Simão 10


- Qual é o teu problema? – Perguntou-lhe o Sr. José.
- O meu problema? O meu problema é que não sei o que isto é…
- E? – Ele estava visivelmente divertido.
- E? E agora como é que eu vou olhar para ela?
Simão andava de um lado para o outro, entre a porta e a janela, falando e gesticulando.
- Podes parar de andar? Já estou a ficar tonto, só de olhar para ti. O meu pescoço estala a cada volta que dás. Já não sou novo, sabes?
Simão suspirou e parou. Aproximou-se da cama, colocou as mãos nos “pés” dela, e desafiando-o, tornou a perguntar:
- Como é que eu olho para ela? Diz-me?
- Fácil. Olhas para ela com os olhos…
- Mau. O AVC sempre deixou sequelas… - Resmungou.
- Ouve. Não penses tanto. Estás nervoso, dormiste mal, foi o teu primeiro encontro…
- Ná! Não foi encontro nenhum! – Interrompeu-o.
- Pronto. Chama-lhe o que quiseres, bebeste e não está habituado, vais ver que daqui a uns dias verás tudo diferente.
- Sim, e se não vir?
- Se não vires, logo se vê… - Riu-se do trocadilho das piadas.
- Simão! Já aqui? – O enfermeiro António entrou no quarto.
- É, nem dormiu preocupado comigo.
- A sério? Não foi o único ao que parece…
- Ai sim? Quem mais gosta tanto de mim? – Brincou o Sr. José ao mesmo tempo que estendia o braço para que o enfermeiro lhe medisse a tensão.
- 13- 7! Hein? Isto é que é. Uma “tensão de livro”.
- Vês? – O sr. José, virou-se para Simão.
Simão acenou afirmativamente.
- A enfermeira Rosária? – Perguntou o Sr. José ao enfermeiro António.
- Está a descansar. Foi ela quem ficou a noite toda a velá-lo. Sabe que para ela é como o pai que ela não teve…
- Sei sim. E gosto tanto dela como da minha filha, apesar de tudo…
- Pois…
Simão não estava a perceber bem o que se passava. Não sabia os antecedentes destas observações e parecia-lhe tudo muito estranho.
- Onde é que ela está? – Perguntou finalmente.
- Está em casa, acho eu. Saiu à cerca de 20 minutos…
Simão despediu-se dos dois e foi até ao parque da cidade. Há uns anos a camara municipal tinha colonizado o parque com esquilos vermelhos e ele achava-os muito engraçados.
Quando se sentia mais perturbado, ia até lá e observava-os a irem ter com as pessoas para pedirem comida e a fugirem assim que a tinham ao mesmo tempo que algumas os tentavam caçar.
Ele próprio tentava de vez em quando, mas sempre sem nenhum resultado. Sentou-se num banco do jardim. Os pés no assento e o rabo nas costas. Depressa 3 esquilos vieram ter com ele, mas como não encontraram comida, depressa fugiram.
Ficou assim um bom bocado, a jogar ao “gato e ao rato” com os esquilos, de cabeça vazia, até que passou um casal de namorados à sua frente. Lembrou-se logo dela.
- Não sejas parvo. Ela é mais velha do que tu uns bons anos. Ia-se rir na tua cara se lhe dissesses o que sentes.
- E o que é que eu sinto? – Dialogava consigo próprio.
- Não sei. Diz-me tu.
- Aí é que está, eu também não sei. Só sei que gosto de estar ao pé dela. Gosto do riso dela. Sinto-me seguro. Gosto quando ela me escuta. Gosto do facto de ela não me julgar. Gosto do cheiro dela…
- Isso cheira-me a amor…
- Estás parvo?! Já te disse que ela é bem mais velha do que eu. E além disso até ontem não tinha dado conta de nada disso. Foi do vinho. Só pode ter sido.
- Então relaxa e vai à tua vida.
- É. Tens razão. Vou voltar para o lar. Já devem ter dado pela minha falta.

Rosária, chegou a casa tão cansada, que mal poisou a mala e as chaves e se descalçou, foi direita ao quarto e mesmo vestida, atirou-se para cima da cama e “aterrou”.
Dormiu umas longas horas, um sono tranquilo e reparador. Acordou com o som do telemóvel.
Era do lar. A sua colega não sabia que tinha passado a noite em branco e estranhando a sua ausência resolveu telefonar.
- Estou? – Perguntou aflita. – Passou-se algo com o Sr. José? – Perguntou receosa.
- Com o Sr. José? Não! Só estou a estranhares não vires. Está doente? Passa-se alguma coisa?
- Não, não. Depois explico-te. Vou já para aí. Até já.
Desligou o telefone, e foi tomar um duche ultrarrápido. Trocou de roupa, pegou numa banana e correu para o autocarro. Felizmente vinha um a chegar.
Depois de comer a banana deu-se conta de quanta fome tinha. Não jantara, nem comera mais nada desde essa altura. O seu estômago parecia um leão a rugir.
Chegou ao lar ao mesmo tempo que o Simão. Pareciam ter combinado.  Encontraram-se na ladeira que dava acesso à escadaria.
- Bom dia! – Sorriu-lhe lhe Rosária.
- Boas! – Respondeu-lhe corando e baixando o rosto.
- Estás bem? – Perguntou-lhe ela ao notá-lo.
- Sim, sim…Descansaste? – Mudou de assunto.
Ela percebeu, mas resolveu não insistir. Ela também se tinha sentido estranha. Não sabia identificar bem o que sentira. Também ela atribuiu o sucedido ao vinho. Afinal de contas ele não passava de um miúdo.
Caminharam o resto do percurso a falar de banalidades. Estavam os dois a forçar o diálogo e ambos o sabiam, mas sentiam-se mais confortáveis assim.
Chegados ao interior, Rosária foi ter com o Sr. José e Simão foi até à sala das enfermeiras para ver o trabalho que lhe estava destinado.
- Boa tarde sr. José. Como se sente hoje? – Rosária entrou no quarto ainda sem se fardar.
- Olá bons olhos a vejam. Fica muito bonita com esse vestido! – Elogiou-a o sr. José bem-disposto.
- Ora. Obrigada. – Sorriu Rosária.
- Já o mostrou ao Simão? Acho que ele iria gostar …








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