Carolina 14
Na
sala, brincou um bocado com o Tim que estava a adorar ter companhia em casa e
depois foi-se sentar.
Pegou
num livro para ler, mas não lhe apetecia.
Não
se concentrava e ao fim de ler três ou quatro vezes a mesma página, sem fixar
mais do que uma linha, resolveu arrumar o livro.
Depois
ligou a TV. Fez zapping por uns momentos, mas aborrecida, tornou a desligar.
Olhou para Tim que ressonava enroscado na sua manta, como um herói que descansa
após uma batalha.
-
Sortudo. – Disse-lhe ela, ao que ele respondeu com um gemido e uma volta para
ajeitar melhor a posição de dormir.
-
Vou fazer um bolo e não te dou nenhuma fatia. – Espicaçou-a ela do corredor, a
caminho da cozinha.
Como
por milagre, Tim acordou e fazendo-lhe um sprint que a ia deitando abaixo, ultrapassou-a
e foi -se sentar de cauda a abanar e língua de fora, a arfar, em frente ao
forno.
-
Tu...sabes muito!! – Rita riu -se e fez-lhe uma festa na cabeça.
Durante
todo o procedimento, enquanto Rita andava de um lado para o outro, pesando a
farinha, batendo os ovos, misturando o açúcar e o óleo, Tim seguia-a
atentamente com o olhar, não abandonando o seu posto e latindo em resposta aos
comentários e observações que Rita lhe fazia.
O
problema foi quando a Rita foi buscar as cenouras.
É
que Tim é um cão incomum, adora cenouras, e não raras vezes entra em guerra com
o filhote da Rita por lhe roubar uma cenoura da mão e ir esconder- se debaixo
da cama para a comer...
O
pequenito que não é de se ficar atrás, corre atrás dele, perdendo na subida das
escadas que foi ensinado a subir com calma e devagar. Nessas alturas recorre à sua
arma poderosa, a goela, e gritando chama pela mãe ou pelo pai, que cumprindo o
seu dever de cavaleiros, vão em demanda da santa cenoura...
Voltando
à Rita e ao Tim, ele bem tentou arrancar-lhe a cenoura da mão, mas Rita
habituada que estava a essa é a outras lutas, com facilidade o venceu, e triturando
a cenoura, misturou-a no preparado que colocou na forma e depois no forno.
Já
mais bem-disposta, voltou a sala e ligou o computador. Lembrou-se então que
Filipe lhe tinha enviado um Mail, e curiosa foi abri- lo.
À
medida que o ia lendo, o seu rosto tornava-se mais pálido.
O
homem queria um encontro?! Como é que não pensara nisso antes? Era óbvio que
quisessem uma reunião! E agora? Como é que se safava desta? Respirou fundo,
pensou um pouco e escreveu:
-
“Caro Filipe”.
-
“Peço desculpa pela demora da resposta, mas estou fora do país, pelo que me é
impossível uma reunião nos tempos mais próximos. Fico muito satisfeita pelo
vosso interesse nos meus contos e estou aberta a qualquer contacto...”
-
Não, qualquer contacto não que ainda me pede uma vídeo chamada, ou uma chamada
telefónica! – Pensou.
-
“estou disponível para responder a qualquer dúvida pela via que temos usado, e
espero sinceramente que isto não seja um entrave ao nosso ... conhecimento.”
Sempre
ao seu dispor:
Catarina
Teixeira “
E
sem olhar duas vezes, porque Rita raramente olhava duas vezes para uma coisa,
carregou no botão “enviar” e ficou a olhar para o monitor à espera do
resultado.
Entretanto
um cheiro de bolo cozido e um latido do seu cão chegaram aos seus sentidos.
Levantou-se
maquinalmente, porque a sua cabeça estava noutro sítio, tirou o bolo do forno e
desenformou-o maquinalmente, tão maquinalmente que cortou uma fatia e a deu ao
Tim que garganeiro a abocanhou para depois deixar cair porque estava muito
quente.
Depois
regressou à sala e pegando no telemóvel marcou o número da Carolina.
-
Alô, Carolina? – Respondeu ao “Tou?” do outro lado da linha.
Filipe,
entretanto, sentado no café a comer um lanche, enquanto esperava que a dona do
quiosque chegasse, tinha ido só à mercearia buscar limões que tinham acabado,
não demoraria, sentiu o bolso das calças tremer.
Era
o telemóvel a dar sinal de alguma notificação. Distraído meteu a mão ao bolso e
olhou para o ecrã. Quando viu de quem era quase deixou cair o telemóvel
sobressaltado.
-
Mau! – Disse para si. – Isto só pode ser privação de descanso. Não é normal o
que me está a acontecer. Mas por que raio é que eu estou tão interessado nisto?
Abanando
cabeça, abriu o mail e um sorriso imediato, de orelha a orelha estampou-se-lhe
no rosto. Afinal ela não tinha desistido, ela estava fora…Sem pensar duas vezes
respondeu-lhe de imediato:
-
“Cara Catarina, é com muito agrado que vejo que não desistiu do nosso projeto.
Não há qualquer inconveniente falarmos por este meio, embora pense que mais
cedo ou mais tarde teremos de nos encontrar. Tenho algumas sugestões que lhe
queria fazer pessoalmente, mas uma vez que não é possível para já, e se me
permite, aqui as envio em anexo.
Aguardo
por um contacto em breve, Filipe Ferreira”
Pronto.
Estava
feito.
Agora
o destino que se encarregasse do resto.
Entretanto
a Sra. do quiosque voltara das compras e ao vê-lo ali sentado, e lembrando-se
da conversa e da gorjeta, foi com um sorriso aberto que se lhe dirigiu.
-
Ora muito bom dia, bons olhos o vejam! – Cumprimentou-o seguindo as tradições
ancestrais do nosso povo.
-
Bom dia, mas não acredito em “maus-olhados “– Brincou ele. – Está tudo bem por
aqui?
-
Tudo muito bem. Tudo calmo, a não ser uns homens outro dia que vieram fazer
umas perguntas....
-
Umas perguntas? – Os ouvidos de Filipe ganharam vida própria e direcionaram-se
para a boca da mulher.
-
Sim, queriam saber coisas sobre o homem que matou a mulher, onde morava, se
estava preso, se eu conhecia o outro....
-
Aí sim? É o que lhe respondeu? – Filipe ajustou-se na cadeira para a observar
melhor.
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