Lua 14
Francisco era apaixonado pela Lua desde o princípio dos tempos, que
é como quem diz, desde a primeira vez que a viu, a entrar muito a medo, com os
olhos arregalados, maiores que o mundo, naquele primeiro dia de aulas.
Na altura não sabia do seu comprometimento e foi com grande
tristeza que a ouviu comentar um dia, na cafetaria, com uma colega, que iria
ter com o noivo. Nesse dia chegou a casa irritado e muito mal- humorado, e nem
o seu melhor amigo, o dono da casa que Lua iria habitar mais tarde, lhe
conseguiu arrancar o motivo de tanta irritação que se refletia num
comportamento que não era hábito nele.
- O que se passou? – perguntou-lhe entre duas cervejas no café por
baixo da casa deles.
- Nada. Esquece. Foi só um dia mau.
- Ná! Dias maus tu já tivestes muitos e nunca te vi assim. A pobre
da Filomena não teve culpa nenhuma de tu teres entornado o copo. Não precisavas
de gritar com ela daquela maneira. – Referia-se à empregada do café que ao
poisar os copos com a cerveja na mesa, tocou no braço de Francisco deixando
cair o copo no chão. Francisco, contra o seu costume, levantou-se de um salto e
descompô-la com maus modos.
- Pois… Tens razão. Amanhã falo com ela. Hoje não estou com cabeça.
Os dias foram passando, e a boa índole de Francisco levaram a
melhor sobre a sua frustração, de modo a que ele lá recuperou o seu bom feitio,
a par com o seu bom humor. Ajudou-o, não obstante, o facto de saber que
Fernando iria para os Açores numa comissão de 3 anos.
- Vais ver que o tempo vai passar a
correr. - dizia para Lua, sentados na hamburgueria em frente à faculdade,
dividido entre a alegria de a ver sem ele e a vontade de a ajudar a não se
sentir triste.
- Espero bem que tenhas razão, mas por
agora parece-me uma eternidade. Parece que vou morrer, que não vou conseguir
aguentar as saudades. – Lua olhava para o hamburger sem vontade de o comer.
- Vais sim. Vais ver. Tens-nos aqui
para te ajudar. Agora se entrares em greve de fome…
Lua riu-se. Gostava do Francisco. Era
um bom amigo. Fora dos primeiros a falar com ela quando ela chegou à faculdade
e estava lá sempre para a ajudar. E sempre bem-disposto. Sabia que era filho
único de uns pais já tardios, mas graças ao seu feitio exuberante tinha muitos
amigos e nunca se sentia só.
Era inteligente e generoso e até engraçado fisicamente, por isso
ela não percebia porque é que ele não tinha nenhuma namorada, e foi isso mesmo
que lhe perguntou quando na noite das suas formaturas chorava baba e ranho ao
ombro dele pelo seu casamento e pelo efeito das bebidas a que não estava
habituada a beber.
- Tu és tão bom. Porque é que não tens namorada? – a voz da cerveja
e da sangria emprestava-lha um falar engraçado.
- Porque estou à tua espera. – Gracejou ele.
- A sério. Ao menos tu leva-me a sério! – Ela tentou levantar-se,
mas não conseguiu e voltou a sentar-se, mal acertando no banco.
- Uuooh! Calma, miúda. – ele amparou-a. – Eu levo-te a sério. Muito
a sério. Levo-te a sério, e levo-te daqui para fora. Vamos! – Pegou nela pelos ombros,
como que pega numa saca de batatas e debaixo dos protestos dela, físicos e
verbais, levou-a até ao carro. Sentou-a no lugar do passageiro, colocou-lhe o
cinto de segurança, e depois, repetindo o procedimento consigo, arrancou com o
carro.
- Pára! Pára! – resmungava ela com a voz entaramelada. Onde me
levas?
- Para casa. – respondeu-lhe ele. – Sabes, - continuou ele passado
um bocado. - Tu não mereces esse tipo. Bolas, vocês têm dois filhos e ele quase
nunca aparece. Põe sempre a carreira dele em primeiro lugar. Eu vejo-te a
lutar, a andar de um lado para o outro, sempre sem parar para estudares e
tratares dos teus filhos, dos vossos filhos, e nunca o vejo a ele. Sei que não
te devia estar a dizer isto, mas não suporto ver-te assim!!
Um suave ressonar foi a resposta que teve. Ela não tinha ouvido uma
palavra do que ele disse.
- Melhor assim. – pensou ele fazendo um sorriso triste. – Melhor
assim…
Lua acordou no dia seguinte com uma valente dor de cabeça, e sem se
lembrar como tinha chegado até casa. Isso assustou-a. O primeiro instinto foi
ligar à dona Vicência e perguntar pelos filhos, saber se todos estavam bem,
depois foi tomar um duche de água muito quente.
Já na sala, com uma chávena de café bem forte a fumegar nas mãos,
tentava reconstruir na sua mente a noite do anterior. A última coisa de que se lembrava
era de estar ao lado do Francisco no jantar. Talvez ele soubesse alguma coisa…
O seu pensamento foi interrompido pelo telefone a tocar.
Levantou-se de um salto, entornou o café, sentiu a cabeça a estalar, e entre
pragas e resmungos lá alcançou bendito aparelho. Era Fernando.
- Estou? – atendeu baixinho.
- Estou? – pareceu-lhe ouvi-lo a gritar.
- Onde andas? – Foi a pergunta feita à queima roupa. Nem perguntou
se estava bem, se os miúdos estavam bem, nada.
- Estou em casa, porquê?
- Em casa? Tens a certeza?
- Sim. O que se passa?
- O Simão ligou-me. Estava todo contente por ter dormido na vó
Cência. – O tom sarcástico demonstrava a irritação que sentia.
- Sim… - Lua não estava a perceber o rumo da conversa.
- Disse que tinhas ido a uma festa.
- E fui. À da minha graduação. Lembras-te?
- M*da. Esqueci-me completamente. Podias ter avisado! – respondeu
num tom agressivo.
Lua olhou para o telemóvel boquiaberta. Seria possível?
- Mas eu avisei-te. Há um mês que te ando a falar disso. Tu disseste
que não podias vir. Que tinhas de ir… Nem sei para onde desta vez.
- Pois, hum. Precisamos de falar acerca disso.
- Então?
- Surgiu-me uma oportunidade daquelas que só aparecem uma vez na
vida. Fui convidado para ser o comandante da Sagres que vai partir numa viagem
à volta do mundo, para dar a conhecer a nossa marinha.
- Que bom! - Lua estava genuinamente feliz por ele.
- Pois, mas isso implica estar mais 3 anos fora. Sem vir a casa.
Desta vez ela não disse nada.
- Então? O que achas?
- Acho que deves fazer o que achares melhor para ti. – A deceção na
voz era evidente, mas ele cego pelo seu futuro não notou.
- Eu sabia! – respondeu alegremente. – É por isso que te amo. Parto
na semana que vem. Logo à noite põe os miúdos no Skype para em me despedir
deles, está bem? Toma cuidado de ti. Amo-te. Tchau!
- Tchau! – respondeu Lua para o telefone já desligado
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