Simão 13



Os dias foram passando, a vida voltou a entrar na rotina e nem Simão, nem Rosária se voltaram a falar.
Simão, ao fim de alguns dias, lá foi convencido a ir falar com a diretora do lar, para justificar a sua ausência e o seu comportamento, e dando-lhe a desculpa de que precisava de ir para a terra para cuidar da avó, já que a mãe tivera de retornar ao trabalho. Despediu-se com a promessa de voltar no fim das férias, mas dessa vez em regime de part-time, pois queria retomar os estudos.
Com a bênção da diretora, foi-se despedir do Sr. José que, entretanto, recuperara do problema que tivera.
- Posso entrar? – Assomou a cabeça à porta do quarto rezando para que ela não estivesse lá.
- Simão? Entra. Senta-te ali na cadeira.
Simão percebeu a indireta. Achou justo e sem refilar obedeceu, não sem antes se dirigir à cama para lhe dar um aperto de mão.
- Então? – Perguntou o Sr. José. – A que se deve esta visita?
Estava zangado. Achava que não merecia o desprezo que ele lhe dera.
- Eu sei que está zangado. E percebo-o. Mas tente compreender. – Simão voltara a sentir vontade de falar. Era incrível o “poder” que aquele homem tinha sobre ele.
- Compreender o quê? – Ele não estava disposto a facilitar-lhe a vida.
Simão suspirou e olhou para os sapatos.
- Os teus sapatos são melhores conselheiros do que eu? – Espicaçou-o.
- Não. – Continuava a olhar para baixo. – É que é difícil de falar…
- É difícil de falar? – A voz de trovão fez-se ouvir, e Simão quase se encolheu.
- Então, eu ajudo-te. Que tal olhares para mim, como um homenzinho e começares por dizer porque raio estiveste 3 semanas ausente, sem dares cavaco a ninguém? Estavas a sofrer? Acredito, mas por um só momento pensaste em quem ficou? Se algum de nós sofreria com a tua ausência?
Simão corou e engoliu em seco. Não teve coragem de o olhar nos olhos.
- Olha para mim, já te disse. Os homens falam olhos nos olhos. Essa atitude é para cobardes.
Ao ouvir isto Simão levantou-se e aproximou-se da cama dele.
- O que é que sabe da minha vida para me chamar cobarde? – Gritou.
- É muito fácil julgar as pessoas aí sentado “no trono”, do alto dos seus galões. Mas alguma vez me perguntou porque é que vim aqui parar? Alguma vez me perguntou porque é que eu reajo tão mal quando dizem que os desiludo? Alguma vez perguntou como me senti quando fui abandonado pelo meu pai? Alguma vez me perguntou como me sentia ao aperceber-me que estou apaixonado por uma mulher mais velha? Alguma vez?!
O silêncio instalou-se. Simão virou as costas e foi-se sentar. Desta vez no cadeirão. Ele merecia-o. Sentia-se no direito.
Entretanto ao ouvir os gritos, o enfermeiro António veio ver o que se passava.
- Está tudo bem? – Perguntou ao Sr. José.
- Está tudo muito bem. – Respondeu ele com uma voz muito mansa.
Depois, virando para Simão admoestou-o.
- Ouve lá. Tu desapareces, não dás cavaco a ninguém e quando voltas é para causares gritarias? O que se passa contigo?
- Está tudo bem. Já disse. – O Sr. José veio em defesa do Simão. – Foi só um desabafo mais alto. Não se preocupe.
O enfermeiro António não ficou muito convencido, mas por respeito a quem era, olhou Simão de alto a baixo, avisando-o com o olhar para que se comportasse e saiu dizendo:
- Estou aqui ao lado, caso necessite.
Depois dele sair, o Sr. José sorriu. Agora sim. Agora ele tinha começado a deitar cá para fora o que o magoava. Mostrara as suas feridas e ele sabia como curá-las. Afinal na tropa aprende-se de tudo.
Falaram, falaram, discutiram, riram, zangaram-se, voltaram a rir-se e no fim, Simão agradeceu-lhe.
- Obrigado por tudo, mas tenho mesmo de ir.
- Acho que fazes mal.
- Mas não percebe, eu sou só um puto ao olhos dela.
- Será?
- Claro que sim. E se agora já não consigo olhá-la de frente, quanto mais se lhe confessasse o que sinto,
- Então vais carregar mais uma pedra.
- Como assim?
- Já tens a pedra do teu pai.
- Mas aí eu não tenho a culpa! – Simão começou a irritar-se.
- Calma, eu sei que não. Mas pensa comigo. Ou aceitas o facto de o teu pai ter feito uma escolha, para ti errada, e para mim também. – Apressou-se a dizer ao ver o olhar dele de ira. – Mas foi a escolha dele, e como dizes e bem, a culpa não foi tua, pelo que já chega o que sofreste com ela. Agora é tempo de aceitares e de seguires em frente, sem essa pedra que te impede de andar e correr e saltar, como devias com a idade que tens.
- Sim, eu percebo. Tenho pensado muito nisso desde que vim para aqui. A Rosária, a enfermeira Rosária, – Emendou – Já me tinha feito ver o mesmo.
- Ora aí está! – Abriu os braços num sinal de confirmação de que o que dizia tinha sentido.
Ele sorriu como resposta.
- Então, se estás quase a ver-te livre dessa pedra. Porque é que queres arranjar outra? Não te percebo.
- Não percebe? – Estava quase a chamar-lhe de burro, mas a boa educação, o carinho e o respeito que tinha por ele calaram-no.
- Não. – Disse muito calmamente. – Tens menos …10 anos? O que é isso daqui a 20 ou 30? Achas que isso realmente importa no amor? Eu tinha mais 15 anos do que a minha esposa, e olha que fomos muito felizes.
- Isso é diferente. – Retrucou Simão.
- É diferente porquê?
- Porque você era o homem. O mais velho! – Começava a exasperar-se. Ele não entendia?
- Posso? Já tem fome para o lanche? Hoje sou eu que lho trago… - Rosária entrou sem bater.





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