Simão 11


- Olha, olha. Parece que afinal ficou com sequelas. Que conversa é essa?
- Mau! Mas vocês param de dizer que estou maluco? – Resmungou.
- Então pare de se comportar como tal. – Rosária falava enquanto, lia o relatório pendurado aos pés da cama.
- Como passou a manhã?
Rosária foi buscar o aparelho de medir a tensão.
- Estique para cá esse braço, ande…
- Passei muito bem. Tive uma conversa interessante com o Simão. Aiii. Não me estrangule o braço!!
Embaraçada, aliviou de imediato a pressão.
- Desculpe. Ainda não estou em mim do susto.
Ele olhava-a avaliando-a. Percebera que ficara atrapalhada, mas resolveu não insistir. Nhurra como era, ainda lhe enfiava o termómetro na boca para o calar.
Falou antes sobre banalidades, a cabeça começava a doer-lhe, mas não queria que ela desse por isso, e pensou que esta era a melhor maneira de o fazer. Mas, o avc, ainda que ligeiro, começava a notar-se e sem dar por isso começou a entaramelar a língua. Rosária ficou alerta de imediato. Avaliou-lhe novamente os sinais vitais. Estavam bem.
- Talvez seja só cansaço. – Pensou.
-  Agora vai descansar. Não quero mais conversas com o Simão, nem com mais ninguém. Estamos entendidos, Sr. José?!
Não respondeu. Amuou como um miúdo, assustado com o que estava a sentir.
- E não faça essa cara feia que eu não tenho medo… - Aproximou-se e deu-lhe um beijinho na testa.
Saiu da sala, deixando-o a dormitar e foi à procura do Simão. Encontrou-o no jardim, no mesmo sítio onde tinham falado sobre a rapariga…
- Olá!
- Oi, olá!
- Vim agora do sr. José. Disse-me que estiveram a manhã a falar.
A intenção dela era a de o alertar para o estado débil do Sr. José e para a necessidade de não o cansar, nem puxar muito por ele, mas a vermelhidão no rosto de Simão, fê-la calar-se e ficar à espera…
- Hum. Pois. E ele disse-te o que falámos? É por isso que vens falar comigo?
Não respondeu.
- Deves achar que sou estúpido!!! – Levantou-se e começou a andar de um lado para o outro.
- Porquê? Que conversa é essa?
- Esquece! – Respondeu sem olhar para ela e saiu dali a correr.
- Simão! – Gritou sem que ele a ouvisse.
Deixou-se ficar um bom bocado ali sentada. Ontem e hoje tinham sido dias muito intensos. Uma verdadeira roda viva de emoções, inclusive…
Não. Não se podia permitir a pensar sequer naquilo. Estaria a ficar doida? Só podia ser sinais de carência. E cansaço. Claro! Era isso! Cansaço.
Há quanto tempo não tirava férias? Há mais de dois anos…Tirava apenas um dia ou outro para fazer uma limpeza mais profunda na casa e fazer algumas compras, mas fora isso…
Bom. Estava decidido. Esperaria que o sr. José recuperasse totalmente e iria de férias. Para longe. Bem longe…
Passaram-se dois dias sem que Simão desse noticias de si. Não aparecia, nem dizia nada.
A princípio pensaram que estivesse doente, indisposto, mas ao fim dos dois dias começaram os comentários maldosos.
Era mais um que não tinha aguentado a responsabilidade. Não percebiam porque é que continuavam a mandá-los para ali. Era pior para todos. Os doentes afeiçoavam-se a eles, o pessoal também e depois, de um dia para o outro deixavam de aparecer, sem darem justificações, ou darem alguma esfarrapada. Era sempre assim. Este até tinha aguentado mais tempo. 5 meses, não era?
Rosária irritou-se com os mexericos. Chegou a casa e ligou para ele. Não atendeu. Tinha o telemóvel desligado. Ligou para o lar, e pediu à colega da secretaria que lhe desse o número de casa dele.
Atendeu-lhe a mãe.
Uma senhora, muito simpática e ansiosa, a avaliar pela voz. Estava muito preocupada porque há dois dias que ele não saia de casa, vegetando entre a cama e o sofá. Calado. Raiando a má educação até, quando ela lhe perguntava o que se tinha passado. Só saíra agora porque o obrigara a ir à mercearia.
- Já agora. Se me permite, pergunto-lhe: Sabe o que passou? Fez alguma asneira? Foi mal-educado, incorreto de alguma forma? Incompatibilizou-se com alguém?
A tudo Rosária respondeu que não, e desligou agradecendo, pedindo-lhe que lhe dissesse que ela tinha ligado.
Depois de ter desligado, as palavras da mãe dele ecoavam-lhe na cabeça…
- Tinha-se incompatibilizado com alguém?

Seria ela a responsável? Lembrou-se da última vez que falaram e do modo como ele saíra a correr…


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