Amália 2
- Mãe,
mãe. - Alfredo segurou-lhe, suave, mas
firmemente, o rosto, obrigando-a a olhá-lo nos olhos. – Sou eu, o teu filho.
Amália
olhou-o demoradamente avaliando-o com o olhar. A sua mente trabalha muito
rapidamente, quase “ a cem à hora" tentando escolher qual a peça do puzzle
que encaixará naquele lugar. Depois, com um sorriso nos olhos, fez-lhe uma
festa no rosto e inclinando a cabeça com altivez, respondeu-lhe:
-
Claro que és tu. Quem mais poderias ser?
- Amália!
– Sara cumprimentou-a com dois beijos no rosto. - Como se sente hoje?
Sem
responder, afastou-se até um dos bancos que rodeavam o pequeno lago à frente
deles, e sentou-se. Eles seguiram-na e imitaram-lhe o gesto.
-
Estou bem e vós? Como estais? O Rui? Tenho saudades dele. Já não o vejo há
muito tempo.
- O
Rui? Esteve cá na quarta feira passada…- Sara relembrou-a com suavidade.
- Na
quarta? Que dia é hoje?
- Hoje
é terça-feira.- Respondeu-lhe o filho.
- Terça-feira…-
falou para o ar. Depois virando se para ele retorquiu ao mesmo tempo que
sacudia uma migalha invisível da saia :
-
Sabes, aqui nós perdemos a noção do tempo.
- Não
percebo a vossa preocupação. - Sara falava para Alfredo que conduzia o carro de
regresso a casa muito calado.- Ela pareceu-me completamente normal. Desta vez
até falou muito bem e com nexo. Sinceramente achei-a bem melhor. Acho que é um
disparate falar com o médico para alterar a medicação.
- É
porque não a viste logo ao princípio. – Alfredo Jr. rebateu com a calma que lhe
era característica.- Quando te viu fez uma
cara de pânico, e perguntou-me se não
estavas para a tua mãe. Ela sabe perfeitamente
que já não tens mãe há muito tempo.
Sara
encolheu os ombros como resposta.
- Ou
saberia se estivesse bem…- Acrescentou mais agressivo do que queria e do que a
situação merecia.
Sara
calou-se.
Achava
que aquilo era normal, e tendo em conta o resto da visita, até considerava que
a sogra estava muito bem. Não percebia aquela apreensão por parte do marido e
do filho, mas não se iria meter.
À
noite, quando se sentaram os três a comer no quintal, Rui comentou:
-
Estas noites fazem-me lembrar as noites da aldeia. Está um calor insuportável!
Não é normal nesta altura!
- Sim
este calor bule com os nervos. – Concordou
Sara abanando-se. – Não admira que a tua mãe varie… - Comentou virando-se para
o marido que comia calado.
-
Foram ver a avó? – Questionou Rui enchendo os copos de todos com sumo de
mirtilos. Outro sabor à aldeia, à avó…
-
Fomos, e apesar do teu pai achar que não,
ela pareceu- me bem.
- Fazes
os cafés? – Alfredo queria falar com o filho sem que a mulher o ouvisse. Não
merecia a pena teimar com ela. Nisso ela era parecida com a sogra. Tinham
sempre razão, independentemente da verdade. Era um milagre que as duas se
dessem tão bem.
- Café?
Mas nunca bebes café à noite. E com este calor? – Sara não era parva, mas
resolveu deixar passar em branco e levantou-se como uma menina obediente que
não era.
Mas, ele
sabia que juntamente com o café, e antes do trazer , ela arrumaria a cozinha o
que lhe dava algum tempo para conversar, por isso insistiu.
- Vá
lá!
- O
que se passa?- Perguntou-lhe o filho a quem a manobra de diversão não passou
despercebida. Nisso ele era muito parecido com a mãe e a avó. Era aliás uma
mistura dos três, inteligente como o pai e astuto como elas.
Alfredo
demorou algum tempo a responder. Queria falar com o filho que sempre o apoiava
em tudo, mas ao mesmo tempo não o queria preocupar sem uma razão muito forte
que o justificasse.
- Como
sabes, fomos ver a tua avó- decidiu-se por fim.
- E? –
Pegou num pero e começou a roê-lo.
- E
ela confundiu-me com o meu pai. - pegou num cigarro e levou-o à boca sem o
acender.
- Mas
isso é normal. Vocês até eram muito parecidos. - Tirou o isqueiro da mesa sem
que o pai notasse. Não gostava de o ver fumar.
- Sim,
o que não foi normal, foi a cara de pânico que ela fez quando viu a tua
mãe. Parecia ter visto o diabo. Estava
genuinamente assustada.
Rui
não respondeu. Ficou à espera de mais alguma coisa.
- E
depois, - continuou Alfredo procurando o isqueiro sem o procurar. – E depois, perguntou-me
se ela não devia estar em casa da mãe.
- Ora,
fez alguma confusão, como quando foi comigo. Ela também me perguntou se a minha
mulher estava em casa da mãe. – Riu-se. – Deve achar que a mãe é minha mulher!
Mas que confusão!
- Sim,
sim. Mas o que me impressionou foi o medo. Não me lembro nunca de a ver assim,
e olha que já a vi passar por situações aflitivas.
- Mas
medo como? – Rui estranhava. A avó com medo? Isso era algo impensável, ela sempre fora um furacão que levava tudo e
todos à sua frente. Quando todos tremiam e se iam abaixo, ela levantava-os
sempre todos a “toque de caixa” como se costuma dizer. Era das mulheres mais
práticas e pragmáticas que ele conhecia. Apesar de ser muito criativa e
sonhadora. Pensando bem, ela era uma grande mulher. Uma mulher de contrastes.
- Não
sei explicar. E foi coisa de segundos, mas de facto impressionou-me. Estarei eu
a ficar maluco também? A tua mãe não me diz nada, mas acho que pensa isso. Pelo
menos às vezes…
Sara
chegou com o café antes que Rui pudesse comentar e os dois por acordo mútuo e
implícito terminaram a conversa, mudando o assunto para temas mundanos que o ar
abafado e seco, não permitia conversas muito profundas por muito tempo.
Passaram-se
duas semanas sem que Rui tivesse tido oportunidade de ir ver a avó, e quando a
conseguiu ir visitar já não se lembrava da conversa que tinha tido com o pai.
A vida
dos dias de hoje agarra-nos e prende-nos a ela, deixando pouco espaço para nos
preocupar-nos com os outros que confiamos estarem bem.
Quando
chegou ao lar, uma casa senhorial, inserida numa quinta com um jardim para as
traseiras onde um lago fazia a separação entre a casa senhorial e os campos
outrora cultivados por uma dezena de empregados, mas que agora estavam divididos em pequenas
parcelas e num pequeno pomar, que os doentes em melhores condições de saúde
exploravam sob a mão atenta e amiga de dois jardineiros, herdeiros do saber dos
que naquelas terras viveram e morreram, foi com surpresa que viu a sua avó
passear de braço dado com uma senhora que ele nunca tinha visto, e que parecia
ser uns bons anos mais nova. Quase da sua idade, diria, se lho perguntassem.
- Olá
avó. - Aproximou-se delas e cumprimentou
a avó com um beijo e a senhora com um aperto de mão e um “ Boa tarde"
educado.
- Feliciano!
Conseguiste vir?- A avó largou a senhora e deu-lhe um abraço muito apertado.-
Sabes que ela anda à tua procura. – sussurrou-lhe ao ouvido.
Embaraçado
ele retribuiu o abraço e respondeu-lhe:
- Avó,
sou eu o Rui. O seu neto.
Ela
fez um sorriso travesso, e piscando o olho à amiga, olhou novamente para ele e
retorquiu:
- Não
faz mal. Não precisas de disfarçar, a Ana
sabe de tudo. Ela não conta nada a ninguém.
Ana
sorrindo acenou com a cabeça.
- Fica
descansada Amália. Eu não conto.
Rui
ficou estupefacto. O que era isto? Mais uma louca? Olhou-a, inquirindo-a com o
olhar sobre o que se estava a passar. Ela fez -lhe sinal para que alinhasse com
a situação. Mais tarde explicar-lhe ia
tudo.
- Ana.
– Amália virou-se para a amiga.- Deixas-nos a sós por favor?
-
Claro que sim. - Respondeu bem disposta. E depois, virando-se para Rui, despediu-se
dizendo:
-
Vemo-nos à saída?
- Qual
saída? – Perguntou Amália desconfiada.
- À saída
da vila, lembras te? Ele ficou de me ajudar no prado. – Ana jogava nos dois
mundos.
- Ah!-
fez um gesto com a mão de desprendimento e agarrou o neto pelo braço .
-
Vamos, vamos. Descobri um cantinho escondido onde podemos falar.
Rui
entrou em pânico. A avó estava a mostrar-se
atrevida. Tinha de fugir dela a todo o custo antes que algo realmente
embaraçoso acontecesse. Não estava a ser fácil, porém, a avô muito ligeira puxava-o
para um caramanchão de Dálias junto ao início do pomar, até que, num rasgo de
inspiração, e antes que a coisa se tornasse mais complicada, ele disse-lhe:
Comentários
Enviar um comentário