Matilda 4
- Ou o
quê? – Matilda sentiu aquela fúria nortenha a subir-lhe corpo acima, e
levantou-se encarando-o.
- Ou…
- Não teve tempo de acabar a frase. O homem a quem ele tinha dado a ordem,
regressou à sala com a mala da Matilda.
-
Mas…O que é isso? O que é que a minha mala está aqui a fazer?! – Matilda estava
a começar a ficar realmente assustada. Todos os filmes policiais a que tinha
assistido no conforto da sua sala, regressavam agora em catadupa ao seu
cérebro, sobrepondo imagens, nenhuma delas reconfortante.
O segurança,
ajustou o cinto, e sorridente foi até a um armário que estava no fundo da sala.
-
Responda-me! O que está aqui a minha mala a fazer? Porque é que me tem aqui
detida? Porque é que não posso falar com o meu advogado. Com os meus colegas? –
Falava em inglês, a sua segunda língua e a qual tinha quase a certeza que ele
compreendia.
Matilda
ia debitando pergunta atrás de pergunta sem que obtivesse qualquer tipo de
resposta. Olhava quer para um quer para o outro, mas os únicos sinais que
recebia eram de desdém. Desdém e gozo. Puro gozo.
Assustada,
correu para a porta, tentando inutilmente escapar. Foi barrada pelo
funcionário, que deitando a mão ao seu rabo-de-cavalo, a puxou para trás.
Desamparada,
Matilda caiu no chão, batendo com o coxis com toda a força na pedra do mosaico.
Ficou
sem se conseguir mexer durante algum tempo, tempo que o segurança. aproveitou
para montar uma camara de vídeo numa mesa onde tinha sido colocada a mala da Matilda.
Findo
o trabalho, ajudou-a a levantar-se e indicou-lhe que se sentasse. Matilda
obediente e cheia de medo, obedeceu, mas quando se tentou sentar, sentiu uma
dor aguda a penetrar-lhe nos rins e gritando de dor, disse não conseguir
sentar-se.
O
homem, encolheu os ombros num sinal de não querer saber e ligou a camara,
dizendo num inglês quase perfeito.
- Ao dia 10 do mês de Julho, a
Sra. Matilda Pereira, portuguesa, encontra-se detida por suspeita de roubo,
indo ser feita a verificação da sua bagagem, quer de mão quer de porão. Foi-lhe
oferecida uma cadeira, mas a passageira decidiu ficar de pé.
-
Roubo?! – Gritou indignada. – Eu não roubei coisa nenhuma!
Splash!
Outro estalo.
- Tu
estás caladinha, só falas quando eu mandar. – Ameaçou-a. Dirigiu-se à camara e
apagou a gravação.
Depois,
ajustou a camara de modo, a focá-la e repetiu todo o processo. Desta vez ela
ficou calada. O corpo a tremer. De medo. De dor.
Terminando
o discurso que soava a decorado, perguntou-lhe:
-
Dá-me autorização que proceda à abertura e inspeção do seu conteúdo?
Sem
forças para responder, limitou-se a acenar afirmativamente. Com movimentos
encenados abriu a mala e começou a tirar a roupa, peça por peça. A tudo Matilda
assistia horrorizada. Estava quase a mala vazia quando se ouviu bater à porta.
-
Entre! – Gritou o segurança. em árabe.
O
funcionário do aeroporto, como que obedecendo a uma ordem, abriu a porta.
Fábio
e Paula estavam do outro lado. O alívio que Matilda sentiu ao vê-los foi tanto
que começou a chorar compulsivamente. Paula correu até ela, para a abraçar, mas
foi impedida pelo segurança.
- O
que se passa? – Quis saber Fábio. – Porque está a minha amiga retida?
- A
sua…amiga, está detida por suspeita de roubo.
-
Roubo?! – Paula repetiu a palavra de uma forma esganiçada ao mesmo tempo que
tentava contornar o funcionário para chegar junto a Paula.
-
Roubo?! – Secundou-a Fábio. – Como? O que é que ela roubou? Com que direito a
acusa sem provas? Vou denunciá-lo!
-
Acalme-se! – Vociferou o segurança. – Ninguém a está a acusar…formalmente.
Estamos a revistar a mala dela que foi considerada ter algo suspeito.
- Como
assim? Algo suspeito? – Era Matilda quem perguntava.
-
Quando passou na máquina.
- Que
máquina?
- Do
raio X!
A
vontade dele era a de responder torto, ou de não responder de todo, mas agora
estavam presentes 3 testemunhas e a camara estava ligada…
- Bem,
vou continuar a inspeção. – Declarou retornando à mesa onde estava a mala.
Tirou todas as peças para fora, e perante o jubilo dos 3 a mala estava vazia.
Então, quando todos respiravam de alívio, ele como se soubesse onde procurar,
tirou uma navalha do cinto, e fez um rasgão no forro da mala.
- O
que está a fazer?! – Gritou Matilda indignada.
Triunfante,
ele enfiou a mão dentro do forro e tirou de lá de dentro uma estatueta em ouro.
Era uma
espécie de candelabro que estava numa pequena vitrine, por cima da lareira, no restaurante
do hotel, e que era o ex-libris da casa, e o seu amuleto de sorte.
- O
que me têm a dizer disto? – Perguntou triunfante, exibindo na mão o objeto como
se fosse um prémio.
Ao ver
a peça, a mente deles recuou alguns dias atrás, quando o CEO da empresa
Tunisina que os contratara, ao jantar com eles no hotel, lhes chamou a atenção
para aquele objeto.
Segundo
ele, rezava a história, que o hotel tinha sido em tempos um albergue muito
pobre gerido por um aldeão viúvo com uma filha muito bonita, que ele trancava a
sete chaves.
A
beleza dela era conhecida por todos, embora fossem muito poucos aqueles que se
podiam gabar, com verdade, de a ter alguma vez visto.
Um
dia, um judeu recém-chegado à aldeia, um homem bom, com algum dinheiro, mas com
um aspeto que a natureza não favoreceu, ao ouvir falar da rapariga e da sua tão
grande beleza, quis lá ir vê-la.
Como
tinha sido avisado que o pai era ganancioso e interesseiro, resolveu disfarçar-se
de pedinte, e ir pedir albergue para assim conhecê-los na sua verdadeira
natureza.
O
estalajadeiro, ao vê-lo, e ao pensar que ele não tinha dinheiro, recusou-lhe a
dormida, e escorraçou-o.
Quando
mais tarde, foi dar comida aos animais, viu-o
parado na rua, a tremer com o frio da noite, e temendo as más línguas, e algum
azar causado por alguma praga que o homem lhe poderia rogar, ofereceu-lhe o
estábulo para pernoitar, com a condição de partir no dia seguinte, bem cedo
pela manhã.
O
homem aceitou, agradecido, e foi para o estábulo.
Como
estava com fome, teve dificuldade em adormecer, e na sequência disso, teve
também dificuldade de acordar cedo, conforme havia prometido.
Acordou-o
um grito de uma rapariga que ao vê-lo ali, se assustou e gritou.
Assustado
ele também, pediu-lhe que não fizesse barulho, pois tinha prometido ao dono do
albergue que aquela hora já ali não estaria, e não queria que ele soubesse que
tinha faltado à palavra.
Por
entre palavras e gestos, explicou-lhe que tinha vindo de muito longe, e cansado
e com fome, adormecera tarde e por isso não conseguira levantar-se cedo.
Com
pena dele, ela foi à cozinha buscar-lhe comida.
Agradecido,
ele comeu e insistiu retribuir a boa ação, limpando o local em vez dela.
Ela a princípio
recusou, mas perante a insistência dele, lá aceitou, e quando mais tarde, ela e
o pai foram ver o que ele tinha feito, ficaram surpresos com o trabalho dele.
Tão
agradavelmente surpresos que o pai o contratou como empregado, a troco de cama
e um prato de comida por dia, e com o passar do tempo, e a convivência, ele a
filha apaixonaram-se, e querendo casar um com o outro, foram falar com o pai.
Este
recusou de imediato. A sua filha estava guardada para um partido melhor, até
porque o albergue ia de mal a pior, e ele precisava de um genro rico.
O
homem que era rico, resolveu manter o segredo, até conquistar o pai pelo seu
valor e não pelo seu dinheiro, o que veio a acontecer, quando um dia, o pai, ao
trabalhar na horta, foi mordido por um escorpião.
Assustado
e com dor, gritou e atirou-se para o chão gemendo e agarrado ao pé. Ao ouvir a
gritaria, judeu aproximou-se e de imediato aplicou-lhe um tratamento que ele
conhecia e lhe salvou a vida.
Agradecido,
ele ofereceu-lhe o que ele quisesse como recompensa.
O judeu,
aproveitou e pediu-lhe a mão da filha, mas ele mais uma vez recusou.
Tudo
menos isso.
Triste
e desiludido, o judeu foi-se embora, para a aldeia vizinha
A filha, com o desgosto de amor, trancou-se no
quarto e não tornou a sair, até ao dia do funeral do pai, que dizem ter morrido
um mês depois com uma picada de escorpião no outro pé.
Castigo,
diziam uns
Praga do Judeu, diziam outros.
Ao
saber da notícia, o judeu veio ao funeral e ao reencontra-se com a jovem, o
amor entre ambos reavivou-se e resolveram casar-se.
No dia
do casamento, e já em casa a sós, ele ofereceu-lhe o candelabro, que era uma
peça da família, uma espécie de amuleto e que ele acreditava trazer sorte às
suas vidas.
E
assim foi, tiveram sucesso na estalagem, tiveram muitos filhos, e netos e
bisnetos e trisnetos que mantiveram e transformaram a estalagem no hotel que
era hoje.
Ao
longo de todos os anos e gerações, o amuleto sempre esteve na casa para lembrar
a todos que não se deve julgar as pessoas pelo aspeto, nem ser-se ganancioso.
Ao
verem a peça, olharam para Matilda sentiu um baque no peito e um suor frio a
escorrer-lhe pelo corpo.
- Isso não é meu! – Foi só o que conseguiu dizer.
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