Matilda 10
Um
sinal sonoro, um apito agudo, interrompeu a conversa de todas. Tinha chegado ao
fim a hora do jantar. Era altura de recolherem os pratos e regressarem às
celas.
-
Come tudo depressa. – avisou-a Jacques. – Engole rápido, antes que ela venha.
Sem
pensar duas vezes, Matilda, enfiou todo o comer que estava no prato ficando com
duas bolas de comida presas entre as bochechas, fazendo lembrar uma miúda
pequena apanhada em falta a comer um bolo que lhe era proibido.
A
guarda, olhou para ela, e para as bochechas, fixamente e por uns segundos, mas
nada disse. Avançou para a mesa seguinte, e ambas respiraram de alívio. Bem,
ambas não, apenas jaques, porque Matilda tentava engolir a comida o mais
rapidamente possível sem se atrapalhar e sem se engasgar.
Já
na cela, com as luzes apagadas, e todas a dormir, Matilda mexia-se de um lado
para o outro na sua cama, sem conseguir repousar.
-
Não consegues dormir? – perguntou-lhe Jaques baixinho.
-
Não. – respondeu no mesmo tom.
-
Mas devias. Amanhã vais precisar de estar bem alerta, para não te deixares
apanhar.
-
Apanhar? Como assim?
-
Já te disse que és nova aqui. Tens de estar atenta, vão tentar perceber até
onde podem ir contigo, testar-te. Tens de estar desperta.
-
Não consigo. Dou voltas e voltas à cabeça e ainda não percebi como é que aquela
estatueta foi para à minha mala, e porquê?
-
Se estava no forro, foi posta no hotel. No aeroporto não tinham tempo de o
fazer. Deixaste a tua mala sozinha com alguém durante algum bom bocado de
tempo?
-
Não. Que eu me lembre não. Só a deixei de ver quando fomos tomar o pequeno
almoço. Eu e a Paula deixámo-las com o Hadir, o guia que se ofereceu para as
levar para o autocarro.
-
E viste-o a colocá-las no autocarro?
-
Não…Demos-lhas no hall, e fomos tomar o pequeno almoço.
-
E tiraste-as do autocarro quando chegaram ao aeroporto?
-
Não. Ele tratou de tudo. Ele tinha estado com a Paula, tal como tu e o teu
guia, e disse que fazia tudo por nós, para não nos preocuparmos…
-
Pois…
-
Achas?!
-
Acho.
-
E depois o que aconteceu contigo? – Matilda de repente não queria pensar mais
naquilo.
-
Comigo? – Jaques sentou-se na cama. – Comigo passou-se que a mulher dele soube
da minha existência, e falou aos irmãos, que fizeram queixa de mim à polícia,
como adúltera…e aqui estou.
-
Adúltera? Mas tu não és casada! Ou és?
-
Não. Não sou. E foi isso que tentei dizer ao meu advogado, mas ele é um pobre
coitado que parece ter medo deles. Estou à espera de que a embaixada me arranje
outro melhor, o meu julgamento é daqui a 4 semanas…
-
E o que vai acontecer se fores considerada culpada?
-
Não queiras saber…Dorme, anda. – E voltando a deitar-se, Jacques deu a conversa
por encerrada.
Matilda
desta vez não lhe obedeceu. Tudo o que acabara de ouvir, enrolava-se na sua
cabeça, fazendo sincronismo com os movimentos que dava na cama. Pela madrugada
lá acabou por adormecer. A exaustão venceu a preocupação.
Estavam
no pátio, a fazer uma pausa para exercitar os músculos, quando uma guarda se
aproximou e a chamou, indicando-lhe que fosse com ela.
-
Miguel! – Correu para o abraçar, mas a guarda, colocando-se à frente dela,
impediu-a. Indicou-lhe uma cadeira para que se sentasse.
A
Miguel e a Josh, foi-lhes entregue umas cadeiras para que se sentassem também.
-
Têm 30 minutos. – informou-os enquanto se colocava em pé no canto da sala,
atrás de Matilda.
-
Estás bem? Magoaram-te? Como estás? – Miguel estava doido de preocupação.
-
Estou, sim ,não, quero dizer. Estou bem…Tendo em conta tudo isto. – Abriu os
braços para referenciar o local onde estava.
-
Dormiste? Comeste? – Miguel, continuava, surdo às palavras dela.
-
Sim. Vens buscar-me? Quem é ele? – perguntou olhando para Josh.
Miguel
seguiu-lhe o olhar e lembrou-se de que ainda não os tinha apresentado.
-
Este é o Josh. – E virando-se para Josh. – Esta é a Matilda, a minha irmã.
Foram
feitos os cumprimentos da praxe, e Matilda perguntou em português:
-
Um psicólogo? Não deverias trazer antes um advogado?
-
Eu sou um advogado, lembras-te? – respondeu-lhe Miguel em inglês. Para ele, era
uma falta de educação falarem em português ao pé de Josh que estava ali para os
ajudar.
Matilda
percebeu e assentando com a cabeça, continuou em inglês:
-
Quando é que eu saio? Hoje?
-
Ainda não. Consegui uma entrevista com o Juiz, graças ao Josh, para hoje ao fim
do dia. Em princípio, se tudo correr bem, Josh irá testemunhar sobre a tua
doença e sairás em liberdade, perante um pedido oficial de desculpa e uma
indeminização ao homem que agrediste.
-
O quê?! – Matilda indignou-se. – Mas eu não fiz nada. E que doença? Eu não
sofro de doença alguma. – falou num tom enervado e mais alto do que devia.
A
guarda aproximou-se uns passos e Matilda tomando consciência disso repetiu mais
baixo em inglês.
-
Eu não sou doente, e não fiz nada de mal para pedir desculpa e para pagar uma
indeminização, seja ela qual for.
-
Matilda. – Josh que até aí tinha estado calado, falou:
-
Eu sei que para um europeu, a nossa cultura é estranha e pode até parecer
injusta, mas não me parece que esteja numa posição de regatear, quando o que
tem pela frente, é além de meses de pisão, um julgamento e uma condenação quase
certas, pois foi filmada a empurrar um homem, e foi encontrada uma estatueta na
sua mala.
-
Mas eu não a pus lá!!! – insistia. – E pelo amor de Deus, eu não o empurrei, eu
só defendi a minha amiga que foi parar ao chão com o estalo que ele lhe deu. –
exasperou-se.
-
Matilda. – Agora era Miguel quem falava. – Ouve o que te dizem. Pelo amor de
Deus! Não sejas teimosa!
-
E que doença é essa de que estão a falar? – Matilda não queria dar o braço a
torcer, mas sabia-se vencida.
-
Cleptomania. – Foi novamente Josh quem falou.
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