Carolina 15
Já não se viam há uns
tempos e de repente percebeu que tinha saudades.
A Rita era um poço de
energia e alegria e tinha sempre histórias engraçadas para contar, coisas que
se passavam no seu trabalho e que ela às vezes transformava em contos.
Assim, foi com surpresa
que a viu de roupão, nariz vermelho e um ar cabisbaixo.
- Então? O que se passa
contigo? – Perguntou-lhe enquanto entrava.
- Nem me digas
nada…Entra. – Respondeu-lhe Rita com um ar miserável.
Carolina entrou e
cumprimentou-a.
- Uof, Uof! – Tim
anunciava a sua presença.
Carolina sorriu e
fez-lhe uma careta.
- Já sei que estás aí.
– Tirou alguns biscoitos do saco e fez-lhe as festas da praxe. Depois
lembrou-se que tinha trazido os palmiers que Rita adorava e entregou-lhos.
- Toma. É para te
sentires melhor. - Disse com um sorriso.
Carolina agradeceu e lembrou-se de levar o
bolo que fizera para o lanche de ambas. Depois de servir uma fatia a cada uma, sentou-se
no sofá e enroscou-se na manta.
Carolina preocupada perguntou-lhe:
- Então miúda, o que se
passa? Nunca te vi assim, nem quando tiveste varicela e olha que além de
pareceres um monstrinho estavas cheia de dores...O que aconteceu?
Rita sempre muito
desembaraçada e de resposta pronta na ponta da língua, agarrou a almofada e
apoiando nela o queixo, olhou para o chão comprometida.
- Rita, mulher! Estás a
assustar-me! – Carolina insistiu.
Então Rita, inspirou e
suspirou, e como fazia sempre que tinha algo “entalado na garganta”, despejou
tudo o que tinha feito.
Depois, acercando-se da
Carolina, pediu-lhe com aqueles olhos de gato-das-botas, que não se zangasse.
Carolina ouvira tudo
calada e quando Rita acabou, levantou-se de um salto, (fazendo Tim ladrar de
contente por pensar que iriam brincar com ele), e pondo as mãos à cabeça, falou
num tom mais alto do que queria...
- Tu o quê? Fizeste o
quê? Com que autorização? Quem te deu esse direito?
- Desculpa. Não foi por
mal. Só queria ajudar-te...- Rita sentia-se miserável.
- Ajudar-me? Mas eu
pedi-te ajuda? Sabes lá se eu quero isso?
- É que tu escreves tão
bem. E é uma pena não dar e a conhecer aos outros...
- Eu dou a conhecer o
que quero a quem quero e quando quero, percebes?! – A irritação de Carolina
subia de tom com os latidos de Tim.
- Tim, pára! – Ordenou
Rita também enervada.
O pobre cão sem
perceber o que se estava a passar, sentiu-se ofendido e com o rabo entre as
pernas foi-se sentar na sua manta, ganindo baixinho.
Carolina que adorava
animais sentiu pena dele e foi até ao pé do bicho e fez-lhe festas na cabeça. À
medida que as fazia e o silêncio se impunha, Carolina ia-se acalmando que ela
era uma mulher “de bons fígados “como diz o povo. E ao olhar para o ar
miserável e infeliz de Rita, levantou-se e estendeu-lhe os braços para um
abraço.
Carolina era assim, era
incapaz de ficar zangada com quem gostava.
- Eu só queria
ajudar-te…- Repetiu Rita de cabeça enfiada no ombro da Carolina.
- Palerma.
-Pois sou – Espirrou
Rita.
- Ui, que nojo! –
Carolina afastou-se e riu-se. - Vai buscar os palmiers e o chá e conta-me lá
tudo com calma.
- Então eles querem um
encontro? – Disse quando Rita acabou.
Rita com a boca cheia
de bolo acenou afirmativamente.
- Bem então irás tu.
Rita engasgou-se.
- Eu?
- Claro, não foste tu
que te meteste nesta alhada? Então...
- Mas eu não sei o que
lhe dizer, eu não sou tu...- Rita estava novamente a sentir-se aflita.
Carolina estava a
adorar. Já tinha percebido tudo e tinha-a perdoado, e sabia que tinha de ser
ela a ir, mas sabia-lhe bem dar uma lição à Rita, talvez assim ela pensasse
duas vezes no futuro. Duvidava, mas valia a pena tentar...
- Então, inventas como
tens feito até agora...- Disse com um ar falsamente desprendido.
- Oh! Vá lá. Eu já te
pedi desculpa. – Rita amuava.
- Eu sei. – Carolina
mostrava-se implacável, mas começava a roer-se por dentro.
- Tim toma! - Atirou um
bolo ao cão para disfarçar.
- Ele não deve comer
bolos – Avisou-a Rita.
- Pois...Parece que
nesta casa todos fazem o que não devem...- Carolina estava a aguentar-se por um
fio.
- Sério? – Agora era
Rita que se começava a zangar.
Carolina vendo ressurgir
nela a velha amiga novamente riu-se.
- Está bem, palerma. Eu
vou. Mas ficas-me a dever uma. Uma bem grande...
- Juro!!! - Rita cruzou
os dedos em frente aos lábios e riu-se bem-disposta.
O resto da tarde foi
passado a delinearem estratégias sobre o que dizer é fazer e a fazerem
conjecturas sobre o tipo de pessoas que estaria do outro lado, até que chegou a
altura de Carolina se ir embora. Despediram- se alegremente e Carolina, já à
porta do elevador, virou-se para Rita e disse, entrando para o aparelho de
locomoção:
- A saia da Carolina? A
sério?!!
No dia seguinte,
Carolina acordou agitada. No que é que se fora meter? Odiava expor-se! E se lhe
dissessem que não tinha nenhum talento? Que era melhor dedicar-se à costura?
- Carolina Maria, se
não te reconhecessem algum talento não tinham marcado nenhuma reunião, não achas?
- Disse-lhe a colega quando Carolina lhe contou no que a Rita a tinha metido.
- Reunião com quem? –
Gabriel tinha acabado de entrar no gabinete.
- Aqui a nossa amiga
vai ser uma escritora famosa- Brincou Sofia.
- Aí! Pára lá com isso.
– Carolina voltou para o computador.
- Sério? Então o que
aconteceu? – Gabriel não estava disposto a deixar “cair a coisa”.
- Aqui a nossa amiga
vai a uma entrevista com um editor que quer publicar os seus contos.
- Hei! Calma! -
Ripostou Carolina sem desviar os olhos do ecrã. - É só uma primeira entrevista. Tudo pode acontecer.
- Sim podem
apaixonar-se um pelo outro, como as personagens dos teus contos. – Riu-se Sofia.
- Não sejas parva! -
Gabriel falou um pouco mais ríspido do que queria, e depois disfarçando,
virou-se para Carolina:
- Vai correr tudo bem
vais ver. Não lhe ligues.
- Olhem vamos mudar de
assunto, sim? – Carolina estava a começar a irritar-se.
- Queres que vá contigo
a reunião? – perguntou Gabriel.
- Não, deixa estar. Mas
obrigado. Alguém viu a carta de foral?
- Tenho- a eu. –
Respondeu Sofia que já estava concentrada nos documentos que tinha em mãos.
- Ok. Quando acabares
passa-ma, quero rectificar uma coisa.
As duas voltaram ao
trabalho enquanto que Gabriel olhava sem ver para o documento que tinha na
mesa.
As palavras de Sofia
bailavam na sua mente, não deixando espaço para mais nada que não a apreensão.
E se ela acertasse? Não seria a primeira vez.
Toda a gente sabe que as pessoas destes meios artistas têm casos como quem muda
de camisa. E se ela se apaixonasse? Tinha de se apressar, tinha de fazer algo
antes da reunião...
- Quando é a reunião? – Perguntou dando seguimento aos seus
pensamentos, mas caindo do vazio para elas as duas.
- Hã? Qual reunião? –
Carolina estava longe e a pergunta surpreendeu-a.
- Com o editor...
- Editor? Ah não sei.
Sei lá. Ainda não marquei. – E voltou a mergulhar a cabeça na carta de foral.
- Ainda não marcaste? –
Desta vez era Sofia quem saía do “casulo”.
Carolina não respondeu.
Não lhe apetecia falar mais disso.
- Oi? Ainda não respondeste? Estás à
espera do quê? Que eles mudem de ideias?
-Ai, logo marco.
- Sim, tens tempo. –
Gabriel tentava ganhar esse tempo para si.
- Ai não, não tem. E
além do mais é uma oportunidade para mostrar à mãe o quanto está errada...
Aqui Carolina levantou
a cabeça e num tom duro falou:
- Já chega. A minha
vida decido-a eu. Se precisar de conselhos peço-os, se não dispenso os de
oferta. E agora deixem-me trabalhar que é para isso que nos pagam, e não para
estar a falar na vida uns dos outros.
E levantando-se saiu da
sala em direção à biblioteca.
- Ui, fizeste-a bonita!
– Disse Sofia.
- Eu? Estás parva? Tu é
que não te calas um bocado.
- Eu – Sofia ia responder, mas a chagada de Carolina fê-la
calar-se. Já chegava por aquele dia. Mas ele que não esperasse pela demora...
A caminho de casa as
palavras de Sofia acerca da mãe ressoavam e ressoavam, como o badalo de um
sino, num movimento contínuo, na sua cabeça. Ela já era adulta e a opinião da
mãe que nunca fora favorável já não lhe devia importar, mas a verdade é que
importava e de repente, mais do que nunca queria provar a mãe o quanto ela
estava errada ao tratá-la assim.
A ela e ao pai. E se?
Não ela era superior a isso. - Tentava convencer-se à medida que abria a porta
de casa.
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