Francisca 4


5 de Abril
Hoje ligou-me o Pde Gabriel. A partir de agora, aqui, para mim e para ti, só para nós, vou tratá-lo só por Gabriel. Vai ser um segredo só nosso…
Como te estava a contar, o Gabriel hoje ligou-me.
É engraçado, já reparaste que tem um nome de um anjo? Não deve ser à toa…
Bom, ele ligou-me a perguntar-me como estava o Pedro e como eu estava. Senti-me super feliz. Não sei porquê, mas gosto que ele se preocupe comigo. E gosto de falar com ele. Ele é tão descomplicado. E alegre. Ao pé dele os problemas parecem não existir…

13 de Abril
Voltei a encontrar o Gabriel. Desta vez estava no mercado a comprar peixe. Imagina só! Claro que me meti com ele.
- Olá, olá! Outra vez nas compras? – Brinquei fazendo referência aquele anúncio…
- Foi só uma saia Guida! – Continuou ele.
Surpresa ri-me.
- Espero que tenha bolsos…- Prossegui com a rábula…
- Ó…Já não me lembro do resto. Lamento…
- Para esconder essas mãos! – Completou a peixeira que, entretanto, ouvira a conversa.
- Mãos? Já não me lembro mesmo. – Fez um ar cómico.
- Era um anúncio a um creme de mãos. – Explicou ela bem-disposta.
- Ah! A minha memória está a falhar… - Diz ele à laia de desculpa.
- Se calhar precisa de um café… - Atiro eu…
- Ora aí está uma bela ideia…
Ele acabou de escolher o peixe e pediu para ser entregue na igreja. A dona Manuela estaria lá para o receber. Depois, virando-se para mim, perguntou com um ar traquinas:
- Estás com tempo? – Começou-me a tratar-me por tu e eu gostei. Parece que somos mais próximos, mais amigos.
Respondi-lhe que sim. Pelo menos até às 11.30, hora que teria de regressar para fazer o almoço para os miúdos…
- Então hoje vamos beber café a um outro sítio!
- Onde? – Quis saber.
- Surpresa. Não tens medo de andar de mota, pois não?
- Mota?!
- Sim. Não te preocupes, estou segurado por Ele! – Apontou para o céu.
- Aah aa. Pois…
- Vá! Não sejas maricas!
- Maricas?! – O orgulho que circulava na minha família à várias gerações veio ao de cima, veloz como uma seta. – Claro que não sou…MARICAS!!!
Levou-nos até à vila vizinha.
Mesmo à saída desta, ao pé do castelo tinha aberto um bar medieval, cujo tema eram os templários.
As mesas eram de madeira rustica, todas diferentes entre si, e em vez das cadeiras tinha bancos, uns corridos, outros individuais. Não tinha luz. A iluminação era feita por velas, o que deveria dar um enfeite engraçado à noite. Mesmo a máquina do café estava embutida numa armação de madeira, que lhe dava um ar de tudo menos de máquina de café.
Os empregados estavam vestidos à época e tinham os modos rudes. Tudo parte do espetáculo.
- Que ideia gira esta das velas. – Comentei.
- O dono diz que é para recriar o ambiente da época, mas cá para mim é para poupar na eletricidade! – Brincou…
- Sr. Padre! – Admoestei-o na brincadeira.
- Onde está?
- Quem?
- O senhor Padre!!!
- Hum?!
- O meu nome é Gabriel, e acho que já somo amigos o suficiente para ultrapassarmos essa fase.
Corei e baixei os olhos.
- Olha, tenho estado a pensar em ti, e no teu caso. Como vão as coisas?
- Melhores, acho…
- Sabes, o Rui não é mau homem. É um pouco stressado, mas tem muita responsabilidade em cima, mas é um bom pai e pode não ser o marido perfeito, mas é um bom marido, tanto quanto sei.
Embaraçada, apressei-me a concordar.
- Isso não significa que ele, ou os teus filhos, ou quem quer que seja, te possa desrespeitar. E por desrespeitar, não me refiro só a agressões físicas ou morais.
Não respondi.
Levantei o rosto e olhei-o.
Aqueles olhos grandes, verdes com pigmentos castanhos refletiam bondade e ao mesmo tempo uma certeza sem arrogância. Certeza só. Simples e pura.
- Agora, - Continuou ele - Também sei que não é fácil estabelecer esse limite, mas parece-me que em nome da família, te deixas subjugar. E isso não é bom para ninguém. Não é bom para os teus filhos que têm um mau exemplo de como uma mulher deve ser tratada, não é bom para o teu marido que deixa de sentir que tem uma parceira à altura e sobretudo não é bom para ti, que não vives como mulher, como um ser humano lindo que tem direito a ser respeitado e feliz.
Comecei a sentir as lágrimas a subirem.
- Então a culpa é minha?
- Claro que não! E aqui não há culpas. Existem simplesmente más escolhas…, Mas ninguém faz isso com maldade, tenho a certeza.
- Mas o que eu que eu faço para mudar? – Pergunto já com as lágrimas a correrem cara abaixo.
- Não sei. Não há conselhos mágicos!!! O que te posso dizer é que penses no que te disse e reflitas. Pede ajuda a Deus que Ele há-de ajudar-te a encontrar uma solução.



Comentários

Mensagens populares