Amália 9

 

Desta vez foi Alice quem ligou ao Rui. Saíra bastante impressionada com a breve conversa que tivera com a avó dele e queria contar-lhe. E saber novas por parte dele…

Esperou que o seu marido saísse para ir jantar com uns amigos do clube e marcou o número dele, rezando para que ele a pudesse atender.

- Rui? Olá estás bom? Sou a Alice. Interrompo alguma coisa? Podemos falar um pouquinho?

- Ó! Olá Alice. Não. Acabei agora mesmo de chegar a casa. Como estás?

- Estou bem. Mais ou menos, e tu?

- Eu? Estou na mesma, acho eu. Conta. Passou-se alguma coisa?

- Sim. Não.  Quero dizer, sim.

- Então? Pára Tim.! – Ralhou com o cão, que impaciente pela saída diária, ladrava e pulava junto à porta. - Desculpa. É o meu cão.  Está habituado a sair sempre que eu chego a casa. PÁRA! Já te disse! – Continuava a falar com os dois em simultâneo.

- Deixa estar. Falamos depois. Vai lá passear o cão.

- Ui, isso dito assim, até parece que me estás a mandar para o ” outro lado"- Brincou.

- Não.  A sério. Vai. Depois falamos. – Por muito que não quisesse, não conseguiu disfarçar a desilusão que sentia por não poder falar com ele.

Ele, ao contrário do que era normal em si percebeu-o.

- Hum. Olha tive uma ideia. Não queres vir passear o cão comigo? Afinal somos praticamente vizinhos.

Alice demorou algum tempo a responder e Rui mordeu a língua. Bolas! Esqueci-me de é casada.- Recriminou-se.

- Pode ser. Vais ao parque?

- Yes! – Deixou escapar.  – Quero dizer.  Vou sim. Encontramo-nos na porta das fraturas? Daqui a 15 minutos? Está bem para ti?

- Porta das fraturas? Combinado. Até já.

- Até já! -.Respondeu para o vazio. Ela já tinha desligado a chamada.

- Tim, meu amigo, vais-te portar bem, combinado? Nada de saltar para cima dela, ou ladrar desalmadamente quando vires um gato. Entendido?

- Uof! - Respondeu-lhe ele com a trela na boca. – Uof.

Chegaram ambos quase ao mesmo tempo e ainda mal se tinham cumprimentado, quando Tim, como “tinham combinado “, assim que ela se aproximou, saltou-lhe para as pernas, lambendo-lhe o rosto.

- Tim! – Gritou Rui embaraçado.  – Desculpa! - Disse-lhe enquanto lhe pegava pela coleira e o afastava. – Cão feio! – Ralhou com o pobre animal que percebeu pelo tom de voz do dono que tinha feito asneira. – Desculpa a sério. Não consigo ter mão nele. – Fez uma cara de embaraço.

- Não faz mal. Eu adoro cães,  só tenho pena de não poder ter um.

- Porquê? Não tens tempo para cuidares dele?

- Não, até tenho. O meu marido é que detesta cães. – respondeu deixando transparecer algum ressentimento.

Rui fez uma cara de compreensão e encolheu os ombros, como que a dizer “é pena”.

- Então. O que me querias contar? – Perguntou enquanto largava o cão para ele correr um pouco. Percebeu que ela tinha ficado incomodada com a situação do marido e queria mudar de assunto.

- Ah! É sobre a tua avó. Estive com ela.

- E?

Caminhavam lado a lado, calmamente, deixando que cada passo dado em frente no caminho os unisse no trilho que iniciaram juntos sem ainda se terem apercebido disso.

- E, cada vez tenho mais a certeza de que a situação com o Alfredo a marcou e muito.

- Sim, isso não é novidade. – Respondeu sarcástico arrependendo-se de imediato. – Desculpa! – Disse-lhe olhando-a de frente.

Ela baixou o rosto e continuou a caminhar, optando por ignorar aquilo, aliás por ignorá-lo de todo, começando a pensar em voz alta.

- E o mais engraçado, é que ela está, estranhamente cada vez mais lucida, e cada vez mais no passado. Quando estou com ela, sou eu que me sinto transportada até lá, e em vez de a tentar trazer para cá, dou por mim a ficar lá com ela.

- Como assim?

- Tenho de saber o que se passou entre ela e o Alfredo. Tenho de saber e tenho de a ajudar, talvez assim eu consiga ajudar-me a mim.

- Ajudar-te a ti? O que se passa? – Ele não estava a perceber.

- Tem de ser. Por muito que me repugne tenho de ler o diário. Espero um dia conseguir explicar-lhe e que ela me perdoe.

- Claro que vai perdoar, é para o bem dela. – Rui tentava acompanhar-lhe o discurso sem se aperceber de que ela não falava para ele.

- Vai, não vai? – Perguntou ela ao fim de alguns momentos, os momentos que a frase dele demorou a atingir a consciência dela e a trazê-la de volta para ali, para o jardim, para ao pé dela.

- Obrigada! – Disse-lhe de repente, dando-lhe uma abraço e um beijo. – Obrigada. Agora tenho de ir.

- Depois falamos! – Gritou do fundo do jardim para um Rui que especado fazia festas no Tim ao mesmo tempo que lhe dizia, sem olhar para ele:

- Gajas!!! Ainda bem que tu e eu somos machos! As miúdas Têm um parafuso a menos. Todas elas!

Alice mal dormiu a noite, ansiosa para de manhã ir ao lar e tentar ler o diário de Amália. Não sabia como fazê-lo, nem se importava realmente com isso. Quando lá chegasse logo veria. Felizmente o marido chegara tarde, e ela fingiu estar a dormir. Ele ainda tentou implicar com ela, mas assim que se sentou na cama caiu redondo na almofada. – Menos mal. – Pensou. – Assim não tenho de lhe aturar a bebedeira.

De manhã bem cedinho, levantou-se, tomou o seu duche, e regressou ao quarto para se vestir, tendo o cuidado de fazer o menos barulho possível, pois as manhãs das ressacas eram quase sempre tão más ou piores que as noites de bebedeira. Pelo menos desde que perderam o filho. Ele culpava-a por isso, tinha a certeza embora ele dissesse o contrário.

Vestiu-se à pressa e quando ia a sair olhou-o, deitado de barriga para cima, a roupa vestida, um sapato calçado e outro no chão. A ressonar como um porco. De repente sentiu um asco enorme por aquele homem. Como é que ela se tinha casado com ele? Quando é que ele se tinha tornado… naquilo?!

Uma luz a piscar no telemóvel em cima da cómoda, chamou-lhe a atenção. Era o sinal de uma chamada não atendida. De volta à realidade, descalçou-lhe o outro sapato e pegando na manta que estava em cima da poltrona, tapou-o. Afinal ele era um ser humano.

- Ai, mulher, tu estás a dar em louca! – Ralhou-se. – Tu decide-te de uma vez por todas.

- Não! Agora vou tratar da Amália. – Respondeu-se enquanto com o telemóvel na mão fechava a porta do quarto.

- Este assunto trato-o depois.




 

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