Carolina 20
- Boa tarde. Benzinho, benzinho e o Dr.?
- Eu também vou bem, mas não sou Dr. – Filipe
colocou o seu melhor sorriso. Iria revelar-lhe que era jornalista e lembrava-se
bem de que ela não gostava, muito dos seus colegas.
- Aí não? Como o vi com a dra. Carolina,
pensei...Então é o quê?
- Sou...- Filipe hesitou um pouco pensando que se
calhar não era a melhor ideia, mas depois, confiando no seu charme e
acreditando que já a tinha conquistado, revelou-se.
- Ah! Eu bem desconfiava. Tanta pergunta acerca
do crime não podia ser coisa boa. Mas tenha cuidado.
- Então? – Perguntou Filipe divertido.
Maria fez uma cara de “caso” e respondeu muito
séria:
- Andam aí uns fulanos com cara de poucos
amigos a fazerem perguntas acerca de um jornalista...
- O quê? Como assim? - Filipe ficou alerta. Ainda se lembrava bem da
última vez…
- Olhe venho já, que estão a chamar-me ali ao
fundo. Não demoro. – E afastou-se deixando Filipe apreensivo.
Entretanto, Carolina que ainda não tinha
chegado ao carro, já estava a receber um telefonema de Rita.
- Então? Como foi? Conta-me tudo. Não escondas
nada. Conseguiste o contrato? Ele é giro? Disse ter porque é que foi sozinho?
Aí, vá conta.
Carolina conseguia imagina- lá do outro lado da
linha, a bater o pé e a fazer cara de beicinho e riu-se. Resolveu fazê-la
sofrer mais um bocadinho
- Olha não te estou a ouvir bem, já te ligo.
- Mas já acabou? Ainda estás com ele? Estou?
Carolina já tinha desligado. Resolveu caminhar
um pouco para assentar as ideias e acalmar o espírito. Sentia-se eufórica!
Eles tinham gostado dos contos dela e achavam
queiram publicáveis.
Tinham-lhes feito algumas alterações, é claro,
mas nada que lhe fizesse confusão.
Até concordava!!
Agora teria de se encontrar com um ilustrador
que eles conheciam para fazer a capa e um desenho para o início de cada conto.
E queriam ver outros contos dela. Falaram até
de uma coletânea!!!!
Bem, o Filipe avisou-a que a irmã é que era a
dona da empresa e que neste momento estava com a cabeça e alma noutro projeto e
ainda não tinha dado aval final. Mas ele estava convencido de que ela
aprovaria.
Também
quem é que conseguiria resistir aqueles olhos? – Ruborizou Carolina.
- Meu Deus, que olhos! Grandes, verdes, vivos
que as vezes se escondiam por detrás de umas pestanas pretas também elas
grandes e com voz.
E aquela
cicatriz por baixo do olho?
Pequenina, mas viva a contar uma história.
Que história contaria ela? Teria alguma coisa a
ver com aquela tatuagem que se adivinhava no pescoço? Um pescoço forte, moreno
que o cachecol deixava antever.
Aí que vontade de… de, de o tirar e ver o
resto...da tatuagem...
- Carolina, mas tu páras?! – Ralhou
consigo.
Sentiu o telefone a vibrar, e sem olhar para o
viso atendeu pensado que era Rita.
- Estou? Chata já te conto tudo.
- Estou? - Uma voz forte fê-la estremecer.
- Hum, sim quem fala? – Disfarçou, não querendo
dar a entender que tinha aquela voz gravada nos seus sentidos.
- Filipe Ferreira,
estivemos ainda agora reunidos.
- Ah sim, diga. Aconteceu alguma coisa? - As
suas pernas pareciam gelatina. Tremiam tanto que se encostou ao carro para se
firmar.
- Não, nada de especial. Está muito longe?
Esqueceu-se aqui dos seus óculos de sol. Ficaram no chão e só agora os vi.
Aquela vibração da voz...Com o coração a bater
descompassadamente e as pernas a tremer, Carolina não se sentia capaz de o
rever. Assim optou por fugir.
- Estou, já estou longe. – Mentiu. - Mas se não
se importar, guarda-mos e entrega-mos na próxima reunião, pode ser? – Perguntou
infantilmente.
- Não lhe farão falta? Posso encontra-me
consigo e entregar-lhos...- Ele insistia.
- Não, não é preciso. Tenho outros. Obrigada.
- De nada. Fica então assim combinado. Boa
tarde.
- Boa tarde. - Disse ela amaldiçoando-se.
Filipe desligou o telefone irritado.
- Estúpido! - Chamou-se mentalmente.
- Do que é que estavas à espera? Que ela te
caísse aos pés? Já te olhaste bem? Ela é de outro nível, não é para o teu bico.
Chateado, levantou-se de um impulso e deitando
o dinheiro na mesa, saiu deixando Maria com o aviso na boca por contar. Não
queria saber disso. Não naquele dia.
Por instinto ou por acaso, calhou olhar para
trás antes de virar a esquina ao fundo do passeio e reparou num homem alto
encorpado, de boné enterrado até as orelhas de óculos de sol e blusão de
cabedal insuflado.
Ficou alerta.
A sua
mente voou para a última vez que esteve na Síria e ao sair do hotel, se sentira
seguido.
Tal como hoje, olhara para trás e vira um homem
de rosto escondido a andar na sua direção. Na altura não ligou.
Ele era apenas
um repórter acabado de chegar, ainda nem tinha começado a entrevistar ninguém,
nem trazia a máquina consigo, o que poderiam querer dele?
Esta desconfiança era com certeza fruto da sua
imaginação e de horas passadas a ouvir estórias contadas por colegas mais
batidos que ele naquele tipo de reportagens.
Não
ligou ao caso e continuou.
Foi esse o seu mal.
Ao virar para uma rua de pouco trânsito,
sentiu-se de repente encostado a um muro e a levar uma data de murros e
pontapés, acompanhados de impropérios numa língua que o medo e os murros não
deixaram perceber.
Arrastou-se até ao hotel, onde recebeu os
primeiros socorros e um bilhete de volta a Portugal para o próximo voo, que seria
dali a dois dias.
Teimoso
como era, e apesar de estar todo marcado não quis desistir da reportagem, e
assim que os curativos acabaram, agradeceu e declinado o bilhete, foi
entrevistar a pessoa com quem tinha marcado.
Não se arrependeu. Tinha colhido informações
preciosas e perigosas.
Após uns
dias de repouso voltou à rua, e concluiu o que tinha ido lá fazer. Voltou são e
salvo, mas, esta era uma experiência que não queria repetir.
Todos os dias quando lavava a cara, olhava para
aquela cicatriz que o não deixava esquecer.
Por isso, e por sentir a cicatriz a latejar, começou a correr e a entrar
e a sair por ruas sem se preocupar com as figuras que fazia e os comentários
que lhe iam lançando, quando mais afoitamente, batia nalgum transeunte.
Ao fim de algumas ruas, com o fôlego à chama lo
a razão, escondeu-se atrás de uma paragem de autocarro e ficou à espreita.
Nada. O fulano não vinha. Esperou mais meia hora e resolveu ir para o carro,
convencido de que o tinha despistado…
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