António 5
Chegado sábado à
noite, quem os quisesse ver, era lá que tinha que ir. Aos poucos foram se
tornando íntimos dos da casa, e Maria das dores passou a juntar-se à mesa
depois do espetáculo onde depressa percebeu a timidez de Manuel.
Gostava de o provocar,
e fazia-o com frequência, apesar das advertências de Manuela que queria a todo
o custo proteger o amigo.
No que diz respeito a
António, Maria das Dores tinha - o afetado, e embora soubesse que era uma
parvoíce pensar assim, sentia que naquelas noites ela cantava para ele, que
chamava por ele, e embora nunca se atrevesse a demonstrá-lo, gostava dessa
sensação, e cultivava-a à noite sozinho na cama.
E foi talvez embalado
pela ilusão, que se atreveu a dedicar lhe abertamente um poema.
Escreveu-o num sábado
de manhã.
O inverno tinha
resolvido finalmente aparecer e acordou-o com o som da chuva a bater na janela.
Quetinho, debaixo do edredom,
espreguiçou-se. Era boa aquela sensação de frio lá fora e quente cá dentro.
Sentou-se com as
costas apoiadas na almofada, ficou uns momentos a matutar e de repente,
impelido por uma força imparável, esticou o braço e pegou no caderno e no lápis
que estavam sempre em cima da mesinha de cabeceira, mesmo entre o despertador e
o livro que lia naquela ocasião.
E escreveu:
Teu nome Maria
No meu peito ressoa
O que eu faria
Se fosse outra pessoa…
Continuou a despejar a
alma em palavras e quando por fim terminou, guardou - o no bolso, disposto
a entregar-lho nesse dia à noite, quando em jeito despedida lhe desse um beijo
no rosto como era habitual.
Teria de o fazer de um
modo disfarçado, pois não aguentaria outra troça por parte de ninguém.
Ao
longo do dia, não se conseguiu concentrar em nada.
O papel no bolso
queimava-lhe a pele. Tão depressa se sentia com coragem para o fazer como no
momento a seguir achava-se um parvo ridículo.
O
dia, esse, também não colaborava.
Nunca mais passava e
enchia-se de berbicachos que lhe apresentava para que ele com a sua paciência
os resolvesse. O pior é que a paciência hoje tinha-o abandonado. Várias foram
as vezes que pegou no papel, disposto a rasgá-lo e a deitá-lo fora, mas no último
instante arrependia-se e de novo o guardava no bolso, junto ao peito, para lhe
dar força, para lhe dar animo.
Finalmente
chegou o fim do dia, altura em que ele se sentia mais vivo.
Foi buscar os amigos e
contrariamente ao habitual deixou que Manuel o provocasse sem lhe responder.
Estava focado em chegar.
Deixou o carro mal-estacionado tal era a
pressa que tinha de chegar ao fim da noite e lhe entregar o poema.
- Tenho que o fazer o
mais depressa possível antes que perca a coragem. - Falava para si. – Não é
melhor esperar pelo fim da noite. – Contradizia-se
- António, tu hoje não
estás bem. - Manuela estava atenta e preocupada.
Ultimamente passara a
olhar António de um outro modo, e começara a sentir um grande carinho por
aquele “leão” grande com alma de “cordeiro”.
Não sabia porquê, mas sentia
a necessidade de o proteger, quer das piadas parvas de Manuel, para quem tinha
cada vez menos paciência, quer das provocações de Maria das Dores.
Dizia para si que
António era um bom homem e que já passara por um bocado na vida, pelo merecia
ter uma amiga de verdade, e ela estava disposta a ser essa amiga. Só amiga! -Tentava
convencer-se.
António nem respondeu,
seguiu em frente não reparando no olhar triste e magoado que nela lhe
provocara.
O jantar foi
esquisito. Nenhum dos dois estava como habitual, ele, inquieto e desatento, ela
atenta ao mais ínfimo movimento e olhar dele. Manuel, esse continuava como
sempre, centrado em si e na diversão que juntamente com os outros convivas
partilhava.
Chegou finalmente o
fim do espetáculo, e Maria das Dores ocupou o seu lugar à mesa. Parecia que ela
adivinhava o que se iria passar pois naquela noite ela estava mais bonita do
que nos outros dias, isto se assim fosse possível.
Pelo menos era o que
sentia António, que de tão nervoso estava ainda mais calado do que
habitualmente.
Chegou a hora da
despedida e juntamente com o beijo de boa noite, António entregou-lhe na mão o
papel e saiu de rompante.
Manuela ficou para
trás e atenta ao que se passava, apercebeu-se que ele lhe entregara algo e
esperou para perceber o que era, esperou pela reação de Maria das Dores.
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