Simão 12
Ninguém
fazia Simão sair daquela letargia. Nem a mãe, nem os colegas do lar que
ligavam, nem os amigos, a quem a mãe em desespero recorrera, ninguém.
Parecia
que ele tinha desistido de algo, mas do quê ninguém sabia.
Rosária,
já tinha tentado também, mas ele continuava sem lhe responder e ela cada vez
mais se convencia de que o que quer que se tivesse passado, tinha algo a ver
com ela. E isso incomodava-a. Não a deixava dormir, e não lhe abandonava o
pensamento. Como uma melga, que vai e volta, vai e volta sempre a zurzir ao
ouvido.
Estava
um dia a tratar do sr. José, quando este lhe perguntou pelo Simão.
-
Não sei. – Respondeu. – Aconteceu alguma coisa, isso é certo, mas o quê ninguém
sabe.
-
Pois. Isso aconteceu com certeza. O miúdo é um bom rapaz. Não iria desaparecer
assim sem mais nem menos. – O Sr. José tinha-se levantado e tinha ido buscar o
seu famoso album de fotos do tempo da guerra.
-
O que está a fazer? – Perguntou-lhe ela, enquanto guardava o aparelho da
glicémia.
-
Sente-se aqui. – Pediu-lhe ele sentando-se na cadeira ao lado do cadeirão.
Rosária,
virou-se e riu-se:
-
Aí? No cadeirão? Uau! Mas o que é que eu fiz para merecer tal honra? – Brincou.
O
sr. José ignorou a provocação. Abriu o album, procurou nalgumas páginas e
finalmente encontrou aquilo que queria.
-
Aqui está! – Disse apontando para uma foto. A mesma que tinha mostrado ao
Simão.
-
Vê este rapaz? Está sorridente, não está?
Rosária
acenou que sim, sem perceber onde ele queria chegar.
-
Este rapaz, tinha acabado de receber a notícia de que a moça por quem ele
estava apaixonado, também gostava dele, e ao fim de muitos problemas lá
conseguira a autorização do pai para casar.
-
E? – Rosária continuava sem perceber onde ele queria chegar.
-
E – Continuou ele. – E, depois desse dia ele só pensava em voltar para casa.
Sabe, ele tinha um defeito de saúde, não me lembro já o qual, que lhe impedia
de ir para a guerra, mas ele estava tão desgostoso porque pensava que não era
correspondido no amor, que subornou o oficial para ir para o mato, esperando
morrer por lá.
-
Que triste. – Comentou ela. – E depois? Conseguiu retornar?
-
Não, mas o que lhe quero dizer é que este rapaz e a sua amada, tinham 15 anos
de diferença. 15! E ele era o mais novo, o que naquela época chocava muita
gente. Mas ele tinha um coração de leão, leal e corajoso, e no augue da sua
paixão, um dia esperou-a depois da missa e confessou-lhe o seu amor.
-
E depois? Conte, conte. – Rosária estava interessada e tirou-lhe a foto das
mãos para a ver melhor. – Tem mais ou menos a idade do Simão, não tem?
-
Era mais velho, mas tinha um ar de miúdo…Então, ela, por causa do pai que a
controlava, não foi capaz de lhe dizer o quanto gostava dele também, e fugiu
com medo de que alguém os visse e fosse contar ao pai. O meu amigo, João, era o
nome dele, percebeu mal e pensando que ela não gostava dele, por causa do
defeito que tinha e por causa da diferença de idades, foi a correr ter com o
tal oficial conhecido e alistou-se.
-
Havia de o ver na guerra. Era o mais corajoso de todos nós. Não tinha medo de
morrer e muitas vezes salvou-nos a pele.
-
Mas e então? Conseguiu ficar com ela ou não? – Rosária não parava de olhar para
a foto. Fazia-lhe lembrar tanto o Simão.
-
Não. Matou-se depois de tirar essa foto.
-
Hã? Matou-se?
O
sr. José lá lhe contou a mesma história que tinha contado ao Simão.
-
Oooh! – Os olhos dela marejavam. – Que história triste, sr. José. Porque me a
contou?
-
Porque às vezes os mal-entendidos, quando não são resolvidos levam a situações
trágicas como esta. E acho que entre si e o Simão há um grande mal-entendido…
Rosária
levantou-se e foi até à janela. De costas para ele, falou:
-
Como é que sabe?
-
Há muito que não posso fazer mais nada do que observar as pessoas. E tenho-vos
visto, e tenho falado com ele.
-
Ele disse-lhe alguma coisa? – Perguntou ansiosa.
-
Diretamente não. Mas sei que se passou alguma coisa naquela noite que o fez
sentir-se inseguro em relação a si…O que foi, só a Rosária pode dizer…
-
Mas não se passou nada. – Respondeu ela muito depressa. – E, sem pensar
acrescentou:
-
Não houve tempo…
Comentários
Enviar um comentário