António 2
- Onde
te meteste pá? - Estive a hora do almoço toda à tua espera. Nem comi como deve
ser. – Manuel falava por falar.
-
Almocei na carrinha. Vamos, mas é acabar isto. Faz como te disse. Anda lá. –
António não estava para mais conversas.
Manuel
resmungando, acatou as indicações do amigo. Não sabia porque é que não o fazia logo
no início quando ele lho dizia, afinal, na maioria das vezes, ele acabava
sempre por ter razão, mas…era assim a vida. Sempre fora assim e sempre assim
seria…
- Olha,
a Manuela convidou-nos a ir a uma casa de fados nova, que abriu no bairro alto.
– Comentou já com a cabeça noutro sítio.
- Convidou-nos?
– Questionou frisando o “nos”
- Sim,
convidou-nos. Parece que tem uma amiga que vai lá cantar hoje. É a
primeira vez que canta assim, numa casa em público, e está nervosa.
- Humpf.
- Vá
lá. Não sejas assim. Além disso preciso de alguém que traga o carro. Eu e a
Manuela não devemos vir em condições. – Gracejou.
- Vou
pensar, agora anda, mas é trabalhar. – Aquele gajo não tinha emenda.
E os
dois juntos, resmungando e refilando, experimentando ora a ideia de um, ora a
ideia do outro conseguiram resolver o problema.
Feliz
por terem conseguido resolver um problema que parecia não ter solução, e
antecipando a noite, Manuel despediu-se com um eufórico “até logo”, e “não te
atrases”.
- Mas,
espera ó desmiolado. Logo onde? Não me disseste onde era.
- Vai
ter a minha casa. E arranja-te desta vez, pelo amor de Deus! Vais conhecer uma
gaija nova, e segundo a Manuela é uma bela peça.
Virou
as costas, e a assobiar, dirigiu-se para o carro, um jeep branco que já vira
melhores dias.
-
Gaija nova? – Estremeceu só de pensar no assunto. Como, conhecer? Ela estaria
no palco e ele na mesa. No fim eles que fossem falar se quisessem, porque ele
iria para o carro e ficaria lá à espera.
Arranjar-se…Para
quê?
Sim,
poria uma roupa melhor do que a envergava agora, mas daí a arranjar-se…
E o
que é que ele queria dizer com isso? Ele não era nenhum trolha. Ele sabia
arranjar-se. Não tomava banho em perfume como ele, nem usava aquelas calças
justas e camisa apertada, mas sabia arranjar-se.
Entrou
no carro a resmungar e foi com mau humor que chegou a casa.
Ele
iria ver.
Tomou
um banho e perfumou-se. De frente para o espelho fez a barba e pela primeira
vez há muito tempo olhou para o seu rosto.
- Porquê?
– Pensou.
Saiu
da casa de banho, com a toalha embrulhada pela cintura e, entrando, no quarto abriu
o armário decidido a escolher a sua melhor roupa. Olhou e ficou desanimado.
Tinha 3 ou 4 pares de calças e 2 blazers, entre alguns pares de camisas. Todos
já usados e fora de moda.
- Que
se lixe. – Desdenhou. Também para quê esforçar-se, se o resultado é sempre o
mesmo? E, indo buscar mais uma vez a sua força ao fundo do seu baú interior,
vestiu-se e colocou um sorriso no rosto decidido a divertir-se.
Iria
comer umas boas sardinhas, beber um bom vinho e ouvir uns fados, e no fim das
contas, isso é tudo o que interessa.
À hora
marcada, António apareceu.
Tinha
um ar arranjado, mas estava nervoso, e pela primeira vez desde há muito,
sentia-se agradecido por ter uns óculos que lhe escondiam o olhar, impedindo os
outros de fazerem troça dele.
Bateu
à porta.
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