Amália 3
-
Amália, Amália. Não posso ir. Tenho de me ir embora, a minha
mulher anda aí, lembras-te?
Ela
retraiu-se.
- Pois
anda…- Fez de novo aquele ar pânico que alertou o neto. - Vai-te, vai-te!-
Empurrou-o e afastou-se ainda mais ligeira, deixando-o estupefacto parado no
jardim, atarantado, sem saber ao certo o que lhe tinha passado pela cabeça.
Ainda
desorientado, resolveu ir à sala das enfermeiras procurar pela Ana.
Ninguém
a conhecia. Não havia ali nenhuma enfermeira com esse nome. Como é que ela era?
- Perguntou-lhe a enfermeira-chefe que estava a fazer uma pausa para lanchar.
Irritado,
Rui descreveu-a, e um sorriso divertido apareceu no olhos dela.
- Não
é Ana. É Alice. E também não é enfermeira, é psicóloga.- Retificou-o bem
disposta. – O sr. é o neto da dona Amália, não é?
- Sou
sim.- respondeu aborrecido.
Não
estava a perceber nada do que se estava a passar e não estava a gostar da
sensação.
- Boa
tarde. – Avançou para ele e estendeu-lhe a mão num cumprimento. – Sou a Rute a
enfermeira responsável.
Rui
retribui o cumprimento de uma forma automática.
- Desculpe,
mas não estou a perceber o que se está a passar aqui. Hoje quando fui ter com a
minha avó, encontrei-a de braço dado com
uma senhora que eu nunca vi e que alinhava na, no…desvario dela. Fiquei de vir
aqui ter com ela para tentar perceber um pouco disto.
Rute
ofereceu-lhe um café, que ele recusou, e convidou-o a sentar-se.
- Essa
senhora, é, como lhe disse, a nossa psicóloga Alice, e chamámo-la cá porque a
sua avó andava muito agitada, a reviver os quadros do passado. E eu como sou amiga
da dra. Alice, conversei com ela acerca da sua avó e achamos por bem ela vir
até aqui vê-la.
- E a
família? Não é informada disto?- perguntou mais agressivo do que queria. Aquela
cena da avó tinha-o incomodado muito.
- A
família? - Espantou-se Rute.- Mas eu consultei a sua mãe, e ela concordou.
A
minha mãe? Pensou Rui sentindo-se encavacado. A minha mãe e ela concordou? Mas
não me disse nada. Nem o meu pai…
Olhou
para a enfermeira que esperava uma reação da sua parte, reação essa que ele não
sabia qual ser a apropriada. Felizmente, não foi preciso agir, Alice, que tinha
sido chamada por uma auxiliar que estava na sala, chegou.
- Boa
tarde sr. Rui. – Cumprimentando-o, como mandam as regras da boa educação, com um
aperto de mão. – Não se levante. Eu
faço-lhe companhia.
Sentou-se
numa cadeira defronte da dele.
- Olá Rute,
já explicaste ao sr. o que se está a passar?
- Ia
começar. - Respondeu levantando-se. –
Mas já que chegaste, explicas tu, que o farás melhor. Deixo-vos aos dois aqui
porque o gabinete está ocupado com outra família. Não se importa pois não sr.
Rui? – Mais uma vez estendeu-lhe a mão para um “passou bem”, mas desta vez para
se despedir.
-
Não. Claro que não. – Rui levantou-se. – Desculpe a minha
agressividade de à bocado, mas aconteceu-me algo no jardim que me transtornou.
- Não
se preocupe. – respondeu com um sorriso.- Deixo-o com a Dra. Alice que fica em
boas mãos.
A
enfermeira Rute saiu, fechando a porta atrás de si e deixando um silêncio na
sala.
Por
instantes, nenhum dos dois falou, à espera de que o outro tomasse a iniciativa.
Foi Alice quem se adiantou.
- Sr.
Rui.- Começou.
-
Trate-me por Rui. O Sr. Não se adequa ao meu feitio.
-
Muito bem.- Sorriu.- Eu sou a Alice, a psicóloga e fui chamada aqui, porque a
sua avó estava muito agitada e pareceu-nos mesmo em algum tipo de sofrimento.
-
Sofrimento? - Ajeitou-se na cadeira.- Como assim? Que tipo de sofrimento?
- Não
sei bem explicar. Ela está a viver um tempo da vida dela conturbado, um período
onde ela sofreu e está relacionado com um Feliciano e um Alfredo, que julgo ser
o seu avô. Sabe alguma coisa acerca
disto?
- Não,
mas ela de facto já confundiu a minha mãe com uma senhora que a assustou muito.
Alice
assentiu com a cabeça e continuou:
- E
quando a vi, confundiu-me com uma Ana, uma amiga dessa época, e embora possa parecer cruel, eu não desfiz o
engano para tentar perceber melhor o contexto da agitação. Não sei se me faço
entender.
- Sim,
sim. E agora que fala nisso, a última vez que eu cá vim, e agora também, ela
confundiu-me com esse …Ambrósio?
-
Feliciano.- Emendou-o com um sorriso.
-
Feliciano. – repetiu ele. – Com esse senhor.
- E o
que lhe disse?
- Não
sei. Não me lembro. Na altura fiquei chocado ao perceber que ela tinha tido
outro namorado além do meu avô, ela que
era toda pelos bons costumes e moral, e que criticava todos que se afastassem “da
linha" nem que fossem por uns míseros milímetros, que dizia aos quatros
ventos como era mulher de um homem só, mas depois ao jantar comentei isso com
os meus pais e como eles não deram importância ao assunto, pensei que deve ter
sido um namoro sem consequência, e confesso que acabei por o relevar também.
-
Compreendo. E o que foi que aconteceu há bocado que o deixou tão agitado?
Rui
engoliu em seco. Não lhe era fácil contar o sucedido, mas com o olhar
compreensivo que ela lhe lançou ele lá contou.
-
Pois. Realmente está a ficar complicado. Eu tenho uma ideia para tentar
perceber o que se passou, mas receio que vá contra a “moral" – Aqui
colocou a palavra moral entre aspas elevando os dedos da mão naquele gesto
universalmente conhecido - E por isso gostaria de falar com alguém da
família. Pode ser consigo?
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