Francisca 3


Sentámo-nos numa mesa junto à janela. Estava um fim de tarde soalheiro, esplendoroso, estava quase a chegar aquela hora mágica em que o dia vai e a noite ainda não vem.
Sabes, esta hora sempre mexeu muito comigo. Quando era pequena achava que esta era a altura em que os dois mundos de cruzavam, o mundo do sonho e o mundo do real, que era o tempo em que podíamos atravessar a ponte, mas para isso era preciso ir a lugares especiais. E os meus pais nunca tinham tempo para me lá levarem… Nem dinheiro…
Para ser franca, eu nem sabia bem onde eram esses lugares, achava que eram nos cromeleques. Aquelas pedras dispostas em círculo sempre me inspiraram admiração e curiosidade que aliada à imaginação infantil, fazia-me passar de um mundo para o outro em sonhos que sonhava acordada. Aliás, ainda hoje sonho…
- Alô, Terra chama Francisca.
Ri-me.
- Estava a viajar realmente. – Respondo ainda meio lá, meio cá.
- E onde era o destino? Pode-se saber?
Olhei-o por uns instantes. O meu pensamento que é mais rápido do que a velocidade da luz, depressa o comparou com o meu marido.
Achei refrescante ele alinhar na graça. Se esta situação se passasse com o Rui, apenas me diria que crescesse, ou que era coisa de mulheres consoante estivesse bem ou mal- disposto.
Há quanto tempo eu não conseguia convencê-lo a ver um filme romântico comigo? Ou a irmos passear os dois de mão dada? Ou um fim-de-semana?
O meu pensamento saltava de uma reclamação para outra a uma velocidade estonteante, e eu ia ficando cada vez mais triste.
Devo tê-lo mostrado porque sem eu dizer nada ele perguntou logo de seguida:
- Francisca. O que se passa? Hoje não vai fugir…Até porque estou entre si e a porta, e já lhe provei que sou mais forte!
Recompus-me.
- Hum. Está a ameaçar-me!?  - Perguntei num tom dramático.
- Não, estou só a mostrar-lhe a realidade. – Respondeu descarado.
Olhei-o novamente. Ele susteve o olhar. Com os seus olhos dizia-me:
- Vá lá! Confia!
Suspirei profundamente e com os meus olhos perguntei-lhe:
- Posso confiar? Tenho medo…
Ele acenou a cabeça, num incentivo mudo.
- Bem, nem sei por onde começar… - Digo.
Ele não respondeu, e eu senti-me incomodada e ao mesmo tempo sentia-me como se tivesse uma bomba prestes a explodir e já não a conseguisse conter mais.
Olhei para a chávena e falei para ela.
Contei-lhe tudo.
Os desgostos, as angústias, os medos, os sonhos perdidos, mas não mortos. Falei sem interrupção e de uma forma nem sempre coerente, mas ele nunca me interrompeu e ia acenando com a cabeça em sinal de compreensão.
Falei e nem sei bem por quanto tempo.
Só sei que, quando acabei, quando me dei conta, era já noite e o telefone que tinha em silencio acusava mais de 10 chamadas não atendidas dos meus filhos e do meu marido
 Levantei-me assustada. Como um cão amestrado que não respondeu ao chamamento do dono.
- Desculpe, tenho de ir. Eles estão fartos de me ligar.
Ele levantou-se e sem eu esperar abraçou-me. Sem nada dizer, apertou-me com carinho. Depois, afastou-me e disse-me:
- Não desesperes. Tudo tem solução. Vou ajudar-te. Quando puderes passa lá pela sacristia. A qualquer hora. Se eu não estiver, deixa recado que eu tento encontrar-te, está bem?
Começou a tratar-me por “tu” e isso não sei bem porquê agradou-me.
Senti-me mais próxima…
Sem palavras, no entanto, limitei-me a acenar afirmativamente.
- Agora, vai e põe um sorriso nesse teu rosto. Lembra-te que a Deus nada é impossível. E eu também estou aqui para vos ajudar…
Despedi-me atabalhoadamente e corri para fora do café. Sei que devo ter dado uma imagem de uma mulher descontrolada, mas não o pude evitar.
Felizmente o café aquela hora estava quase vazio…
Corri e andei e corri e tornei a andar para conseguir chegar a casa o mais depressa que pude. Tinha deixado o jantar orientado pelo que não estava assim muito preocupada…
Assim que entrei e poisei a mala e as chaves, olhei para eles. Tinha 4 caras carrancudas a olhar para mim. Percebi logo que se tinha passado algo. Mais uma discussão, apostava.
Lembrei-me do que o Pde disse, e forcei um sorriso.
- Meus Deus! Que caras são essas? É tudo fome?
- Antes fosse. – Respondeu-me Rui irritado. – Aqui estes meninos preferem não comer a ajudar no jantar.
- Ajudar?! Tu pediste-nos para fazermos tudo enquanto tu estavas ao computador. – O meu do meio, era sempre o mais respondão.
- Eu já te disse que tenho de trabalhar para tu encheres a barriga!
- Mas trabalhas lá no escritório, aqui em casa és um de nós! – Ele não se calava.
- Meninos! – Digo eu para travar aquilo - Venham comigo à cozinha. Vou experimentar uma receita nova e quero a vossa aprovação. Deixem o vosso pai trabalhar.
- Mas…
- Mãe…
- Não nos enganas assim…
Fiz ouvidos moucos às queixas, lancei-lhes “aquele” olhar e lá vieram eles atrás de mim. Sorri para dentro. Eles ainda são os meus meninos.

30 de Março
Tenho sido injusta com o Rui.
Hoje o Pedro caiu na escola e fez um traumatismo. Liguei-lhe a contar o que aconteceu e fui a correr para o hospital. Quando lá cheguei ele já lá estava, a falar com os médicos. Assim que me viu, abraçou-me e sussurrou-me:
- Tudo vai ficar bem. Não te preocupes.
Mas eu conhecia-o. Ele estava nervoso. Com medo.
Quando voltei da casa de banho vi-o junto à cama do Pedro de olhos fechados a rezar…Parecia o meu Rui de antigamente.
Oxalá o meu filho recupere totalmente. Os médicos dizem que foi ligeiro. Que só fica lá uma noite por precaução, mas sinto-me tão perdida sem ele. Sei que tenho os outros dois a quem tenho de dar atenção, que estão também preocupados e assustados, mas só consigo pensar neste?
- Porque é que eu sou tão má mãe? E má mulher?




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