Carolina 21
Sentia-se
inspirada, escrevia contos atrás de contos, desenrolava enredos, criava
suspense, espalhava o amor por todos os pontos e vírgulas. Nunca ela se sentirá
assim, leve, feliz, ansiosa e desprendida.
Os
colegas, como não podia deixar de ser, estranharam o facto, mas enquanto que Sofia
a apoiava e ria-se, e brincava com ela, já Gabriel andava mal-humorado e quase
a beirar o mal-educado.
-
O que tens? - Perguntou-lhe um dia Carolina meio a brincar meio a sério. -
Andas estranho...
-
Ai eu ando estranho? – Explodiu ele “do
nada” – A sua voz deixava transparecer uma raiva contida fruto do ciúme.
-
Não sou eu que deixo trabalhos a meio, porque tenho de ir às compras!
Carolina
ficou muda.
Não
estava nada à espera daquela reação.
Eles
sempre foram tão amigos, todos. Sempre se apoiaram uns aos outros e cobriram as
faltas uns dos outros sem nunca reclamarem fosse do que fosse...
Sem
saber o que responder, e com o espanto misturado com desilusão no rosto apenas
lhe respondeu:
-
Desculpa. Não torno a fazê-lo.
E
saiu da sala para que ele não a visse naquele estado.
Gabriel
ficou siderado. Com o coração partido.
-
Desculpa-me tu. Tenho-me comportado como uma besta. Tu não mereces isso. - Quis
dizer.
Mas
o seu orgulho falou mais forte e não disse nada.
Irritado,
deu um pontapé na mesa e atirou com os papéis para o chão.
-
Então o que aconteceu aqui?
Gabriela
tinha acabado de entrar e deu de caras com ele de cócoras a apanhar um monte de
papéis espalhados pela sala.
-
Hum, foi o vento. - Respondeu ele depressa, e com maus modos.
-
Hum...- Respondeu-lhe ela ao reparar nas janelas fechadas e ao constatar que
estava uma tarde amena.
-
Já fechei a janela. - Apressou-se ele a afirmar ao seguir o olhar dela.
Um
encolher de ombros e um levantar de mãos em sinal de rendição foi a resposta
dela. Não queria confusões.
Sentindo-se
a perder o controlo, e antes que explodisse novamente e arranjasse mais
problemas, Gabriel resolveu dar o dia por encerrado.
Desligou
o computador, armou as suas coisas e despediu-se com um “até amanhã” de uma Sofia
espantada.
-
Mas...Que bicho é que te mordeu? Saíres a esta hora! Onde vais?
-
Vou-me embora. Hoje não dou uma para a caixa. Tchau! – Respondeu já com a
cabeça fora do gabinete.
-
Tchau...- Retribuiu ela para o vazio...
Gabriel,
nunca usava transportes, ou melhor quase nunca. Era a favor da teoria que o
homem era um animal e como tal deveria usar as pernas para se deslocar.
Favorecia-lhe
o fato de morar numa grande cidade onde há de tudo por todo o lado e o fato de
trabalhar perto de casa.
Assim,
depois de sair da universidade, deambulou pelas ruas com a
cabeça a fervilhar, indo acabar num café perto
da sua casa, onde costumava
encontrar-se
com os amigos.
Entrou.
O
café aquela hora estava meio vazio o que lhe agradou, pois assim não teria de
falar e fingir que estava tudo bem. Iria beber uma cerveja e remoer aquilo que
o afligia.
Dirigiu-se
ao balcão, cumprimentou o dono e foi-se sentar numa mesa perto da janela à
espera da bebida.
-
Raios! – Pensou. – O homem parecia ser mesmo bom. Não tinha nenhuma chance
contra ele...Tinha de o afastar, mas como?
-
Um tostão pelos teus pensamentos! – Rosa afagou-lhe a cabeça, puxou de uma
cadeira e sentou-se.
-
Então, o que te traz tão “emburrado”? É o que fazes aqui a esta hora?
Antes
de responder, Gabriel olhou-a.
Rosa!
Que desperdício de mulher. Era uma rapariga bonita e de bom coração. Corajosa e
honesta, o que era de estranhar tendo em conta o meio em que foi criada.
Nasceu
e cresceu num bairro da lata, teve por colegas de brincadeira os que hoje eram
dos piores bandidos do lugar. Da própria família, havia muito que dizer, mas
Rosa saiu diferente.
Um
dia, fartou-se de tudo aquilo e saiu porta fora. Sem ter para onde ir, andou
pelas ruas dormindo aqui e ali, até que encontrou o vão de escada do prédio do
dono do café,
Comentários
Enviar um comentário