Lua 16

 

À medida que Lua descia a arriba da praia da Ursa, as lágrimas escorriam-lhe pela cara abaixo.

- Mas quem é que ele pensa que é? – Repetia vezes sem conta para si cheia de indignação. – Olha agora! Só me faltava esta! Ter mais um a mandar em mim. Não! ele que tire “o cavalinho da chuva”, na minha vida mando eu. Eu e o Fernando claro está!

Falava para si, irritada, não prestando atenção ao caminho, deixando-se apenas guiar pelo instinto que procurava o mar. O seu mar.

Era já quase noite, mas disso também ela não se apercebeu.

Se lhe perguntassem como tinha chegado até ali, responderia que não sabia. Apenas se lembraria de ter deixado Francisco sentado na mesa da esplanada do restaurante.

Não se lembraria de ter descido a calçada do Alecrim, não se lembraria de ter ido até à estação de comboios do Cais-do -Sodré, não se lembraria de ter apanhado o comboio para Cascais, não se lembraria de ter caminhado todo o percurso de Cascais até à Charneca e daí ter apanhado um autocarro até à praia da Ursa.

Não se lembraria, porque a sua cabeça estava concentrada na discussão, na que tivera com Francisco e na que tivera com Fernando. Porque a sua cabeça revia a sua vida, desde que o pai aparecera, desde que conhecera o Fernando, desde que teve os seus filhos, desde que a mãe morreu, desde que viera para Lisboa, desde que deixara a ilha, desde que salvara o piloto, desde que a avó a protegera numa das muitas discussões que tinha com o pai, desde que…

Desceu pelas rochas, selvagem, afrontando a vida, desafiando-a, e quando poisou os pés na areia, despiu-se e apenas com a roupa interior, entrou pelo mar dentro. Naquele momento não queria saber dos filhos, não queria saber do marido, não queria saber do Francisco, não queria saber da irmã, do pai, de ninguém.

Chamava-a a lua, que em cima no céu, brilhava em todo o seu esplendor, como que a dizer-lhe:

- Estou aqui. Tu fazes parte de mim. Vem. Mergulha em mim e torna-te naquilo que és. Forte. Lutadora. Cuidadora.

Deu umas braçadas vigorosas mar adentro e quando sentiu a lua entrar dentro de si, e a fúria a ir-se, deixou-se boiar. De braços estendidos e olhos naquela que guiava vidas e destinos, ficou à deriva. De mente vazia, alma cheia, corpo alheio.

Não sei dizer quanto tempo ela esteve assim, nem lá, nem cá, perdida num lugar a muitos vedado, e a poucos apresentado. Foi resgatada por Francisco, que desesperado, andou à sua procura por todos os locais habituais que lhe conhecia, e sem a encontrar, e em desespero de causa, ligou a um amigo que trabalha numa empresa secreta, desempenhando um trabalho que ele desconhece, mas que pela tecnologia que tem ao seu dispor e pelo sinal emitido pelo telemóvel dela, conseguiu localizá-la.

Agradecendo e prometendo recompensá-lo com o que ele quisesse, Francisco saiu em demanda, marginal fora, até chegar à praia, já noite escura.

Aflito, precipitou-se pelo caminho longo, pedregoso, tortuoso e inclinado, não sem cair uma ou duas vezes.

Chegado á areia, olhou em sua volta, procurando-a com a luz do telemóvel ligada, na esperança de ver um pouco mais. Valeu-lhe a lua, que estava cheia, luminosa e lhe indicou o monte de roupa que ela deixara junto ao mar.

- Não, não, não! – repetia para si enquanto corria na direção do monte de roupa. – Meu Deus, não!

- Lua! Lua! – gritava aflito enquanto corria. – Lua! – chamava para o mar tentando alcançá-la com o olhar.

 


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