa de pedra à entrada que fazia lembrar um altar.
As mesas compridas, quatro no total, estavam dispostas lado a lado,
longitudinalmente num espaço que lembrava uma pequena nave.
Por cima, nas paredes laterais estavam uns
nichos com uns pratos antigos, mas que tinham todo o ar de quem tinha albergado
imagens de santos em tempos idos.
- Tinha sido com certeza uma capela. –
Disse António para si.
Sentaram-se, e de imediato lhes foi
trazido pão com azeitonas e uma garrafa de vinho.
Passados alguns minutos, mais pão e uns
pires com chouriço assado também foram postos em cima da mesa.
A campainha soou
novamente.
Eram os amigos de
Manuel. António analisou-os por detrás daquelas lentes grossas. Não pareciam
ser do tipo rufia.
- Menos mal. - Pensou.
Pouco a pouco o resto
dos clientes foram chegando, e a comida foi preenchendo o pouco espaço que
havia no estômago depois de umas entradas daquelas.
Pela noite dentro, a
conversa fluía agradavelmente, mas, ele mantinha-se à margem.
Eram muitos anos a
viver como bicho do mato, para se sentir à vontade no meio de pessoas estranhas.
Felizmente, as luzes apagaram-se, e do lado esquerdo aparecem dois homens, um
novo e um velho, ambos com uma guitarra portuguesa na mão, dirigindo-se e para
as portas que, entretanto, foram fechadas.
À sua frente vinha o
Paulo com duas cadeiras que colocou junto as mesmas para que eles se sentassem.
Após algumas notas
tocadas em tons intimistas, este fez as apresentações dos guitarristas e chamou
a fadista, Maria das Dores que apareceu também do lado esquerdo envergando um
vestido comprido e preto coberto por um xaile bem garrido.
O coração de António
parou por uns instantes quando olhou para ela.
Nunca tinha visto
ninguém assim, ou melhor, nunca nenhuma mulher lhe causara uma impressão tão
forte.
- António, António! O que estás a fazer?
Era Manuela quem lhe puxava o braço.
- Senta-te. Estás maldisposto?
- Hein? Não, não porque dizes isso?
- Ficaste branco. Parece que viste um fantasma - Manuela
estava realmente preocupada.
- Não, não, não foi nada. Já passou. - Respondeu
bruscamente sem, no entanto, se aperceber de tal.
Manuela olhou-o atentamente. Não estava habituada a
que ele lhe respondesse assim, e de repente percebeu nele um homem, em vez do
“amigo” para todas as ocasiões que se habituara a ter.
António virou se para a fadista e de um modo inconsciente
tirou uma caneta do bolso da camisa de começou a escrever.
O que ele escrevia, é que Manuela não conseguia saber,
e embora achasse estranho, não teve coragem de lhe perguntar.
Tentou de um modo disfarçado chegar-se mais para ele,
para poder espreitar, mas estava demasiado escuro. Ficou sem saber…
Percebeu que o que ele escrevia tinha a forma de um
poema, mas pensou ter visto mal. Não acreditava que ele fosse homem de poemas.
Afinal de contas ele era o melhor amigo de Manuel e todos sabiam que o
romantismo, a poesia, e Manuel e os amigos não andavam juntos.
Ficou intrigada...
António, por sua vez, despejou a sua alma no papel
e tendo de repente, consciência disso, depressa rasgou a folha e guardou-a
no bolso.
Olhou em volta, para ver se alguém o tinha visto a escrever,
mas todos estavam concentrados na música. Pelo menos assim parecia...
Ficou mais descansado…
O resto da noite passou-se de um modo muito bom e
muito rápido, e entre fados e conversas, o tempo voou.
Em relação à semana seguinte o mesmo já não se podia
dizer.
Era o que diria Manuel se lhe perguntassem, pois
tinham combinado ir no próximo sábado novamente ouvir a Maria da Dores e ele
estava ansioso.
Não o demonstrava, porém.
Estava cada vez mais taciturno.
Pouco falava, desejando estar sozinho para escrever.
Só quando escrevia se sentia mais calmo.
O tema dos seus poemas era como sempre o amor, não o
sentimento de amar e não ser amado, mas o medo de cair no ridículo ao deixá-lo
transparecer, só que desta vez a musa era outra.
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