Carolina 11
Filipe,
entretanto, começou a escrever no seu bloco A5 de capa preta com um elástico
que servia para o fechar e para prender a caneta.
Desde
que em pequeno vira o Indiana Jones que andava sempre com um onde escrevia
todos os pensamentos e observações que achava importantes para mais tarde analisar,
resolveu fazer o mesmo e o hábito ficou tão enraizado, que tinha uma coleção de
cadernos que continham praticamente toda a sua vida contada em apontamentos.
Neste
momento escrevia que tinha que responder a Catarina e perguntar-lhe qual a
razão do nome do e mail, e sugerir-lhe algumas emendas no texto sobre a escolha
de um homem e de uma mulher, que estando ambos casados, e felizes com o
casamento, se apaixonaram um pelo outro devido à rotina em que as suas relações
caíram e de como era difícil a escolha
entre , um e o outro ou os respetivos. Era um tema atual e interessante, algo
que ele próprio já vivenciara, e não soubera fazer a escolha certa…Também lhe
iria sugerir umas ilustrações. Será que ela já tinha algum ilustrador?
Entretanto a Sra. voltou.
- Bem
isto está complicado, mas sabe, desde que aconteceu aqui o crime que vem mais
gente. Repórteres e outros chatos a quererem saber coisas.
Filipe
corou, mas disfarçou concordando com ela.
- Bom
vou ver se acabo a história. - Continuou ela sacudindo com o pano que trazia
sempre consigo, um pó imaginário da mesa de Filipe.
- A
senhora ontem estava sentada, cálculo que à espera do seu amigo, quando quem lhe apareceu foi o marido. Desataram aos gritos,
mais ele que ela, eu não ouvi o que disseram claro, mas de repente, reparei que
ela se levantou para ir embora e ele sacou de uma pistola e deu-lhe um tiro.
Mesmo em cheio, ali, no meio do jardim!
-
Assim? Sem mais nem menos? – Filipe estava espantado com a facilidade com que
um Português já usava uma pistola. Parecia-lhe que estava nos EUA.
- Veja
só! - Concordou ela torcendo o pano nas mãos. - E depois deitou-se no chão a chorar, feito uma
“Madalena arrependida”.
- E
ninguém fez nada? – Filipe estava a começar a sentir o sangue a ferver de
indignação. Como era possível?
Aqui a
mulher retraiu-se sentindo-se visada pela crítica.
- Bem
eu pouco podia fazer. Bem vê que tenho sempre aqui trabalho, mas mesmo assim
liguei para a polícia. Juntou-se logo ali uma multidão e eu vim para aqui, que
não gosto de me meter na vida de ninguém …- A voz acusava o melindre de se
sentir criticada. Filipe percebeu e apressou-se a acalmá-la.
-
Claro, claro. – Respondeu. – Mas e então o amigo?
- Tem
graça que pergunte isso, porque no meio da gritaria, eu não pude deixar de
ouvir- e colocou ênfase no “ não pude” demonstrando mais uma vez que não era
coscuvilheira - Ele a dizer, ou melhor a gritar, que tinha acabado com o mal
pela raiz, e o que é certo é que o homem nunca mais aqui apareceu.
- Bom
agora se me dá licença tenho de ir. Estão a ser 12H e as pessoas vão começar a
aparecer para almoçar uma sopinha. Bom dia! – Despediu-se e afastou-se para
dentro do quiosque de onde se começaram a ouvir sair sons de talheres e pratos
e taças a serem mexidos.
Filipe
deixou -se estar mais um pouco a pensar.
Ela
disse que o outro nunca mais tinha sido visto, e que o marido gritou que
“cortou o mal pela raiz". Seria que? Pegou no livro e anotou: “pesquisar
obituários recentes e falar disso ao Cláudio".
Fechou
o bloco, guardou-o no bolso do casaco e meteu a mão à algibeira das calças.
Tirou de lá uma nota que colocou por baixo do pires do café e levantando-se
dirigiu-se ao quiosque:
-
Então bom dia. Deixei uma nota na mesa. Pode ficar com o troco. Até breve!
- Oh!
Obrigada! – Respondeu a Sra. que com um largo sorriso já se tinha esquecido da
suposta ofensa sofrida.
Filipe
foi até ao escritório da irmã que ficava uns metros mais abaixo, num prédio dos
anos 70, de fachada lisa e linhas direitas. Subiu ao terceiro andar e deu com a
estagiária a sentada na secretária a arranjar as unhas…
- Bom
dia, com que então muito trabalho hoje hein? -
Cumprimentou-a bem-disposto.
- Bom
dia Filipe. – Respondeu ela descontraída. É só uma unha que me está a chatear.
Filipe
dirigiu-se até ela e deu-lhe dois beijinhos. O perfume que inalou fê-lo, de
repente, tomar consciência de que ela era uma mulher. Miúda, mas uma mulher, e
olhou-a com um ar predador.
- A
Isabel não está. – Disse ela sentando-se
e fazendo-o regressar à realidade.
Ela
era uma miúda, bolas!!! Com um corpo muito interessante, mas uma miúda.
Abanou
a cabeça para sacudir as ideias que lhe surgiam contra a sua vontade, e antes
que elas descessem corpo abaixo provocando-lhe alguns embaraços, foi até à sala
da irmã afastando -se da tentação.
Uma
vez na sala foi até à secretária e olhou para o computador. Ligado!
- Esta
mulher nunca mais aprende! – Resmungou para si.
Sentou-se
na cadeira, procurou o g mail, introduziu a sua conta e passe word e procurou o
mail da “asaiadacarolina”.
Este
mail andava às voltas na sua cabeça sem que percebesse muito bem porquê, e como
detestava coisas que não conseguia compreender e era adepto da teoria de “enfrentar
o boi pelos cornos" resolveu insistir no email convocando a Catarina para
uma reunião.
Não
sabia muito bem se estava a fazer a cousa certa, porque apesar de ele gostar
muito do que ela tinha escrito, não tinha o “olho" da irmã para determinar
se seria ou não um sucesso, se seria ou não bom para se investir.
- Bem
ela disse-te para tomares conta do assunto não foi? – Ele tranquilizou-se.
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