Margarida
Margarida
Margarida
acabara de ter mais uma discussão com o seu marido. Olhou para os filhos, cada
um para seu canto. Não se falavam entre eles e não falavam com eles.
-
Que bela família - Pensou.
-
Que bela maneira de começar as férias . - Disse em voz alta.
O
seu filho mais velho, no alto dos seus 16 anos responde-lhe:
-
Se estás assim tão farta porque não vais de férias sozinha?
Margarida
não lhe respondeu. Olhou para o marido que com a sua arrogância lhe enviou um
olhar “daqueles”!!!
Foi
para o escritório.
Não
adiantava falar, zangar-se, fazer o que quer que fosse. Aquela era a sua
família, a sua vida e fora ela que a escolhera. Pois agora que não se
queixasse!
Ligou
a televisão.
Estava
a dar um programa sobre novas empresas em Portugal. Margarida olhava, mas não
via. A frase do filho bailava incessantemente na sua cabeça. De repente ouviu:
-
Um novo hostel na Covilhã, chamada “Pura lã”.
Não
sabia se tinha sido pelo som ou deformação profissional (era farmacêutica e
Purelã é o nome de um creme que ela conhecia), mas o facto é que despertou para
a notícia. O hostel, diziam, era baseado num novo conceito. Era pequeno, no
meio do campo e uma parte do pagamento seria feita com uma peça de lã que cada
hóspede teria de tricotar e que reverteria a favor da caridade. Quem não
soubesse tricotar teria de aprender.
-
E porque não? - Pensou.
Não,
não teria coragem. Nunca passara férias sozinha e não seria agora que o iria
fazer. Engoliu em seco, respirou fundo e voltou à sala, à sua família, à sua
vida.
Os
dias foram passando sempre com um clima de paz fria.
Era
sempre assim.
Pareciam
que estavam todos a pisar ovos, ou melhor, ela estava, só ela, sempre a pôr
água na fervura, porque os outros estavam mais interessados em ser e em dizer
aquilo que lhes bem apetecia. Nada de novo...
Um
dia chegados da praia, não tinham jantar.
Ela
esquecera-se de tirar comida para fora e teve de improvisar algo.
O
marido ralhou-lhe por se ter esquecido.
Os
filhos não gostaram da comida. Queriam outra! Outra comida, outra mãe, outras
férias.
Foi
a gota de água.
Margarida
saiu calmamente da cozinha, foi ao escritório e marcou o número. O número do
hostel. E reservou, não um fim de semana, mas o resto das férias. Para ela
chegava.
Desceu
e calmamente comunicou à família o que acabara de fazer.
-
E quem te leva lá? - Perguntou-lhe o marido com um ar sarcástico.
-
Ó mãe, que parvoíce. Tu bem sabes que não passas sem nós - Responde o do meio.
Margarida
não respondeu. Foi até ao quarto, fez a mala e partiu.
Ia
cheia de medo. Nem acreditava no que tinha feito. Ir para tão longe. Sozinha e
à noite. O melhor era voltar para trás. Estava quase a fazê-lo quando recebeu
um telefonema da família.
-
Ouve lá. Não sejas parva, deixa-te de criancices e volta imediatamente. -
Dizem-lhe.
Foi
tudo o que precisava de ouvir. Desligou o telefone, ligou o GPS e aí foi ela.
Rumo ao desconhecido, rumo à aventura, rumo à paz.
Chegou
de noite e mal apreciou o hotel. Estava cansada, nervosa, ansiosa. Só queria
uma cama.
Estranhamente
dormiu bem. Estava cansada, demasiado cansada para pensar, para sofrer. Amanhã
logo veria.
De
manhã, Margarida, acordou maldisposta.
-
Meu Deus! - Pensou. O que fora fazer. E agora?
Agora?
Agora,
iria tomar o pequeno almoço, porque de barriga vazia ninguém pensa. Disse para
si tentando animar-se, tomar uma resolução por mais pequena que fosse.
Desceu
à sala do pequeno almoço. Tinha apenas 4 pessoas, um casal de meia idade, um
homem pelos 40 anos e uma rapariga de 20 e poucos.
Margarida
não se espantou. Apesar de os preços serem muito baratos este era um conceito
inovador. E parecia lhe que talvez não fosse muito popular. Estranhou a
presença daquele homem.
Dirigiu
- se a uma mesa, sentou- se e logo foi servida por uma mulher de aspeto miúdo,
mas com alguma idade. – Supunha ela.
Muito
simpática, perguntou-lhe o que queria comer e se iria passar ali o dia ou
passear até à cidade.
Margarida
respondeu-lhe que não sabia.
E
não sabia mesmo.
Agora
que ali tinha chegado não sabia o que fazer.
Tudo
era novo, bom e mau ao mesmo tempo.
Sentia-se
destemida e temerosa.
Além
do mais, com a pressa esquecera-se dos livros, os seus fiéis companheiros, os
seus amigos leais, e agora não tinha nada para fazer.
E
não estava habituada a isso. Estava mesmo perdida.
Falou
nisso a Sandra, a dona do hostel, que lhe perguntou se já sabia o que iria
tricotar, se já tinha tudo, as lãs, as agulhas, o modelo ou precisava de ajuda.
-
Tricotar? - Nem se lembrara mais disso. Claro que sim. Precisava de ajuda e
muita. Ela nem sabia pegar numa agulha, quanto mais tricotar algo. E não fazia
a mínima ideia do que tricotar.
-
Então porque não se junta a nós? Aprende um pouco enquanto não decide como
ocupar o seu tempo. - Disse-lhe com um sorriso.
-
Nós? Quem? - Perguntou Margarida.
-
A mim e ao Paulo que está quase a ir embora e nunca mais acaba a camisola -
Disse rindo-se enquanto piscava o olho a Paulo.
Margarida
virou- se. “Ah! Chama- se Paulo. Mas, o que fará aqui? E uma camisola?
Estranho...”
Por
outro lado, porque não? Eles nem sequer ligaram para saber se ela estava bem.
Estavam a fazer birras, e de birras estava ela farta.
De
qualquer modo não tinha nada para fazer. E Sandra parecia-lhe simpática,
"desempoeirada", e era de pessoas assim que ela precisava. E Paulo?
Aquilo era demasiado estranho para ela não investigar.
Ele
tinha um bom ar. Era alto, moreno. Cabelo castanho revolto e uns olhos verdes
meigos e divertidos. Tinha um ar seguro de si sem ser arrogante.
Porque
estaria ali sozinho? E um homem a tricotar?
Não
tinha aspeto desse tipo de homem.
Estaria
a passar por um mau bocado como ela? Ou estaria apenas de férias? Mas porquê
este interesse? Não tinha já confusões que bastassem?
Por
outro lado, muitos livros de Agatha Christie lidos tornavam a situação
irresistível…
Os
seus pensamentos voavam desordenados. Assim como o seu espírito.
-
E porque não? – Respondeu.
-
A que horas é, e onde? - Perguntou com um ar desafiante. Sandra sorriu-lhe. Já
vira algumas "Margaridas" na vida. E a todas ela ajudara...
Chegada
a hora, Margarida procurou a sala.
"Bolas!"-
o hostel não era grande, mas tinha algumas portas, e andares.
-
Está perdida? - Perguntou uma voz atrás de si. Margarida virou-se e viu Paulo.
De repente, toda a sua coragem foi-se embora.
-
Parva - Pensou. - O que se passa contigo?
-
Sim, procuro a sala de aulas. - Respondeu.
-
Aulas?
-
Sim, de tricot…
-
Ah, de tricot... São aqui! - Paulo riu-se. - Agora parecia uma menina pequenina
perdida no primeiro dia de...aulas - Brincou.
-
Margarida!
-
Entre, e não ligue ao Paulo. Ele está sempre a meter-se com as pessoas- Disse
Sandra saindo da sala com um sorriso no rosto.
-
Que bom. - Respondeu Margarida. - É disso que preciso, de boa disposição...
-
E de umas aulas de tricot- Rematou Paulo
E
Margarida assim teve.
Aulas
de tricot, aulas de confiança, aulas de amizade, aulas de Amor.
E
Margarida aprendeu.
Aprendeu
que tricotar não é só para mulheres.
Aprendeu,
que há muitas razões para um homem procurar um isolamento, um encontro consigo
próprio. Que não era só ela a única a precisar de se descobrir.
E
o mais importante de tudo, aprendeu que a vida dela ainda era um livro por
acabar. De ler e de escrever....
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