Lua 1

- Lua! Vou chamar-te Lua! – Assim falava Eulália para a bebé rosadinha e gordinha que tinha ao colo.

- Vais ser Lua – dizia-lhe baixinho. -  Porque vejo em ti a força para mudar o mundo. Tal como a lua manda nas marés, tu vais mandar na vida. Na tua vida. E quem sabe se na de mais alguém?

- Sabes, meu amor? Tu estás destinada a uma vida grandiosa, bem melhor do que a minha, aqui presa nesta ilha. Tu vais ser feliz! – Estreitou-a nos braços querendo-lhe transmitir através do abraço, todo o amor que sentia por ela.

A bebé, olhava-a com muita atenção, como se a compreendesse, e quando ela se calou por uns instantes, mostrou pela primeira vez um sorriso, como se concordasse com tudo o que ouvira, que encheu, a Eulália, o coração com  certezas e amor.

- Lália! Vens? – Mike, o pai da bebé chamava-a para dentro de casa.

Eulália acenou com a cabeça, mas deixou-se estar mais um pouco a olhar para a Lua. – Como és parecida com ele. – disse-lhe dando-lhe um beijo na testa.

Lentamente regressou a casa, uma pequena moradia, modesta, localizada numa aldeia de pescadores mesmo em frente ao mar dos Açores.

Lá dentro, Mike esperava-a, sentado no sofá da sala, com uma cerveja na mão e um cheiro a álcool que a fazia querer fugir dali. Quando sentia aquele cheiro, as memórias de um pai alcoólico e violento, invadiam-lhe a memória abrindo a porta ao medo que lhe tolhia os movimentos e o raciocínio.

- Mike… - Disse baixinho. – Voltaste a beber…

- Ora é só uma. Está tanto calor… – Levantou-se e agarrou-a num abraço que a atraía e repelia ao mesmo tempo.

- Mas sabes que eu não gosto desse cheiro…- Ela ainda tentou dizer, mas ele com a força do desejo, calou-a, e com um beijo, e um abraço, e… E meses depois nascia Maria, a irmãzinha de Lua, mas dela falarei mais à frente.

Agora quero-vos apresentar a Lua.

Filha de Eulália, uma portuguesa que vivia numa pequena ilha açoreana e que trabalhava num dos dois cafés que ali existiam e serviam a população e turistas, poucos, e de Mike, um americano que por lá estava em comissão militar, Lua, nasceu fruto do amor que unia aquela mulher sonhadora e lutadora, àquele homem apaixonado, mas fraco perante as conveniências e a família.

Pequena e cheia de vida, herdara do pai os olhos azuis e os cabelos claros. A boca pequena e bem desenhada era da mãe, assim como o tom de pele moreno e as curvas bem torneadas que lhe enfeitavam um corpo rechonchudo como o de todos os bebes que nascem com um apetite pela comida e pela vida.

O feitio, esse não o herdara de ninguém. Talvez o fosse buscar à lua que na noite do seu nascimento se mostrou grande e luminosa como que, orgulhosa, quisesse mostrar ao mundo o novo ser que emergia destinado a uma vida diferente.

Criada pela mãe e pelos vizinhos, já que o pai pouco a vira e à irmã nem sequer a conhecera, Lua vivia no meio da natureza verde e esplendorosa da ilha que a acolhera, e no meio dos animais que soltos povoavam as ruas e os quintais.

Sendo pequena, a ilha, todos se conheciam e todos formavam uma grande família com todas as alegrais e tristezas, invejas e ciúmes, ajudas e compreensão, risos e gritos comuns a todas as famílias.

E Lua era feliz até que um dia, um homem estranho apareceu à porta do seu quintal.

- Lua? – Chamou-a numa voz com um sotaque estranho.

Ela que estava a brincar com um pau que atirava a um dos muitos cães que pertenciam a todos e a ninguém, interrompeu a brincadeira e olhou-o. Desconfiada. Como todos os ilhéus faziam quando aparecia alguém de fora.

Quem era este homem, e como sabia o seu nome? – Pensava para si.

- Lua? Repetiu ele avançando uns passos na sua direção.

Com medo, um medo instintivo, um medo de sobrevivência que não se explica, ela largou o pau e correu para casa.

- Mããee! – Gritou. – Mãe, está um estranho à porta que sabe o meu nome.

Eulália, cansada da vida e das invenções que Lua criava a uma velocidade maior do que a do pensamento, não lhe ligou, continuando a lavar uns lençóis que faziam parte de uma encomenda que os “senhores” da ilha lhe haviam feito. Com a venda daquele conjunto haveria de completar o dinheiro que lhe faltava para comprar uns sapatos novos à Lua, para que ela pudesse ir finalmente à escola.

Assim, respondendo ao calhas, esfregou com mais força, esperando lavar juntamente com os lençóis o desgosto que sentia pela desfeita que a vida lhe fizera.

Apesar de já terem passado 8 anos desde que Mike partira, Eulália revia todas as noites, quando se deitava e finalmente tinha tempo para pensar, a conversa que tiveram no dia em que ele se fora.

- Lália. – dizia-lhe ele. – Eu não demoro. Prometo. Vou só anunciar à minha família que venho viver convosco. Volto a tempo de o bebe nascer. – Prometia referindo-se ao bebe que Eulália trazia no ventre, mas que ainda mal se via.

- Mas e se acontecer alguma coisa? – Eulália perguntava com o coração aflito.

- Não vai acontecer nada. Confia em mim. Venho buscar-te e vamos para a ilha grande. Aí vamos ser muito felizes. Acredita!

Aqueles olhos azuis, cheios de emoção, entraram dentro dos olhos dela, os seus corpos fundiram-se, e mais uma vez, debaixo das estrelas, com o mar por testemunha, selaram o seu amor, entre juras e promessas que Eulália acreditou.

Ele partiu de madrugada, ainda ela estava a dormir enrolada nos seus braços. Sonhando com o futuro, não o sentiu partir. Acordou com o choro da bebé que reclamava por mais um pedaço de comida.

- Lália? – Ouviu o chamamento do seu nome, numa voz que lhe despertou todos os sentidos, e parou involuntariamente o movimento. Não se virou. Não queria quebrar a magia do encantamento.

- Lália? – repetiu a voz tão bem conhecida. – Sou eu, o Mike.

Lentamente, ela virou-se fixando o olhar num rosto que embora fosse o dele, estava diferente. Mais gordo, com barba, e branco, deslavado, parecia uma cópia mal feita daquele Mike que há 8 anos se fora embora. Não fora os olhos, esses que continuavam azuis, sonhadores, e ela tê-lo-ia mandado embora sem nenhuma hesitação.

- Mike? – perguntou deixando-se estar no mesmo sítio.

- Mike? – repetiu incrédula.

– És tu? – perguntou fria, depois do choque inicial.

Mike que avançava para ela de braços abertos, estacou perante a frieza do olhar que ela lhe demonstrava. Não fora as mãos que torciam e retorciam o avental e dir-se-ia estar em frente a uma estátua, isenta de emoções.

- Sim, Lália. Sou eu. Voltei! – respondeu com uma alegria infantil, embora se quedasse no mesmo sítio. Intimidado.

- E o que fazes aqui? – tornou ela a perguntar.

- O que faço aqui? Voltei para ti. Para nós. Para a Lua e para… - calou-se atrapalhado. Não sabia se o segundo filho era uma menina ou um menino. Não sabia sequer se o segundo filho chegara a nascer…

- Para? – A ironia dela mostrava o seu ressentimento. Ela percebera o seu embaraço e estranhamente estava a tirar algum prazer disso.

A tudo isto, Lua e Maria assistiam, de mãos dadas, escondidas atrás de uma árvore de plantada nas traseiras da casa lhes fornecia sombra e limões

 


(foto tirada da net)

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