Francisca 10
Levantou-se
e começou a andar em direção ao mar. Deixei-me estar por alguns momentos, a
tentar compreender o que ele disse, o que se tinha passado, e depois
levantei-me e fui ter com ele.
Ele
estava de costas para mim, e eu coloquei-lhe a mão no ombro ao mesmo tempo que
lhe perguntava:
- Como
assim fraude?
Sem se
virar, respondeu-me com uma voz contida de raiva.
- Como
posso dar sermões, e aconselhar aos outros a não pecarem se eu, desde que te
conheci não tenho feito outra coisa?
Recordei
estas palavras ditas por mim há uns tempos.
Retirei
a mão. Aquilo custou-me ouvir. Eu era a causa de ele pecar?!
Fria,
retorqui-lhe:
- Eu
sou a causa do teu mau estar? Então não te preocupes mais. Eu vou-me embora e
voltas à tua vida de sempre. Imaculada!
E
comecei a andar de volta ao areal, ao sítio onde tinha deixado as minhas
coisas.
Estava
mesmo chateada!
Tinha
já andado um bom bocado, quando e sem que eu me apercebesse da sua chegada,
sinto-o a puxar-me e a virar-me e…Aconteceu!!!
Beijamo-nos
e abraçamo-nos e dissemos coisas que nem a ti te posso contar.
Percebi
qual o pecado dele.
É o
mesmo que o meu!!!!
Não
sei quem parou primeiro. Não sei qual dos nós tomou consciência do erro que
fizemos, mas afastamo-nos prometendo que iriamos esquecer isto e voltar às nossas
vidas normais…
Como
se a minha vida neste momento fosse normal!!!
Sei
que foi um erro, mas não o sinto assim. E, digas o que disseres, sei que ele
também não.
Precisamos
de voltar a conversar. Ficou muita coisa por dizer.
As
palavras que trocámos foram ditadas pelo desejo, mas faltam a razão e o coração
falarem. Darem a sua opinião.
A
resolução que tomámos foi a mais certa moralmente, mas não foi a mais
exequível.
Acho
que não vamos conseguir.
Eu,
não vou conseguir. Não sem antes falar com ele….
29 de Setembro
Não
queria ir à Igreja, mas ele não me atende o telefone. Na missa rodeia-se sempre
de pessoas para que não possamos falar.
Se
calhar ele tem razão. Se calhar é melhor assim, ou se calhar já se arrependeu…
Afinal
de contas ele é homem…
Tenho
uma notícia boa. O meu mais velho entrou para a faculdade, para o curso que ele
queria e eu amanhã vou a uma entrevista de emprego.
A
Noémia disse-me que lá na câmara estavam a precisar de uma secretária para o
departamento das obras publicas.
Disse-me
também que poucas lá paravam por causa do engenheiro que é, segundo as suas
palavras, uma autêntica besta, mas que com o meu feitio e a minha licenciatura
em psicologia talvez o conseguisse aguentar.
Fiquei
super entusiasmada. Besta ou não, é um emprego e uma independência.
2 de
Outubro
Já te
disse? Consegui o emprego. Afinal o homem não é assim tão mau. Bastou-me
dizer-lhe duas ou três bem ditas, e com respeito, para que ele se metesse na
linha. E quase que é meu amigo…
Amigo…
O Gabriel foge de mim como o diabo da cruz! Literalmente.
12 de
Outubro
Já
chega! Hoje foi demais. Encontrei-o na praça e meti-me com ele, na brincadeira
e ele fingiu que estava atrasado para uma reunião qualquer. Tão atrasado que
saiu sem pagar o peixe, e deixou a peixeira a refilar por lhe ter mandado
amanhar um pargo e ter saído sem o levar.
Parece
que tenho a peste!
Amanhã
vou falar com ele à sacristia. Aí ele não pode mentir. Está na casa de Deus.
Vou tirar as coisas a limpo.
15 de
Outubro
Havias
de ver a cara dele quando me viu entrar sacristia adentro. Esperei que a
sargenta saísse e entrei de imediato.
Arrisquei
e tive sorte, não estava lá ninguém.
- Olá!
– Cumprimentei-o com uma segurança que não sentia.
- Olá.
– Retribui-me o cumprimento com o sorriso amarelo.
Continuou
a arrumar as coisas como se eu ali não estivesse. Passei-me. Avancei na sua
direção e triando-lhe a estola da mão disse-lhe:
-
Temos de falar.
-
Queres falar? – Tirou-me a estola e voltou-se para a arrumar.
-
Quero sim. – Disse-lhe virando-o para mim. Os nossos rostos ficaram a
centímetros de distância, os lábios quase a tocarem-se.
- E tu
também, não negues. – A voz saiu-me rouca do desejo.
Ele
não resistiu. Eu não resisti. Beijamo-nos mais uma vez com uma intensidade que
eu nunca senti e tenho quase a certeza de que ele também não.
Foi
mais forte do que nós. Tocámo-nos em sítios proibidos, prometidos…até que ele
com a voz turva me afastou.
- Aqui
não! – Gemeu.
E saiu
para a capela deixando-me tolhida do desejo, incapaz de respirar como deve de
ser, de pensar como deve de ser, de agir como deve de ser.
Deixei-o
ir e fugi para a rua.
Sabes?
Sinto vergonha do que fiz. Sinto-me mal, mas não consigo sentir que estou
errada. É esquisito, não é?
Há uma
voz que me diz que se o amo, como apregoo-o para mim, devo deixá-lo em paz. Não
o devo tentar, nem pressionar.
Deve
ser a tão famosa, “voz da razão” … Devia ouvi-la, mas sinto-me tão surda…
20 de
Outubro
Outra vez
o Pde António.
Outra
vez o telemóvel desligado.
Desta
vez não me enganam. Não me venham dizer que está em missões. Vou procurar nos
hospitais da zona. Hei-de encontrá-lo!
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