Matilda 8

- Boa noite. – Cumprimentou-os num inglês perfeito. – Chamo-me Md Hussein. Em que vos posso ser útil?

- Boa noite. – Retribuiu Miguel também em inglês. – O meu nome é Miguel Pereira e sou o advogado da senhora Matilda Pereira. Estes são o senhor Fábio Amorim e a Senhora Paula Teixeira amigo e colegas da senhora Matilda, que os senhores Têm retida contra a sua vontade.

Ao ouvir este discurso, pronunciado de uma forma agressiva e arrogante, Hussein arregalou a sobrancelha, mas nada disse. Apenas sorriu e sentando-se num dos 3 sofás que compunham a sala, convidou-os a fazerem o mesmo.

Paula e Miguel acederam ao convite e sentaram-se, Fábio preferiu ficar de pé.

- Então. – Continuou enquanto lhes servia um chá de um bule que estava colocado no centro da mesa. – Os senhores dizem que temos a senhora Matilda Pereira? – Fez um compasso de espera para obter a confirmação do nome. Uma vez obtida essa confirmação, pelo acenar das cabeças, continuou:

- Retida nas nossas instalações, contra a sua vontade? – Embora simpático, o seu tom denotava alguma irritação. Era preciso ter lata. Estes cafir vêm para aqui, não sabem nada acerca da nossa cultura, não a respeitam e ainda se acham donos da razão. – Pensava para si.

- Ao que me inteirei, a Sra. Matilda, tinha na sua posse um objeto que não lhe pertencia. – Continuava com uma voz suave, melíflua, fazendo lembrar uma serpente.

Ao ouvir isto, Miguel pigarreou e ajeitou-se melhor no sofá. Ia a falar, quando Paula se antecipou.

- Isso foi uma armadilha. A minha amiga não tirou nada! – Declarou exaltada.

Hussein, abriu muito os olhos numa interrogação muda.

- Desculpe? – Parecia querer dizer.

- Eu estive sempre com ela. Alguém colocou aquilo na mala. – Continuou Paula, indiferente aos olhares que se passavam à sua volta.

Hussein olhou para Miguel e apenas com os olhos indicou-lhe que Paula, além de ser estrangeira era mulher e como tal, não devia, não podia falar daquele modo. Mas Miguel não percebeu a mensagem pelo que nada disse.

Então, já a perder a paciência com a situação, mas querendo manter um controlo aparente, Hussein levantou-se, foi até à secretária buscar um dossier, e folheando algumas folhas, tirou de lá uns documentos que entregou ao advogado.

- Aqui tem. – Disse num tom de voz frio. – Isto é o processo interino dessa senhora. Se reparar, na última folha, está indicado a prisão para onde a sua…cliente, foi levada. Verá que é uma prisão com boas condições, para onde vão as mulheres mais…Como posso dizer? Respeitadas. Agora se me dão licença, tenho outros assuntos para tratar. Este processo já não me diz respeito.

E, abrindo a porta do escritório, carregou no botão que chamava o elevador, e despediu-se:

- Muito boa noite. Espero que tenham uma estada agradável no nosso país.

- Mas… - Começou Paula.

- Anda! – Fábio que teve todo o tempo calado, puxou por ela. – Vamos. Não há aqui mais nada a fazer. – Disse-lhe em português.

- Muito prazer. – Miguel levantou-se e estendeu a mão a Hussein. – Espero conseguir resolver depressa este mal entendido.

- Com certeza que irá resolver. – O sorriso nos lábios de Hussein era traído pela frieza dos olhos, negros como o carvão.

- Tu viste-me isto? – Paula era incapaz de conter a sua indignação. – É preciso ter lata. E vocês? Ficaram caladinhos que nem um rato. São cá uns cobardes! – Deixou sair o desabafo acompanhado de um suspiro profundo.

- Ouve lá. – Fábio começava a perder a paciência. Farto de ali estar, e com a preocupação em cima dos ombros, tudo o que precisava naquele momento era um banho bem quente para se acalmar, e não alguém a chamá-lo de cobarde.

- Ouve lá! – Repetiu. – Já te apercebeste onde estamos? Já te esqueceste de como tudo começou? Se te tivesses comportado como deve de ser, agora estaríamos cada um em sua casa, a fazer o que nos desse na real gana. Mas, não. A menina pensa que está em Portugal e que pode agir da mesma forma que lá, apesar de todos os avisos que teve. Se não fosse a nossa calma, a tua boca já nos tinha metido em sarilhos. – sem se aperceber estava a gritar.

- Mas… Estás te a passar ou quê? – Paula reagiu elevando também a sua voz. – Agora a culpa disto é minha?!

- Calma! Vocês os dois querem ter calma? – Miguel, cansado e preocupado também, abriu a porta do carro e fez sinal a Paula que entrasse, para o banco de trás.

- Porque é que tenho de ir atrás? – Ela refilou. – Porque sou mulher? Ou porque me “portei mal”? – Ironizou.

- Porque o carro é pequeno e eu tenho umas pernas grandes, e venho de uma viagem onde estive 8 horas sentado com as pernas quase encolhidas. – Miguel exasperou-se.

Paula sentiu que tinha sido palerma, mas não querendo dar o braço a torcer, fez uma cara de amuada e sentou-se silenciosa. No banco de trás.

Entretanto, na prisão, Matilda sentia-se como um gato. Assustada e vigilante, saltava e estremecia cada vez que ouvia um barulho.

- Tens de ter calma e mostrar-te forte. – Aconselhou-a Jacques. – Foi assim que consegui sobreviver. Se mostrares medo, vais ser comida viva.

Matilda olhou-a com os olhos grandes, assustados e acenou com a cabeça, incapaz de responder.

- É uma questão de sobrevivência. Estou a dizer-te para não passares o que eu passei. – Encolheu os ombros, como que a mostrar desapego, e tirando um cigarro de um maço meio vazio e todo amachucado, ofereceu-lhe:

- Queres?

- Não. Obrigada. Não fumo. – Conseguiu finalmente dizer.

- Ah! Afinal sempre tens voz. Por momentos pensei que eras muda! - Riu-se Jacques.

As outras riram-se também e Matilda teve a sensação de estar perante um bando de hienas. Assustada e sem conseguir evitar, encolheu-se ainda mais no canto que havia escolhido para se sentar.

- Sabes? – Disse-lhe a Jacques em português. – Se quiseres podemos falar na tua língua. Eu sei um pouco de português porque a minha empregada era portuguesa, e ensinou-me.

- Em inglês! Fala em inglês! – Ordenou-lhe a mulher do olhos pretos.

- Não. – Respondeu-lhe Jacques em inglês. – Eu falo na língua que eu quiser. Acho que já te provei que não mandas em mim. – Ameaçou, aproximando o seu rosto do rosto dela.

A mulher, virou a cara e cuspiu para o chão, dizendo em árabe, umas palavras que elas não perceberam, mas que soavam nitidamente a ameaças.

- E se me queres ameaçar, - continuou Jacques em inglês, fá-lo numa língua que eu perceba. Não sejas cobarde.

A mulher, ao ouvir isto, levantou o braço para lhe bater, mas a outra, mais moderada, segurou-lho, e falando-lhe num dialeto estranho lá a convenceu a ir para o outro canto da cela.

A tudo isto Matilda assistiu muda.


(foto de artista desconhecido)

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