Lua 3


Eulália decidiu contar às filhas que o seu pai voltara, quando estivessem a jantar. Até lá, faria um compasso de espera para assentar as ideias e decidir melhor o que fazer com a situação. Ainda pensou em aconselhar-se com a mãe, e chegou mesmo a sair de casa e caminhar alguns passos na direção da sua casa, mas algo no seu íntimo a fez voltar atrás. Esta teria de ser uma decisão sua. Só sua.

- E das tuas filhas? Não? – Uma voz acicatava-a ao ouvido.

- Não! – respondeu-se decidida. – Este foi um problema que eu criei e vou ser eu a resolvê-lo. E além do mais elas ainda são umas miúdas!!!!

Sentindo-se nervosa, e tentando fazer as coisas da melhor maneira, resolveu prepara-lhes o seu parto favorito, puré de batata com carne picada. A cantarolar, para afastar pensamentos, colocou na mesa a toalha dos dias de festa, e em cima dela, os melhores pratos que tinha. Afastou-se um pouco da mesa para ver o efeito. Faltava qualquer coisa…

Flores! – Sorriu.

Abriu a porta para ir colher algumas ao jardim e viu a Maria, emonada, sentada debaixo do limoeiro.

- O que fazes aqui? A tua irmã? – perguntou-lhe suavemente, fazendo-lhe uma festa na cabeça.

- Foi até à praia. Não me quis deixar ir. – queixou-se. – Quem era aquele homem? – perguntou à “queima-roupa.”

Eulália sorriu. Estava preparada para isso. Conhecia demasiado bem as filhas. Sabia que Maria seria transparente e não lhe esconderia nada, nenhuma duvida, nenhum receio, enquanto que Lua… Lua era diferente!

- Explico-vos às duas ao jantar. – respondeu-lhe meigamente. – Olha porque é que não vais apanhar umas flores para enfeitar a mesa, enquanto eu vou ter com a tua irmã?

- Flores?

- Sim. A notícia é boa! – assegurou-lhe, enquanto descia pelo mesmo caminho que Lua fizera horas antes.

 

Eulália

 

Encontrei-a sentada à beira mar, pernas dobradas, abraçada aos joelhos e de olhar perdido. Estaquei por uns momentos a observá-la. Como era linda! E forte! Apesar de ser ainda uma criança, tinha dentro dela um não sei o quê, que a fazia ser mais adulta do que eu. Senti um aperto no peito. Uma dor. Uma dor diferente daquela que andava há uns meses a sentir. Esta era uma dor de dentro. Não sei explicar, mas com certeza que me entendem!

- Lua! - Sentei-me ao lado dela e passei-lhe o braço pelos ombros chegando-a a mim. Sentindo o quente do seu corpo, sentido o seu cheiro que apagava a minha dor. As minhas dores. Ela deixou-se abraçar, porém os seus olhos continuaram fixos no mar.

- Tenho de te contar uma coisa, mas não sei bem como começar… - Comecei com os olhos postos também no mar, acompanhando o olhar dela.

Ela não respondeu.

- Aquele homem. – Continuei o mais suavemente que a alma me permitiu. – Aquele homem é o vosso pai. Ele voltou finalmente. – Sem querer, e contra todos os discursos ensaiados mentalmente, contra todas as decisões de lhes dizer a notícia o mais suavemente possível, contei tudo de uma só rajada.

- M*da – deixei escapar para mim mesma.

Olhei para ela ansiosa. Nada. Ela continuou imóvel. Nem um piscar de olhos, nem um estremecimento, nem uma exclamação! Parecia não ter ouvido.

Fiquei sem saber o que dizer. O que fazer. Voltei o rosto para o mar e deixei-me estar a olhar para ele, como se ele tivesse alguma resposta, algum conselho, alguma ideia.

- Tu mentiste-me! – disse após uns longos momentos de silêncio.

Não era uma acusação, não era uma queixa, era simplesmente uma constatação. Senti o rosto vermelho e um frio pelo corpo. Ela tinha razão.

- Tinhas prometido que entre nós as 3 não havia mentiras nem segredos.

Mais uma vez, uma afirmação. Como se estivesse a falar com o mar e não comigo.

- Desculpa. – disse baixinho também para o mar. – Mas tenta compreender.

- Não gosto dele. – afirmou ignorando as minhas desculpas.

- Não gostas dele?!  - admirei-me. Lua não era dada a ressentimentos…

- Mas não o conheces, vais ver que…

- Não gosto dele, e ponto final. - Levantou-se e começou a andar em direção à costa.

- Lua! - chameia-a. – Lua! – gritei mais alto ao ver que ela não parava.

- Tenho fome. Vamos comer. – Foi a resposta que o vento me trouxe.

Deixei-me estar por uns momentos, sentada a conversar com as ondas que batiam forte na areia, fazendo eco com as batidas do meu coração.

Estaria eu a fazer a coisa certa? Seria justo impor-lhes alguém nas nossas vidas? Um estranho? Mas eu já não tinha muito tempo, e a minha mãe estava a ficar velhota. Sim. Tinha de arriscar. Tinha de lutar para que os 3 se entendessem.

Ciente que esta era a melhor decisão, levantei-me e dei um suspiro profundo esperando que juntamente com o ar, entrasse alguma inspiração, algum perdão.

Depois, caminhei atrás dela decidida a dar ao tempo uma chance para atuar. Eu, por enquanto, não era capaz.

 

 


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