Francisca 5


1 de Abril

Hoje é dias das mentiras. Que engraçado. É como a minha vida. Uma grande mentira. Estou a ser sarcástica, eu sei. E injusta também, mas tu sabes.
Eu conto-te quase tudo o que se passa, e o que penso.
E, digo quase tudo, porque há coisas que penso que nem a ti me atrevo a contar.
Hoje o meu marido procurou-me na cama. Há já uns tempos que não o fazia e eu confesso que não me importava. Não que eu não goste de sexo. Gosto e muito, como qualquer pessoa normal, mas é que ele implica tanto comigo, ralha-me tanto, que não me apetece fazê-lo com ele…
Percebes-me?
Inventei a clássica dor de cabeça e ele ficou chateado. Mais uma critica para cima de mim… O pior é que se vai vingar nos miúdos.
Não o vai fazer de propósito, de uma forma consciente, mas foi contrariado e ele não sabe lidar com a frustração. Fica como um menino de 5 anos.
Faz birra e descarrega nos outros… Eu já estou habituada, mas preocupa-me os miúdos…

15 de Abril
O Gabriel hoje ligou-me. Queria saber porque não tenho ido à missa. Estava preocupado e queria saber se estava tudo bem.
Respondi-lhe que sim, apenas estava um pouco engripada e por isso não conseguia levantar-me a horas da missa…
Menti-lhe. Eu sei que não se deve, mas não tive coragem de lhe dizer que tive preguiça…
Ele perguntou-me se eu necessitava de alguma coisa, e depois de eu agradecer e responder que não, desejou-me as melhoras e desligou.
Fiquei a pensar… Será que ele liga a todas as pessoas que faltam à missa 2 fins de semana seguidos?

25 de Abril
Hoje fomos todos à missa. Quem nos visse pensaria que somos uma família perfeita. O Rui estava no seu melhor, abraçado a mim e a espalhar sorrisos e cumprimentos, e os miúdos também estavam bem.
Eu também estava bem, até o Gabriel nos ter vindo cumprimentar ao fim da missa.
Senti-me estranha, sabes? Ali abraçada a ele, depois de tudo o que contei ao Gabriel. E ele, o Gabriel, falava como se nada fosse, mas por uma ou duas vezes, pareceu-me vê-lo a olhar-me, a observar-me. Como se se quisesse certificar de que tudo estava bem e não eram só aparências…
Senti-me…Nem te sei explicar o que senti.
Senti-me uma farsa.
Foi isso! Uma farsa!
Felizmente a conversa foi breve e pude voltar para casa e esquecer essa sensação.
Devíamos ir mais vezes à missa, sabias? Todos voltamos mais calmos e mais unidos…
Se calhar Ele está a ajudar-nos…
25 de Maio
Chega!
Hoje foi a gota de água. Ainda bem que os miúdos tinham saído para a escola. Digo-te não foi bonito de se ver.
Hoje não me calei. Mas quem ele pensa que é?! O Pde Gabriel tem razão. Não posso deixar que me desrespeitem!!!
Deixei-o a falar com as paredes. Saí de casa e bati a porta.
Vim até à cidade. Aqui ninguém me conhece, mas não foi por isso que vim até aqui. A verdade, é que vim para aqui, porque foi onde o carro me trouxe, enquanto eu via e revia a discussão de hoje de manhã.
Estacionei junto ao banco e andei às voltas por um bocado.
Até me cansar… Até a raiva passar.
Está o telefone a tocar. Vou atender. Já volto.
Era ele! O Gabriel. Parece que adivinhou. Não o consegui enganar e agora ele vem ter comigo…
Aiii estou tão nervosa…E contente…E parva!!!
- Ora, bom dia! – Ele chegou.
Endireitei-me na cadeira e tentei não mostrar o que sentia.
- Obrigado, Pde. Não precisava de ter vindo…
- Pde?! Precisava?! Uns dias sem falarmos e voltas à estaca zero? Obrigado… - Brincou.
Sorri. Agradeci-lhe mentalmente, mil vezes!!!!
- Ok. – Foi o que respondi.
- Então, conta-me lá. O que se passou para estares nesse estado?
A voz dele era tão reconfortante…Parecia que me abraçava…
- Não foi nada de especial. Foi só mais uma discussão, só que desta vez não me calei. Desta vez disse-lhe tudo o que me apeteceu e depois bati a porta e saí de casa. E vim parar aqui. Ele ficou possesso…
Encolhi os ombros, tentando mostrar que não tinha grande importância.
- E tu? Como te sentes agora?
Respirei fundo. Não sabia o que lhe responder. Como dizer-lhe que apesar de assustada com as consequências que iriam com toda a certeza, haver, me sentia feliz ali ao lado dele?
Não podia… Até porque nem eu mesma percebia o porquê daquilo. Não fazia sentido…
- Sentes-te assustada? – Continuou depois de pedir uma tosta mista ao empregado que, entretanto, viera ter connosco…
Pois é! Esqueci-me de te contar que estávamos numa esplanada junto ao rio…
- Como é que sabes? – Custou-me tratá-lo por tu, mas…
- Os teus olhos são o espelho da tua alma.
Usou uma frase tão banal que eu involuntariamente torci o nariz…
- E agora mostram-me uma alma que troça da minha frase e assustada com o que aconteceu…
- Só assustada? – Não resisti.










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