Simão 2



- Um lar? Uma porcaria de um lar?! - Simão refilava com a mãe, enquanto preparava a mesa para o jantar.
- Olha o tom e as palavras - A mãe advertiu-o enquanto tirava o assado do forno. 
Ele acabava de pôr a mesa contrariado com o seu destino.
- Não havia mais nada? - Continuou a resmungar fazendo " ouvidos moucos" às palavras da mãe.
- Põe os guardanapos. – Disse-lhe ela respirando fundo. O jantar naquele dia não iria ser fácil…
Ele resmoneou qualquer coisa que ela não percebeu ao mesmo tempo que colocava os guardanapos e ajeitava os talheres. A mãe sorriu. Desde pequenino que ele gostava de ver as coisas organizadas, direitas. Pousou o assado na mesa, e descalçando as luvas continuou:
- Assim, sais das ruas e pode ser que te emendes!
Sentaram-se. Simão, com cara “fechada” pegou na faca grande e trinchou o rolo de carne. Antes era o pai quem o fazia.
- Vá lá filho. - Disse-lhe a mãe ternurenta enquanto lhe estendia o prato com arroz e salada. - Eu sei que queres mais do que isto para a tua vida.
Simão poisou a faca lentamente e com uma voz fria exclamou encerrando o assunto:
- Não te atrevas a dizer-me para "não te desiludir". Aviso-te já que vai correr mal!
A mãe calou-se. Sentiu a "tempestade" a aproximar-se. Não valia a pena falar mais. Outro dia, com calma, voltariam ao assunto.
O resto do jantar foi feito em silêncio e em silêncio arrumaram a cozinha. Depois cada um foi para o seu quarto. Não havia “clima” para mais…
A segunda feira chegou e Simão levantou-se de mau humor.
Tomou o seu banho, arranjou-se, e foi à cozinha preparar os pequenos almoços. Ouviu a mãe a sair do duche e sentou-se à espera dela.
Aquela era uma rotina que os dois faziam questão em manter. Quem se levantasse primeiro preparava o pequeno almoço do outro e esperava por ele.
Fazia-os sentirem-se família. Seguros.
- Bom dia. Hoje madrugaste! - A mãe aproximou-se dele e beijou-o na cabeça.
- Tem de ser né?  - Simão tinha alguns defeitos, mas era pontual e responsável, e queria chegar a horas ao lar.
- Então como te sentes? - A mãe tirou uma torrada do prato e barrou-a com doce de morango feito por ela. Desde que ficara sozinha dedicara-se à doçaria o que lhe presenteou alguns quilinhos extra. Embora não fosse gorda, era roliça.
- Mal. - Respondeu ele aceitando a torrada. Adorava os doces da mãe, mas não lhe dava o prazer de lho dizer.
- Então estás doente? - Provocou-o.
- Estou. E é da alma. - Resmungou com a boca cheia de torrada.
- Simão! A sério? Tens 17 anos e ainda não aprendeste que não se fala com comida na boca!?
Ele encolheu os ombros. Se ela estava para picar, ele não ia responder. Não lhe ia dar esse gostinho.
Bebeu o leite quase de um só trago e saiu, despedindo-se com um beijo atirado da porta.
Foi até à casa de banho, lavou os dentes e saiu de casa surdo aos protestos da mãe sobre a loiça por arrumar e a companhia que não fizera.
Hoje não era decididamente um bom dia.
Já na rua, dirigiu-se para o lar com um passo apressado e de cabeça baixa, não por vergonha, mas porque não lhe apetecia ver nenhum dos seus amigos que em vez de irem para a escola andavam por ali a fazer disparates, ou simplesmente “à toa”.
A sorte sorriu-lhe. Não encontrou nenhum.
Chegado ao lar, parou um pouco e pôs-se a olhar para o edifício.

BALNEÁRIOS PÚBLICOS
Lia-se numa placa de pedra por cima de umas grandes portas envidraçadas que sobranceavam uma escadaria em mármore. Era um edifício majestoso com um aspeto que fazia lembrar um templo romano. O telhado em triângulo, duas colunas que seguravam um telheiro que abraçava toda a frontaria, e duas janelas simétricas a ladear as portas. Não se viam mais janelas.
- Estranho. Tem tão poucas janelas - Observou. - Mas por onde é que os velhos entram? - Foi o seu pensamento depois do deslumbre.
- Ah! Está ali uma rampa. – Viu uma rampa lateral às escadas que uma das colunas escondia. - Como é que serão as coisas lá dentro? De certeza que vai estar cheio e velhos a babarem-se e velhas em camisa e dormir, desgrenhadas e a gritar por tudo e por nada… - Pensou sentindo-se um infeliz com a sorte que lhe calhara.
Desanimou-se, e esteve mesmo a voltar para trás, mas a voz do pai a dizer-lhe “não me desiludas” soou forte nos seus ouvidos e ele endireitou-se, meteu o peito para fora e entrou.
Depois das portas estendia-se um corredor iluminado por uma claraboia.  Tinha uns bancos de pedra encostados às paredes, corridos, sendo apenas interrompidos por portas modernas que contrastavam com a antiguidade do edifício.
Ao fundo abria-se um átrio quadrado com algumas árvores ladeadas por arbustos bem tratados. Não se via ninguém. E o silêncio fazia “barulho”.
- Isto não parece nada mal. – Foi o seu primeiro pensamento.
Avançou uns passos, timidamente ao mesmo tempo que lia as placas nas portas.
- Enfermaria
- Rouparia
- Sala de visitas
 - Secretaria.
Parou em frente a esta.
- Deve ser aqui. - Pensou.
Enchendo-se de coragem, respirou fundo e bateu à porta.
- Sim? - Uma voz feminina respondeu do outro lado.
Como não sabia bem o que dizer, ficou parado à porta. À espera. Calado.
- Sim? - Tornou a voz. - Entre.

Agora sim. Era a dica para ele entrar.



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