Lua 15
- Já chega! – Disse para si
quando desligou o telefone. – Vai! Vai
em paz, e que Deus te acompanhe. Eu vou ficar por cá a tratar a da minha vida!
Irritada, atirou com o
telefone para cima do sofá e foi-se vestir. Tinha de sair dali apanhar ar, ver
o mar, pensar.
Telefonou à dona Vicência e
perguntou-lhe se podia ficar com os filhos por uns dias. Tinha uns assuntos a
tratar e mexia-se melhor sem eles. Sim, ela que ficasse descansada. Não era
nada de mal. Tinha a ver com o novo emprego.
Desligou o telefone sentindo
ainda pior do que antes. Detestava mentir, e em especial às pessoas de quem
gostava e a quem respeitava, mas de momento não tinha cabeça para mais. O
telefonema de hoje fora a gota de água que fez transbordar o copo. Tinha de dar
um rumo à sua vida.
Foi até ao Cais-do-Sodré e
apanhou o comboio para Cascais. A viagem feita ao longo da marginal, junto ao
mar era um bálsamo para a sua dor. Conseguiu não pensar em nada,
concentrando-se apenas naquelas paisagens por 20 minutos. O sol a entrar pela
janela, e o embalar da máquina levaram-na até às tardes onde juntamente com a avó
fazia os curativos nos animais que piloto encontrava feridos e trazia para
casa.
Que saudades tinha desses dia…
Chegada a Cascais, o vento que
sentiu vindo do mar fez-lhe lembrar por momentos a sua ilha. Ainda fechou os
olhos e tentou caminhar até lá, mas o rebuliço de turistas era muito, pelo que
decidiu, em vez disso, caminhar até ao Guincho. Aí sim. Aí teria um recanto de
mar só para si.
Ia a meio do caminho, entre a
baía de Cascais e a praia do Guincho, quando sentiu o telefone a vibrar. Era
Francisco.
- Olá! Bom dia! Estás bem? –
cumprimentou-a bem-disposto.
Como era diferente de
Fernando, pensou com amargura.
- Estou sim. – Mentiu.
- Mesmo? Não parece. Por onde
andas?
- Vim até ao Guincho. E tu?
- Guincho? O que foste para aí
fazer? Eu estou a caminho da entrevista, lembras-te? Temos uma entrevista na
clínica daqui a 2 horas.
- Raios! – Lua levou a mão à
testa, dando-lhe uma palmada. – Esqueci-me. – Olhou para o relógio. – E agora
já não tenho tempo de lá chegar. Bolas, bolas, raios!
- Mas o que raio foste fazer
ao Guincho? Eu vou buscar-te. – resmungou.
- Mas assim chegas tu também
atrasado, Deixa estar.
- Não, não deixo. Eu ligo o
turbo, não te preocupes. Podes voltar para a estação de Cascais? Encontramo-nos
lá … daqui a meia hora?
- Mas…
-Vá, até já. Beijinhos.
Lua ficou a olhar para o
telefone. Porque é que Fernando já não era assim? Ou que nunca fora?
De repente teve uma vontade
enorme de escrever. Procurou na mala o seu
caderno, mas não o encontrou. E o pior é que não se lembrava onde o guardara.
Deu um suspiro, encolheu os
ombros em sinal de resignação e começou o caminho de volta a Cascais amaldiçoando
a sua vida e depois amaldiçoando-se a si própria por estar a amaldiçoar a vida,
e depois recriminou-se por se estar a amaldiçoar, e depois sem quê nem para
quê, começou a chorar como há muito não fazia, indiferente aos olhares das
pessoas que por ela passavam.
- Isto só pode ser falta de
descanso. – Dizia a si mesma quando finalmente se acalmou. – Preciso de algum tempo para mim. Um tempo
sem pensar em nada. Um tempo para pensar em tudo, um tempo…Aíiii!!!! – Enxugou as
lágrimas, endireitou os ombros, e num passo decidido iniciou a marcha. Já
chegava de emoções por aquele dia.
Quando chegou à estação, ele ainda não estava
pelo que se sentou nos degraus da escadaria a comer um gelado que, entretanto,
comprara no Santini.
O Santini é uma gelataria com
mais de 100 anos, uma pequena loja que só abre nos meses de varão, de Maio a
Setembro, e que está cheia de fotografias dos vários membros da família que ao
longo dos 100 anos por ali passaram. São retratos de pessoas felizes, miúdos e
graúdos, todos sorridentes, todos com um gelado.
Lua pensava nisso enquanto
esperava o amigo. Porque é que a família dela não podia ser assim? Desde o avô
que enganara a avó, o pai que era um fraco, até ela, todos os homens tinham
falhado de alguma forma. Estariam elas amaldiçoadas?
Quando Francisco chegou, Lua
estava sentada nos degraus a lamber dos dedos os últimos resquícios do gelado.
Parecia uma miúda pequena, e o coração dele encheu-se de ternura. Naquele
momento, naquele preciso momentos, soube que iria gostar dela e protegê-la até
ao fim dos seus dias. Não importava que ela não gostasse dele dessa forma, não
importava que ela fosse casada, não importava que fosse mãe. Ele seria seu para
sempre e cuidaria dela, ainda que à distância, se a vida não lho permitisse de
outra forma.
Com um sorriso no rosto,
aproximou-se e sentou-se a seu lado.
- Então o gelado era bom?
- Hum, delicioso! - respondeu
já mais bem-disposta e a pensar em como é incrível o poder do açúcar nas emoções
humanas.
- Vamos? - levantou-se e estendeu-lhe
a mão.
- Vamos. – Ele retribui-lhe o
gesto e quando as peles se tocaram, sentiram ambos um arrepio pelo corpo, uma espécie
de faísca direta ao coração que o fez bater desalmadamente
Embaraçados, retiraram as mãos
à pressa e seguiram até ao carro falando de banalidades forçadas para evitarem
o desconforto bom que sentiram.
- Nem acredito que conseguiste.
– Lua estava deveras feliz pelo amigo.
- E tu não? - cumprimentou- a
com dois beijos no rosto, no almoço que marcaram uns dias depois da entrevista.
- Ainda estou à espera. Oxalá
não demorem, que as minhas economias estão a acabar.
- Então? O teu marido?
Lua fechou o rosto de uma
forma involuntária.
- Ele foi numa missão, vai
estar embarcado por 3 anos.
- Mais 3 anos? - Não pode
evitar de comentar.
Lua olhou para a ementa para
dissimular o que sentia.
- Era uma oportunidade única. -
Justificou-o.
- Desculpa. Oportunidade única
é a de ver os filhos cresceram. – exclamou num tom exasperado.
Lua olhou-o triste.
- E de acompanhar na educação deles
e no amor… E de te acompanhar. Como é que ele não olha para ti? – continuava embalado
pelos sentimentos que cada vez tinha mais dificuldade em ocultar.
- Ele olha… Mas está a pensar
no nosso futuro. - Lua defendia-o mais para si do que para ele.
- Futuro? Que futuro? Daqui a
3 anos? Quando o teu mais velho tiver 6 anos? Quando tu estiveres de rastos? Isto
se, entretanto, não ficar por lá.
- Hei! Não fales assim. Tu não
percebes nada.
- Não percebo nada?! Olha para
ti, pelo amor de Deus! – exasperado bateu com a mão na mesa, chamando a atenção
das poucas pessoas que estavam na mesa do lado.
Os olhos de Lua tornaram-se
maiores, e um brilho de ira, iluminou-os:
- Tu não tens o direito de
falar assim comigo. Tu não estás lá e não sabes o que se passa, tu és meu
amigo, não és meu marido para te meteres na minha vida. Com licença! – Atirou
com o guardanapo para a mesa, e saiu apressada da esplanada, deixando-o aflito.
- Lua! Espera! – Gritou
fazendo ao mesmo tempo sinal ao empregado que trouxesse a conta das bebidas e
dos aperitivos que, entretanto, ela tinha começado a comer. – Espera um pouco!
– Gritou em vão.
Muitas vezes não queremos ouvir o óbvio
ResponderEliminarObrigada, por comentar Marília. É verdade o que diz, mas a vida dá muitas voltas... Espere pelo próximo...
EliminarUm beijinho.