Carolina 22
Ela trazia bens,
alimentos e dinheiro, e todos eles limpos. Não eram roubados.
Assim quando ela naquele
dia apareceu, e foi ter a casa do “Mangas”, ninguém se espantou e houve alguns
até que se puseram à espreita, à espera que 10 minutos depois, o espetáculo
começasse.
Ela sairia a bater a
porta, a chamar-lhe nomes e a ameaçar denunciá-lo às “autoridades” - Como ela
dizia com a boca cheia- E ele a vir atrás de calções, chinelos e tronco nu, a
ameaçá-la que se voltasse a entrar no bairro a desfazia, entre outras coisas.
Todos as semanas o
espetáculo era o mesmo.
Havia até quem fizesse
apostas sobre os minutos que ela demoraria lá dentro…
No entanto, desta vez, passaram-
se os 10 minutos da praxe, 15, 20... E nada. Mais do que isso, não se via, nem
ouvia nada!!! Nem gritos, nem portas a bater nada...
- Será que ele a matou?
– Perguntavam-se uns aos outros.
- Ou ela a ele... –
Riam- se outros.
Estavam quase a escolher
uma equipa de intervenção quando a porta se abriu,
e ...saíram de lá os
dois sorridentes. Sem gritos, sem ameaças, e despediram-se com um aperto de
mão!!!
Os dias foram passando e
o entusiasmo de Carolina esmoreceu.
Nunca mais lhe
diziam nada, e como a Rita a aconselhava a ligar-lhes e Gabriela a esperar, ela
sentia-se indecisa, sem saber bem o que fazer. A sua timidez e orgulho herdado
da avó, diziam-lhe para esperar, a força da vida também herdada da avó e a
necessidade de provar que era capaz, à sua mãe, diziam-lhe para avançar e
telefonar.
Não sabia mesmo o que
fazer.
Como tal, não fazia
literalmente nada. Nem telefonava, nem escrevia.
As
coisas com Gabriel tinham-se resolvido. Ele não tinha pedido desculpa, mas
andava mais calmo e humilde. Quase voltara a ser o Gabriel de antes. Assim a
vida de Carolina corria numa modorra, morna e aborrecida e tenderia assim a
continuar, não fosse uma visita surpresa da mãe a sua casa.
Naquele
dia, Carolina tinha ficado até mais tarde na universidade, e estranhou quando
ao chegar a casa, ver por baixo da porta, luz acesa e o som de música a tocar.
-
Estranho. – Pensou. – Eu desliguei tudo antes de sair, tenho a certeza.
Movida
pela curiosidade, e sem pensar muito bem no que poderia ou não ser, meteu a
chave à porta e de imediato ouviu:
-
Toc, Toc, Toc. – Aquele som era inconfundível. Eram o som dos saltos altos da
mãe. O que estaria ela ali a fazer? Não era costume….
-
Olá! – Gritou-lhe ela da cozinha. – Tive de ir às compras. Tu não tens nada
nesta casa. Sinceramente não sei como vives. – Acusou num tom de crítica.
Carolina
suspirou e engoliu o impropério que lhe surgiu à ponta dos lábios. Em vez disso
disse:
-
Olá mãe. Também tenho saudades suas. Está bem? O que veio aqui fazer? –
Perguntou-lhe enquanto poisava as chaves no móvel de entrada e pendurava o
casaco e a mala no cabide atrás da porta.
-
Olha para isto! – Mostrou a dispensa a abarrotar de coisas que ela não
consumia. – Isto sim é uma dispensa como deve ser. Se quis comer tive de ir
comprá-lo. És tal e qual o teu pai. Põe a mesa de faz favor, que eu trato do
forno. Já cheira.
Carolina
obediente pôs a mesa.
-
Mas ainda não me disse o que veio cá fazer. – Insistiu.
-
Ora, o que vim cá fazer… - Abriu a porta do forno e falou lá para dentro. – Vim
ver como estavas. Encontrei o Fernando que me disse que estava cadavérica, e
com o nariz sempre enfiado nos livros. E eu como mãe preocupei-me, claro. Não
quero que digam que sou uma má mãe. Que não sei cuidar da minha cria. Afasta aí
o prato se faz favor, que isto está quente.
Mais
uma vez Carolina obedeceu, não conseguindo não se espantar com hipocrisia da
mãe. A preocupação dela era o que os outros pudessem dizer e não a saúde
dela!!!!
-
Bem ao menos é sincera… - Disse, de um modo mordaz, para si.
Sentaram-se
e o jantar foi feito de frivolidades e críticas alheias e pessoais, mas como
não eram novas, não causaram mossa.
Estavam a comer a
sobremesa, quando Carolina num acesso de carência por aprovação resolveu
contar-lhe:
-
Sabe? Fui contactada para publicar os meus contos…
-
Aí sim? Que bom!
O
contentamento parecia ser genuíno e Carolina entusiasmou-se.
-
Sim, já tive uma reunião com o irmão da editora que ficou de lhe apresentar os
contos para ela aprovar e depois dar-se início à publicação. – Contou toda
contente.
-
Ah! Afinal ainda não sabes se vais publicar…Ó filha eu já conheço essa
história. O teu pai todos os meses me vinha com a mesma conversa. Tinha sido
contactado por uma editora, que estava muito interessada, faltavam apenas
alguns ajustes, mas no fim…Nada!
Levantou-se
e começou a retirar as coisas da mesa.
-
Tu és igual a ele, filha. – Continuava com os copos e os pratos nas mãos, num
vai e vem entre a sala e a cozinha. – Vocês são feitos de sonhos e vivem no
mundo dos sonhos. Mas a vida não é um sonho. Já te disse isso. Dedica-te, mas é
ao teu trabalho e arranja um bom partido, que já não estás a ficar nova.
-
Queres café? – Gritou da cozinha, junto à máquina do café.
-
Não! – respondeu Carolina com vontade de chorar. Como tinha sido estúpida!!!
Naquele
momento decidiu que no dia seguinte telefonaria para a editora. Haveria de ver
os seus contos publicados ou não se chamasse Carolina!!!
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