Matilda 6
- Da prisão? – Espantado com a resposta,
começou a arrepender-se de ter oferecido ajuda.
- Sim, não, acho que sim… - Miguel
percebeu o quanto soava ridículo e o quanto sabia pouco do caso.
Josh, sem saber bem porquê.
, talvez porque estas coisas não se expliquem,
sentiu uma empatia por aquele homem que lhe fazia lembrar um amigo espanhol que
tivera na faculdade.
- Espanhol? – Perguntou na sequência das
lembranças.
- Perdão?
- É espanhol?
- Ah! Não, sou Português. Vizinho dos Espanhóis,
mas Português. – Emendou com um sorriso, habituado que estava a estas
comparações.
- Bem me parecia. Conheci em tempos
alguém assim. – Continuou Josh, nada embaraçado com o equívoco.
- Assim, como? – As defesas começaram a
erguer-se. Uma coisa era confundirem as línguas, era mau, mas enfim. Outra
coisa era confundirem os modos. Isso é que não!
- Assim. Efusivo. Gosto disso. Vou
ajudar-te. Queres contar-me pormenores do caso? Como se chama a tua irmã?
Miguel engoliu o orgulho. A verdade é
que estava perdido nas leis, e qualquer ajuda seria bem-vinda…
- Matilda. Chama-se Matilda. E para ser
sincero, não sei bem o que se passou. – Encolheu os ombros e fez um ar perdido.
- Vamos começar pelo princípio. O que
faz ela na Tunísia, foi em férias?
- Não. Foi em trabalho. Ela é dona de uma
empresa publicitária, e foram lá filmar um anúncio. Não sei o que se passou.
Hoje no aeroporto, um amigo dela ligou-me a dizer que a levaram presa por ter
alegadamente roubado qualquer coisa.
- O quê?
- Pois, não sei. Com a aflição,
desliguei o telefone e fui a correr arranjar um voo para hoje. Não sei mais
pormenores…- Sentia-se um imbecil.
- Hum…estou a ver…
- Pois eu não. Não estou a ver nada… -
Sentia-se cada vez mais miserável…
- Tem calma. O meu país é um pouco
complicado para vós europeus, mas tem uma lei. E ao contrário do que se diz,
não se prendem inocentes sem mais nem menos.
- Pois esse é que é o problema. – Deixou
escapar olhando para o computador.
Josh interrogou-o com o olhar. –
Problema?
- É que eu não sei se a minha irmã é
inocente… - Sentiu-se um crápula depois de pronunciar estas palavras em voz
alta.
- Mau…Assim é mais complicado…
- Ela não é ladra. Não no verdadeiro
sentido da palavra. Ela só não consegue não trazer coisas das lojas sem pagar…
- Isso é uma das definições de ladra… -
Ironizou Josh.
- Eu sei. Dito assim a frio é. Mas as
coisas não são o que parecem, sabes? Tudo começou após a morte dos meus pais.
E abrindo o peito aquele estranho que
lhe ganhara a confiança contra os seus costumes e ensinamentos da vida e da
profissão, lá lhe contou resumidamente o que se passou na vida deles, após
aquele terrível acidente.
- Mas há dois anos que ela não roubava
nada. Ela tinha-me prometido. E ela depois devolve as coisas. Ou dá-as. Não
quer os objetos para nada…
Josh ficou um pouco calado a meditar.
Miguel, entretanto, começava a arrepender-se de ter contado as coisas. O que
fora fazer? Confiar num estranho? E ainda por cima num deles?
Incomodado, mexeu-se na cadeira.
- Diz-me. Alguma vez a tua irmã procurou
ajuda? – Perguntou passado algum tempo que a Miguel pareceu uma eternidade.
- Que tipo de ajuda?
- Médica. Algum médico, psicólogo,
psiquiatra…
- Não. Porque haveria de procurar um?
- Porque eu acho que a tua irmã sofre de
uma doença.
- A sério? Que doença? – Como todos nós,
Miguel era incapaz de analisar a vida familiar com a isenção necessária e nunca
lhe ocorreu que a irmã precisasse de algum tipo de ajuda.
- Já ouviste falar em Cleptomania?
- Ssim. Acho que sim. Mas…
- Mas, e pelo que me contaste, os sinais
estão lá todos.
- Ora, não. Aquilo é só uma forma de ela
se rebelar contra o infortúnio que nos aconteceu…
- Achas? Repara bem. Sabes a definição
de Cleptómano?
- Assim ao certo não. Não sei bem. É
aquele que rouba por vicio. Mas a minha irmã depois devolve as coisas, ou
dá-as…
- Olha vou ler-te a definição que a net
dá, que é para ser mais simples. – E dito isto, pegou no telemóvel e pesquisou a
palavra “cleptómano” no motor de busca da net.
A Cleptomania é
um distúrbio mental que faz com que a pessoa comece a roubar várias coisas,
na sua maioria sem valor, sem necessidade de as ter, de lojas, das casas dos
outros, da escola ou de outros tipos de lugares.
Na cleptomania, o
indivíduo rouba objetos por descontrole de impulso e não por necessidade. Os
objetos são geralmente de baixo valor, mas também podem ser de alto valor
comercial (menos frequente).
Pode ser transitória
e pode aparecer na adolescência em consequência de uma situação que provoque
alteração na conduta cerebral.
- Então. O que te parece? Continua, e
poderemos aprofundar a coisa, mas assim à primeira vista. Não te diz nada?
Miguel ficou calado. Como era possível
nunca se ter lembrado disso?!
- E tem cura?
- Tem. Com a ajuda de medicação, e
terapia, tem. Na maioria dos casos. E depois depende do tipo. Existem três
tipos, a ocasional, a transitória e a permanente.
- Qual desses achas que a minha irmã
tem?
- Não te sei responder. Só depois de a
conhecer, e avaliar.
- Queres avaliá-la? Poderemos usar isso
para a defender em tribunal?
- Sim. Não vejo porque não. Não sei
ainda os pormenores todos do caso, mas parece-me possível… Claro que primeiro
tem de se provar que ela é de facto uma cleptomaníaca…
- E até lá? Ela vai ficar na prisão? E
como é que provamos isso?
A mente de Miguel corria a uma
velocidade estonteante.
- Calma. Um passo de cada vez. Já te
disse que vos vou ajudar.
- Porquê?
- Porquê o quê?
- Porque é que nos estás a ajudar? O que
é que ganhas com isso? Além dos teus honorários, claro.
- Que já agora, espero poder pagar… -
Acrescentou.
- Não te preocupes com isso…
- Preocupo sim. Com as duas coisas…
- Ouve já não se pode ajudar por ajudar?
Vou de férias por 15 dias, e ao fim dos dois primeiros, a minha família dá-me
cabo dos nervos. Amo-os muito, mas fui criado na europa, por um pai Finlandês.
A cultura árabe consegue ser…como posso explicar? Fascinante e desesperante ao
mesmo tempo para um europeu, percebes-me? Preciso de ter um motivo válido para
sair dali por umas horas. E digamos que tu acabaste de me proporcionar esse
motivo… - Sorriu, um sorriso aberto.
Miguel olhou-o desconfiado. A verdade é
que ele já tinha começado a ajudar…Em todos os sentidos… Não poderia ser assim
tão má pessoa. Ou poderia?
Matilda foi literalmente empurrada para
uma cela com 15 metros quadrados onde já se encontravam 3 mulheres, de várias
idades e nações a julgar pelo aspeto físico e pelas vestes.
Desequilibrada, foi embater contra um
dos dois beliches que ocupavam quase toda a cela. Na parede ao fundo
encontrava-se uma janela com grades e por baixo desta um lavatório cuja limpeza
deixava muito a desejar, se é que alguma vez existira…
Atordoada e assustada, Matilda, levou a
mão ao ombro que embatera no ferro da cama, e encostou-se às grades da porta
que, entretanto, se fechara, fazendo uma cara de sofrimento.
Fechou os olhos para aliviar a dor, e na
vã esperança de que quando os abrisse aquele cenário tivesse desaparecido e
estivesse em casa, confortavelmente sentada na sua sala.
- Magoaste-te? – Ouviu uma voz suave
perguntar em francês.
Abriu os olhos a custo e viu 3 rostos a
olharem para ela. Eram três mulheres muito diferentes entre si. Uma teria cerca
de 50 anos, era forte e envergava um hijab amarelo, desbotado, mas sem véu,
deixando ver uma cara queimada pelo sol, estranhamente com poucas rugas, onde
uns olhos castanhos curiosos, habituados a falar o que muitas vezes os lábios
calavam, lhe perguntavam como se sentia e o que fez para ali ir parar.
Rodando a cara para a esquerda viu uma
mulher aproximadamente da sua idade, com umas calças de tecido de um verde
caqui que condizia com uma t-shirt de meia manga também verde, mas um verde
mais claro. Tapavam o corpo esguio de uma rapariga do norte da europa a julgar
pelos olhos claros e cabelos loiros presos num rabo de cavalo. Teria sido ela
quem perguntou se estava bem?
O terceiro rosto que a fitava, era o de
uma outra mulher, cujos olhos eram negros da cor do carvão e escondiam
juntamente com as vestes, orientais, a idade e o corpo. Tinha um olhar frio.
Zangado. De desprezo até…
- Olá… - Respondeu timidamente. - Sou a Matilda… - Tentou sorrir.
- Sou a Jaqueline. – Retribui-lhe o
sorriso a rapariga de calças verdes. – Mas podes tratar-me por Jacques.
As outras continuavam caladas. A
observá-la…
- Então é a tua primeira vez? –
Continuou a Jaqueline.
- Como?
- Numa prisão. Vê-se que és novata. Não
te assustes, ao fim de alguns meses, sentes-te em casa, não é meninas? – Riu-se
para as outras que lhe retribuíram o riso com algumas palavras que Matilda não percebeu.
- Meses?!
Comentários
Enviar um comentário