Francisca 7
25 de
Julho
Nem
imaginas. O Pde Gabriel ligou-me hoje. Afinal não esteve em missão nenhuma.
Esteve internado com um problema renal que lhe fez subir a tensão.
Estúpida
da velha. A mentir. Quando a vir hei-de atirar-lhe isso à cara!
Bom,
mas estou tão feliz! Ele ligou-me!!! Combinámos encontrarmo-nos para a semana
na cidade, no mesmo sítio da última vez. Fui eu quem sugeriu. Temo que se for
aqui, comecem os boatos…
Esta
gente é muito maldosa…
29 de
Julho
Estou…Nem
sei como estou. Estou…
Vou
contar-te o encontro, (chamar-lhe encontro parece outra coisa, ou é da minha
cabeça?) e talvez tu me ajudes a perceber.
Cheguei
ao café e ele já lá estava. Parei um pouco a olhar para ele, sem ser notada.
Estava
sentado, de perna cruzada, virado para o rio e a ler um livro.
Na
mesa, à sua frente, tinha um copo de cerveja e um prato com algo que me pareceu
ser uma tosta mista. Não vi bem.
Parecia
tão pacifico. E saudável! Ninguém diria que esteve tanto tempo internado…
O meu
coração começou a bater desalmadamente.
Respirei
fundo, ajeitei o vestido e o cabelo e avancei.
- Olá,
bons olhos o vejam! – Cumprimentei ao aproximar-me.
Levantou-se,
e abriu os braços e o sorriso.
- Olá
Francisca! – Abraçou-me. – Como estás?
Tremi
ao sentir o toque dele e de certeza que ele o sentiu, pois por momentos
olhou-me de uma forma intensa sem falar. Foram breves segundos, mas eu senti-o
e sei que ele o sentiu também.
Afastei-me
e sentei-me. Coloquei o meu melhor sorriso e pigarreando perguntei-lhe:
-
Então? Conta-me tudo. O que te aconteceu?
Com um
à vontade e sem lamechices, ele contou-me o que se tinha passado. Afinal, foi
uma coisa séria.
- E
agora como estás? – Perguntei verdadeiramente preocupada.
-
Estou bem. – Respondeu alegremente. – Tenho de ser vigiado por mais 6 meses e
depois se tudo correr bem, tenho “alta”.
- E
essa cerveja? – Apontei para o copo. – Tens a certeza de que a podes beber?
-
“Busted”! – Brincou levantando as mãos em sinal de rendição. – Mas foi a última.
Tinha tantas saudades, e está tanto calor…
Parecia
um puto pequeno. Ri-me. Como não rir? Ao pé dele era impossível.
-
Sabes? – Disse-lhe de repente. – Gostava tanto de ser assim como tu…
-
Assim como? – Bebeu mais um gole.
Fiz-lhe
uma cara feia, cara de “mãe” a repreender um filho e prossegui:
-
Assim, sempre feliz, sempre otimista, sempre seguro de si.
- E
não és porque…?
- E
não sou porque… Sei lá eu. Porque tenho uma vida de porcaria. – Desabafei.
Ele
olhou-me nos olhos mais uma vez, e fez a pergunta com o olhar. Senti-me a
queimar por dentro.
-
Porque já não amo o meu marido, porque o meu filho saiu de casa e porque não
sou capaz de tomar nenhuma atitude!!!
Falei
de “uma rajada só” e de imediato me arrependi. Tinha dito em voz alta o que nem
a ti me atrevia a escrever…. Senti-me a enrubescer.
Perante
o silêncio dele, continuei.
- E
não é só isso. Sinto-me uma fraude. Como é que posso dar lições de moral aos
meus filhos, quando vivo uma farsa e nem sequer fui capaz de tomar uma atitude
para defender o meu filho?
- Não
podes ser tão dura a julgar-te! – A voz dele era meiga, mas firme.
- Como
não? – Insisti abanado a cabeça – Não percebes?
-
Percebo, mas não é tudo tão negro como o pintas. E não és fraude nenhuma. És
uma mulher sensível e generosa, preocupada com a tua família e queres agradar a
todos, o que não é tarefa fácil. Já te disse que és uma pessoa linda. Não
deixes que te convençam do contrário, e acima de tudo não te culpabilizes. Tudo
o que fazes, fazes com amor, por isso não fazes nada de errado.
- Isso
é fácil de dizer para uma pessoa como tu.
- Uma
pessoa como eu? – Bebeu mais um gole. A tosta continuava inteira no prato.
- Já
te disse há pouco. E além do mais não tens família, não tens problemas.
Onde
outro se irritaria, ele apenas me perguntou:
-
Achas? Achas que não tenho problemas? Que não tenho inseguranças? Que não tenho
família?
-
Sabes o que quero dizer… As relações entre homens e mulheres são diferentes
dessas e muito difíceis…
- Eu
sou homem…E lido com mulheres…
- Tu
não és homem. És padre. – Digo muito depressa.
Ele
olhou-me divertido.
Eu,
corei até à ponta das orelhas.
-
Desculpa, desculpa. Não foi isso que quis dizer…
Ele
riu-se, muito, perante a minha atrapalhação.
-
Olha. Tens de pensar bem na tua situação. Com calma e sem pressões da
sociedade, ou família, ou preconceitos educacionais. Tens de pensar em ti, pela
primeira vez, parece-me… E vais ver que tudo se vai compor. O amor entre vós é
mais forte que essas zangas.
Olhei-o
e encolhi os ombros, como que a dizer, “fácil de dizer, difícil de fazer…”
- Vais
ver que consegues. Tu mereces ser feliz. Sei que é uma frase feita, mas nem por
isso deixa de ser verdadeira.
- Quem
me dera acreditar como tu… - Respondi olhando-o nos olhos. Desta vez sem
vergonha.
- Tens
de ter fé. És filha Dele. E Ele quer que sejas feliz. Só sendo feliz fazes a
vontade Dele e podes fazer os outros felizes. É assim que penso, por isso dizes
que estou sempre bem.
- E
não estás? – Perguntei com a voz trémula pelas lágrimas…
- Às
vezes não… Olha. – Consultou as horas no relógio – Tenho mesmo de ir. Tenho uma
reunião daqui a pouco.
- Eu
também tenho de ir. – Levantei-me.
Ele
levantou-se também. Deixou uma nota debaixo do prato com a tosta por comer, e eu
reparei que não pedi nada para comer ou beber. Nem me lembrei…
- Eu
acompanho-te ao carro. – Levantou o braço para ilustrar a intenção.
Durante
o caminho, curto, não falámos.
Quando
chegamos ao carro, abri a porta e ainda fora deste virei-me para ele:
-
Precisas de ajuda? – Perguntei-lhe olhando-o mais uma vez nos olhos.
Sem me
aperceber como, perdi a vergonha e a distância que tinha no trato com ele.
-
Preciso. – Respondeu passados um segundos. – Mas só quando estiveres bem, me
poderás ajudar.
Não
resisti ao impulso e abracei-o. Um abraço apertadinho, protegendo-o a ele,
protegendo-me a mim.
Ele
retribuiu o abraço e depois olhou-me nos olhos e sorriu. Foi um sorriso lindo,
mas triste. Contido. Depois, afastou-se bruscamente e partiu…
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