Carolina - Fim
Gabriel não falou de imediato.
Ficou uns segundos calado, a olhar para
ela, a avaliá-la. Então de repente, como se empurrado por algo, chegou -se
para a frente e perguntou-lhe:
- Tens alguma coisa a ver com o
desaparecimento do tipo?
Rosa não era de mentiras. Tinha alguns
defeitos, mas esse não era um deles. Assim, com a maior calma, olhando-o nos
olhos respondeu-lhe:
- Não era o que querias? Que ele saísse
de circulação?
Gabriel abriu a boca e fechou-a sem
dizer nada. Como fazem os peixes quando querem respirar e não podem. Era até
cómico se não fosse a gravidade da situação. Depois, levou as mãos à cara e
esfregou-a, como se num passe de magia, saísse daquele lugar, daquela situação.
- Mas eu não te disse para o matares, porra!!!
- Matar? - Agora era Rosa quem não
percebia. - Mas quem é que está morto?
Nisto toca o telefone de Gabriel. Ele
olhou para o visor e viu que era Carolina.
- Tens de ficar para mais tarde- Pensou.
E desligou a chamada. Ou melhor dizendo, pensou que a desligou e ao mesmo tempo
que posava o telefone, virado de ecrã para baixo, na mesa, continuou o
interrogatório.
- Mas tu não o mataste?
Carolina ia a falar quando ouviu esta
frase. Sem perceber, afastou o telefone do ouvido e olhou para no visor para
confirmar que tinha ligado efetivamente para Gabriel e não para um outro número
qualquer. Era ele. Não havia dúvidas. Estava lá a sua cara e o seu nome.
-Mas que raio? - Disse em voz
baixa.
Ia a chamar por ele quando o ouviu
novamente.
- Fizeste-lhe o quê? És louca?
Um restolhar que Carolina não conseguiu
perceber.
- Sim, eu disse-te que não podia
competir com ele, mas não é assim que vou conquistar a Carolina!!!
- O quê? Conquistar quem? A mim? Ou será
que é outra?
Carolina tentava dar um sentido ao que
ouvia.
- Bom, bom. Deixava ver se entendo. –
Era a voz do Gabriel, um pouco mais alta e alterada. – Pediste aos teus amigos
que o raptassem e lhe dessem…uma ensaboadela para ele se afastar da Carolina? É
isso?
- Siiim! – Agora ouviu nitidamente a
mulher.
-Mas tu estás louca?! – Um barulho de
algo metálico a cair no chão. – Sabes que isso dá prisão? E que eu posso ser
preso contigo? Diz-me imediatamente onde ele está!
- TUUUUU. – A chamada tinha caído.
Carolina ficou a olhar para telefone
como se ali estivesse alguma resposta. Livrar-se de quem? Rapto? Onde é que Gabriel
se metera? Deveria ligar novamente? Era melhor não… Amanhã teria de ter uma
conversa muito séria com ele. Muito séria mesmo. Não estava a perceber o que
ouvira, mas algo lhe dizia que era coisa séria. E o seu nome estava envolvido.
Não estava a gostar nada da” brincadeira”. Ouvira falar em prisão?
Largou o telefone no sofá e foi para a
cozinha. Abriu o frigorifico que estava cheio de tupperwares com a comida que a
mãe lhe fizera e tirou um ao calhas.
Aqueceu-o no micro-ondas e comeu-o sem saber o que comia. Agia
mecanicamente. A sua cabeça estava na conversa que escutara. Acabou de comer,
meteu a loiça suja na máquina de lavar que começava a ficar cheia e foi-se
deitar. Estava aborrecida.
De repente parecia que tudo lhe corria
mal. O Filipe não lhe ligava, da editora não lhe diziam nada, no trabalho não
se concentrava, não conseguia escrever os seus contos, e agora isto!
- Mas que mal fiz eu a Deus?!- Perguntava-se.
Abriu as cobertas da cama, descalçou os
chinelos, deitou -se e tapou-se. Apagou a luz, e ficou à espera de que o
sono viesse.
Nada.
Nem um restolhar dos seus passos.
Deveria estar longe. Muito longe.
Virou-se de um lado para o outro,
esmurrou a almofada para a ajeitar melhor à sua cabeça e ...Nada!
Decididamente o sono não viria esta
noite.
Irritada, sentou-se na cama e acendeu a
luz do candeeiro da mesa de cabeceira. Escolheu um dos 5 livros que ali tinha
para ler e começou a folhear, folha atrás de folha, voltando constantemente
para trás, pois além do sono, a concentração era outra que não vinha.
Se calhar tinham ido sair juntos...
Esteve neste constante descontentamento,
uma boa meia-hora, até que o sono, talvez por pena dela, ou porque o encontro
com a concentração não lhe tivesse corrido de feição, resolveu aparecer e sem
que ela desse por isso embalou-a nos seus braços.
A noite ia pela madrugada, quando a
consciência, que não tem noção do tempo ou da inconveniência, resolver aparecer
e acordou-a num sobressalto.
- O Filipe! Raptaram o Filipe!! – Disse
para si sentada e desperta.
Sem pensar na inconveniência, e agitada
e desejosa de partilhar a conclusão a que chegara, pegou no telefone e ligou
para Gabriel. Deixou-o tocar algumas vezes até que do outro lado respondeu uma
voz ensonada.
- Estou?
- É o Filipe, não é? Diz-me onde está. –
Carolina falava firme e zangada.
- Hã? – Gabriel ainda não tinha acordado
bem. – Carolina?
- Sim sou eu. Anda diz-me onde está!
- Mas do que falas?
- Não te faças de sonso. Eu ouvi tudo. A
conversa com a tua amiguinha. Ou dizes-me onde ele está ou vou à polícia.
Agora Gabriel despertara.
- Mas…como?
- Não interessa Gabriel. Estou a falar
muito a sério. Onde está o Filipe?
- Está numa garagem, na rua Ibero. Mas
ele está bem. Amanhã vão libertá-lo
- Amanhã? Nem penses nisso. Tu e eu
vamos buscá-lo. Agora!
Carolina, já se estava a vestir e a
aprontar-se para sair de casa.
- Dentro de 15 minutos estou à tua
porta. Desce se faz favor. – E desligou sem lhe dar tempo de ripostar.
Durante todo o caminho, Carolina foi a
praguejar. Agora tudo fazia sentido. Os ataques de fúria do Gabriel, as
tentativas de a desmoralizar com os contos, eram ciúmes. Tudo ciúmes. Mas o
homem era parvo. Só podia ser. Onde é que já se vira fazer isto? Estavam no
faroeste ou quê? Só esperava que Filipe estivesse bem. Ai ele iria ouvir das
boas. Tão das boas. E ainda não sabia se iria à polícia ou não. Logo veria.
Quando chegou a casa de Gabriel, já este
estava cá em baixo, ao frio, encolhido e com um ar miserável.
Carolina encostou e ele abriu a porta e
sentou-se.
- Desculpa. – Começou por dizer.
- Nem uma só palavra! – Ameaçou-o
Carolina. – Não me digas nem uma só palavra. Só espero que para teu bem. Não
lhe tenha acontecido nada.
Fizeram o caminho num instante. A
garagem não era longe e aquela hora não se via vivalma na rua. Nem mesmo
naquele bairro onde eles jamais sonharam em entrar.
Carolina estacionou frente à garagem e
saíram os dois. Ainda sem falarem, um com o outro. Perante a porta Carolina
quebrou o silêncio.
- Tens a certeza de que é aqui?
- Sim. Foi o que ela me disse. –
Sussurrou.
- E agora como é que abrimos isto?
- Ela disse-me que a porta está
estragada. Só encosta. Ninguém aqui vem a não ser os amigos dela. Todos aqui
sabem que é território proibido entrar aqui.
- Sério? Parece coisa de amadores. –
reclamou ela.
- Queres ou não entrar?
Sem responder, Carolina abriu a porta
amaldiçoando o barulho que esta fazia ao ser aberta e rezando a todos os santos
que os tais “amigos” da outra não ouvissem. Parando um pouco para tentar
adaptar os olhos à escuridão, depressa viu um vulto encapuzado e sentado e
amarrado a uma cadeira. Parecia dormir…ou morto….
Aproximando-se devagar, sussurrou:
- Filipe? Filipe?
- Quem é? – Gritou ele assustado.
- Chiu! Chiu! Sou a Carolina. Vim
salvá-lo.
- Carolina? – Disse mais baixo, mas
ainda em voz alta.
- Chiu. Sim…
Carolina aproximava-se e tirou-lhe o
capuz da cabeça. Tinha um olho inchado e um corte no lábio, foi o que conseguiu
ver através do luar que espreitava por uma janela sem vidros.
- Ó Filipe, o que lhe fizeram?
Desculpe-me. É tudo culpa minha…
- Hã? Culpa sua?
- Despachem-se lá! – Gritou baixinho
Gabriel da porta onde tinha ficado de vigia.
Carolina olhou à volta a procurar algo
para cortar as cordas. Havia tanta tralha que não via nada.
- Não vejo aqui nada. – Disse aflita. –
Como é que eu lhe corto as cordas?
- Como é que veio?
- De carro.
- Não tem lá nenhuma navalha? –
Perguntou Filipe, logo se arrependendo, pois, era um carro de mulher, logo não
deveria ter isso.
- Não…Tens alguma navalha? – Perguntou
ao Gabriel.
- Não. Mas atrás de ti está uma caixa
que parece ser de ferramentas. Anda tu para aqui que eu vejo isso. Trocaram de
lugares e Gabriel foi inspecionar a caixa. Encontrou um alicate de corte e um
serrão. Trouxe os dois. Depressa começou o trabalho e ao serrar as cordas, sem querer,
serrou-lhe um pedaço do braço o que fez Filipe Gritar de dor.
- O que lhe fizeste? – Gritou Carolina,
esquecendo-se da necessidade do silêncio.
- Nada. – Responderam os dois ao mesmo
tempo que corriam para a porta.
Ao fundo da rua ouviam-se passos e
gritos. Eram os “amigos” que tinham acordado. Começaram a correr para o carro e
Carolina tropeçou e caiu quando ouviu o disparo de uma bala. Cheios de
adrenalina, ajudaram a Carolina a levantar-se e lá correram para o carro mesmo
a tempo de se desviarem de um segundo disparo. Arrancaram.
Gabriel à frente, Carolina e Filipe
atrás.
- Mas como é que isto tudo aconteceu? –
Perguntou Filipe, agarrado ao braço que sangrava.
Carolina, rasgou um pedaço da blusa e
com ele fez-lhe uma ligadura improvisada.
- Temos de ir a um hospital. - Disse.
- Não, não só quero ir para casa. –
Respondeu Filipe firmemente. – Não fica longe.
Durante o caminho, Carolina explicou-lhe
o que se passara, tendo Gabriel pedindo desculpas e implorou-lhe que não fosse
à polícia. Tudo fora um mal-entendido que não se voltaria a repetir. Tinha a
palavra de honra dele.
Filipe não respondeu. Estava atordoado
com tudo o que acontecera. Só queria para já chegar a casa. Minutos depois
estavam à porta dele. Saíram os três e pararam à porta do prédio de Filipe.
Gabriel estendeu-lhe a mão e mais uma
vez pedindo desculpas, despediu-se voltando para o carro.
- Ficas bem? – Perguntou-lhe Carolina
emocionada.
Ele olhou-a e sem responder, agarrou-a e
beijou-a. Longa e demoradamente. Como se o tempo não existisse e a vida fossem
só eles os dois ali. Naquele momento.
- Fico. – Respondeu depois. – Vens?
E Carolina foi.
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