Matilda Fim
- Não sei bem ao certo. Mas acha que te pode ajudar. –
respondeu animada.
- Como assim ajudar? O que me acusam, não pode ser desculpado
como uma doença. – Ia a dizer como no teu caso, mas calou-se a tempo.
- Não?! – Matilda riu-se.
- Não…- respondeu Jacques sem perceber onde ela queria chegar.
- E se… - Matilda levantou-se e rodopiou pelo quarto. – E se te
considerarem ninfomaníaca? Aí a culpa não é tua!
- Endoideceste de vez! – Jacques também se levantou. – Aí seria
fuzilada.
- Ouve, não tens nada a perder…
- Pois não… só paciência, que já não tenho muita… Mas está bem.
A audição com o juiz estava marcada para as 15h.45m. Matilda
chegou à sala levada pela guarda e olhou em seu redor. Não era como imaginara.
Como vira nos filmes. Era um gabinete luxuoso, com uma secretária de mogno com
um computador topo de gama e alguns livros e papeis ordenadamente arrumados.
Estava defronte a uma janela grande ladeada por dois vasos de umas plantas que
ela não soube identificar, mas que davam à sala um ar tropical. De fronte da
secretária estava uma cadeira, de design ergonómico e a rodear a sala
encontravam-se dois conjuntos de sofás de pele clara. No chão um tapete persa
cobria um soalho de madeira envernizada. Tom claro. Na parede a sul, estava um
armário cheio de dossiers, enquanto que na parede oposta estava um outro
armário, que fazia conjunto, também cheio, mas desta vez de livros. No centro,
entre a secretária e os sofás encontrava-se uma mesa baixa com um tabuleiro de
prata que continha um bule trabalhado do mesmo metal, e alguma chávena de chá e
outras de café, de porcelana.
Tudo
aquilo servia para ostentar poder e intimidar que ali fosse. – Pensou ela.
Ia-se
a sentar, quando a guarda lhe deu um toque com o bastão e lhe indicou que
esperasse de pé. Um réu não se senta!
Nervosa
obedeceu.
Passados
poucos minutos, entraram o seu irmão e Josh. Olhando para trás, conseguiu ver
antes que a porta se fechasse, os rostos de Fábio e Paula ansiosos. À espera.
Cumprimentaram-se
como se fossem apenas cliente e advogado e quando ia cumprimentar o Josh,
entrou por uma porta lateral, que ela não vira, um homem atarracado, gordo e
careca, mas com um bigode e uma barba fartos. Envergava um fato ocidental,
embora na cabeça usasse um lenço axadrezado, preso por uma argola.
- Shemagh!
O lenço chama-se shemagh! – disse-lhe mais tarde Josh.
Foram
feitos os cumprimentos da praxe, cumpriram-se os rituais, e o juiz, depois de
uma pequena introdução feita por Miguel, olhou para Matilda e perguntou-lhe:
- A
senhora está arrependida do crime que cometeu?
Matilda
demorou algum tempo a responder. Custava-lhe ainda admitir que tinha roubado
algo tão valioso, mas percebendo que era o melhor para si, lá se convenceu.
-
Estou sim senhor. – afirmou sem saber bem como se dirigir ao juiz.
- E
está disposta a fazer um pedido de desculpas publico?
Mais
uns segundos de silêncio.
- Hum.
Estou sim. Senhor. – Acrescentou.
-
Muito bem. Decreto então que o pedido deverá ser feito amanhã, pelas 8.00h na receção
do hotel, perante os donos a quem deverá entregar a quantia estipulada em
dinheiro, ou com um comprovativo de uma transferência bancária, consoante o
lesado assim o preferir.
- Tem
mais alguma coisa a acrescentar?
- Não
senhor. – respondeu cabisbaixa.
- Os
senhores, têm algo mais a dizer?
- Não
senhor. Responderam ambos em uníssono.
-
Muito bem. Dou este assunto por encerrado. – Assinou uns papéis, levantou-se, e
saiu da sala despedindo-se apenas de Josh, e ignorando os demais.
Por
uns instantes deixaram-se estar todos quietos e calados, a tentar assimilar
tudo o que tinha acabado de acontecer. Matilda foi a primeira a quebrar o
silencio.
- Já
está? – perguntou a Josh. – Posso ir-me embora?
-
Ainda não. – Ele sorriu. – Só amanhã de manhã. O Miguel tem de entregar os
papéis ao diretor da prisão e a esta hora ele já lá não está. – explicou
olhando para o relógio no seu pulso.
- Mas
amanhã saio de certeza? – A voz ansiosa de Matilda comoveu-o.
- Sim.
Agora já não há perigo. – Pegou nos papéis que o juiz tinha assinado. – Está
aqui a “chave da prisão”. – Abanou os papéis no ar.
Miguel
tirou-lhos da mão.
- Eu
guardo a “chave”.
Foi um
grupo animado aquele que saiu da sala do Juiz. Cavaquearam um pouco à saída do
edifício e Josh combinou com Matilda de ir ter com ela à prisão depois de obter
do consulado francês a autorização para avaliar Jacques. Felizmente a sua
família tinha algum poder naquela zona e estava convencido de que a obteria
facilmente.
-
Então? – Jacques estava à sua espera sentada no beliche, com um cigarro apagado
na boca.
- As
outras? – perguntou Matilda.
Jacques
encolheu os ombros. – Acho que foram a uma audiência.
- As
duas? – Espantou-se.
Recebeu
outro encolher de ombros como resposta.
-
Então? -Insistiu. – Estás livre ou não?
Com um
sorriso de orelha a orelha, Matilda abriu os braços e rodopiou pela cela.
- Yes,
Yes. O meu irmão está lá fora a tratar das últimas coisas.
Jacques
sorriu também. Um sorriso triste, um sorriso onde os olhos e a alma não
acompanharam a boca. Estava feliz por ela, mas ir-se-ia sentir sozinha, muito
sozinha, agora que se habituara à presença dela. É incrível como é que em dois
ou três dias, uma pessoa se torna tão importante na nossa vida…
Mas
Matilda, indiferente a isso, tagarelou, e tagarelou, até que estranhando o
silêncio dela, parou.
Olhou-a.
Ela estava noutro lugar. Longe dali.
Matilda
queria-lhe contar, queria-lhe dizer que Josh a iria ajudar, que estava a tratar
do assunto, mas não tinha a certeza e que ele conseguiria, e não lhe queria dar
falsas esperanças. Mas também lhe partia o coração vê-la assim.
Com
pena, aproximou-se dela e deu-lhe um murro amigável no braço.
- Vá!
Não fiques assim. Milagres acontecem…- tentou animá-la.
-Achas?!
-
Jacques! – A guarda prisional chamou-a.
- O
que foi? – resmungou sem paciência.
- Tens
um homem à tua espera na sala de visitas.
- Um
homem? – Voltou-se para trás e olhou para Matilda que sorrindo-lhe, despediu-se:
-
Milagres acontecem!
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