Amália 7
Ainda
foram uns dias que Rui precisou para ganhar coragem e ir ver a avó. Tudo aquilo
por que passou e aquilo que previa passar, tornava-se num prato difícil de
digerir. Valeu-lhe a ajuda de Alice que com muita paciência e carinho por ambos
lá lhe ia tirando as dúvidas e desmistificando a situação.
Era
uma quarta feira, o dia em que ele se decidiu a ir, e cheio de coragem abriu o
portão da quinta.
- Boa
tarde, Sr. Rui. Há já uns tempos que não o víamos. - Cumprimentou-o o segurança.- Está tudo bem?
- Boa
tarde Sr. António. Está tudo bem sim, e
por aqui? Como vão as coisas?
- Ora,
por aqui é sempre uma animação,
especialmente com dois utentes novos. – Brincou enquanto fechava o
portão atrás de Rui.
-
Então? – Perguntou Rui sem querer, na realidade, saber.
No
entanto, não obteve resposta. Uma voz vinda do pomar chamava-o:
-
Feliciano, Feliciano.
Olhou
para trás.
- Avó?
– Exclamou baixinho ao mesmo tempo que pensava, com espanto, como tinha dado
pelo nome de Feliciano.
-
Feliciano! – A avó tinha-o alcançado. – Tive tantas saudades tuas. – Afirmou corando as faces de vermelho
rosado.
-
Pronto! Já começa. – Disse para si. Suspirou fundo, e encorajou-se: - Vamos. Tu
consegues.
-
Amélia! – A voz saiu-lhe tremida. – Também tive saudades tuas. O que tens feito?
Num
improviso, deu-lhe e braço e afastou-a dali. Não queria que as orelhas do
porteiro se arrebitassem mais.
- Não
tenho feito nada. Literalmente
nada. O Alfredo continua fora, a casa
está limpa, os livros todos lidos, pelo que tenho dado passeios. Apenas isso. – Desabafou com um ar pesaroso.
- O
Alfredo? O teu marido? – Perguntou- lhe Rui, sem pensar .
-
Claro! Quem haveria de ser? – Respondeu olhando-o como se ele fosse um tolo. –
Anda, vamos sentarmo-nos. – Apontou com a cabeça um tronco caído ao fundo do
pomar.
Rui
seguiu-a e sentou-se ao seu lado, e ao vê-la a mexer-se para se sentar melhor teve
a nítida sensação de que ela se mexia para expulsar algo que a incomodava, e
então, esquecendo-se de que estava a “representar”, perguntou-lhe de uma forma sincera.
- Tu
és feliz?
Ela
corou e olhou para o chão. Notava-se
nela uma luta interior, e ele sentiu pena dela. De repente não era a sua avó
que ali estava, mas sim a Amália com 20 ou 30 anos, a sofrer de alguma forma
por alguma coisa.
- O
que é ser feliz? - Devolveu-lhe ela a
pergunta sem, no entanto, o encarar.
- Não
sei… Ser feliz, é estar bem?!
- Isso
é um pouco lato não achas? Estar bem como? Estar bem de saúde? Estar bem de
finanças? Estar bem de amigos? Se é isso, sim sou feliz. – Continuava a não
olhá-lo.
-
Estar bem de amor. – Afirmou ele, e de imediato se arrependeu, pois ela nesse
instante, levantou o rosto, olhou-o com um ar que ele não soube interpretar,
mas que sentiu, e não gostou da sensação, uma mão a apertar o coração, com uma
força muito grande que por momentos lhe dificultou o respirar.
Amália
levantou-se.
-
Tenho de ir. O Alfredo está quase a telefonar. – Mentiu. – Desculpa.- Disse-lhe afastando-se e deixando-o ali, mais
uma vez pensativo.
- Um
tostão pelos teus pensamentos. - Disse-lhe Alice num tom bem disposto, passado
um momento que ele não saberia quantificar se lho pedissem.
- Eu
não consigo fazer isto! – Desabafou arrancando um galho já morto que atirou
para longe numa forma de protesto. – Estou a dar em maluco. Já falo para ela
como se fosse o Feliciano!!!!
Alice
sorriu-lhe. Mais uma vez com aqueles olhos meigos que pareciam querer abraçar o
mundo, e ele, por uns instantes, desejou que eles o abraçassem também.
-
Então o melhor é parares. – Sem se dar conta começou a tratá-lo por “tu",
afinal pouco mais novo seria do que ela.
– Não adianta estares nesse estado.
- Sim,
tens razão. – Ele retribuiu , também de uma forma inconsciente, o tipo de tratamento.- Isto não é para mim.
- Se
não quiseres cá vir por uns tempos, eu vou-te dando notícias. - Levantou-se e
preparava-se para ir embora. Ele levantou-se também e segurou-lhe a mão:
-
Obrigado. - Foi tudo quanto disse.
Amália
refugiou-se no seu quarto nesse dia e nos dias seguintes. Saía para comer e
pouco mais. Não falava mais do que monossílabos e nem a Ana/ Alice lhe
conseguia arrancar mais do que um “ estou bem, obrigada. “
Alice,
preocupada, foi à procura de Amália ao quarto. Encontrou- o vazio, a cama
arrumada, a janela aberta e em cima da mesa, como que a chamar por si, o
diário. Sem pensar no que fazia,
dirigiu-se até lá e pegou nele. Sentiu
as mãos quentes, parecia que o livro queimava.
-
Respira fundo! – Disse para si. - Isto é
a tua culpa a funcionar. Sabes que não deves abri-lo.
- Pois
não. - Respondeu-se. – Ou devo?!
- Vá
abre-o! Já que estás com ele na mão,
força. – Amália acicatava-a da
porta.
Alice
assustada, poisou-o de imediato. As suas faces tisnaram-se de vermelho, e a as
palavras que pronunciou saíram débeis e entrecortadas.
- Hum,
não. Estás aí? Não, estava só…
- Estavas
só, estavas só. – Alice aproximou-se dela resoluta, e
tirou-lho das mãos.
- Isto
é Pe-sso-al. Entendes? – Reclamou agressiva.
Alice
recuperou do susto e recuperou a
postura.
-
Claro que é pessoal. Não tinha intenção de o ler. – Mentiu sentindo-se horrível.
-
Pois, não, claro que não. – Retorquiu irónica.
- Vai-te, vai-te. Deixa-me em paz. ANDA! – ordenou junto à porta que abriu e
manteve aberta até Alice sair.
Alice
engoliu em seco e saiu. Sentia-se horrível. Sabia que estivera prestes a fazer
algo condenável, embora fosse com boas intenções, e tivesse a aprovação dos
familiares, era algo contar o qual a sua conduta lutava com todas as suas
forças, e sentia-se ainda pior por ter
perdido a sua postura, o seu distanciamento. Esta loucura estava a abraçar
todos, como se fosse uma hera que treta e se enreda por onde toca, pensava.
- Rui?
Olá sou a Alice. Podemos falar?
- Ó!
Olá. Ia-lhe ligar, está tudo bem?
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