Lua 10
18 de Junho
É hoje!!!.
É hoje que o vou ver, e é hoje que lhe vou contar, porque a minha
barriguinha de 4 meses já se torna visível quando estou nua.
Vestida ainda disfarço, se bem que a Dona Vicência já comentou o
facto de eu parecer mais gorda. Eu disfarcei, claro. Disse-lhe que com o stress
dos exames, ando a comer mais bolos e comida de porcaria, e ela acreditou, mas
não posso esconder a situação por muito mais tempo.
Como é que ele irá reagir? E se não quiser? E se ralhar comigo?
Se não quiser, paciência, já não vou a tempo de fazer nada. Nem
queria!!!
Este filho vai ser muito bem-amado. Pelo menos por mim.
Mas acredito que ele vai querer, pode ficar assustado a princípio,
mas depois vai querer!
Mas este avião nunca mais arranca?
Lua chegou finalmente à ilha onde Fernando a esperava com um ramo
de flores na mão e um sorriso no rosto.
Assim que se viram, correram um para o outro e num abraço bem
apertado uniram os seus lábios deixando-os dizer o que os seus corações ansiavam
há muito por contar, numa linguagem onde as palavras não tinham lugar.
Mortas as primeiras saudades, Fernando pegou-lhe na mala grande, e
de braço dado saíram do aeroporto para o dia nebulado com que a ilha a
presenteava.
- Está tão nebulado. –
comentou ela.
- Não quis que o sol te visse primeiro do que eu. – gracejou ele
enquanto punha a mala na bagageira do carro e se virava para a abraçar e beijar
mais uma vez. – Primeiro eu, que estou louco de saudades! – galanteou-a bem-disposto.
Foram pôr as coisas a casa, e como era horas de almoçar, e Lua ultimamente
andava com um apetite insaciável, recusou-lhe as tentativas de uma aproximação
mais íntima, o que o deixou frustrado e confuso.
Deixou os dois confusos para dizer a verdade, já que ambos não
pensavam noutra coisa nos últimos dias.
Ele não percebeu a cara de enjoada que ela fez ao afastá-lo de um
modo brusco, e ela surpreendeu-se com o asco que lhe subiu à boca ao sentir as
mãos dele a invadirem-lhe a sua privacidade.
Desculpou-se com a fome e com a noite em branco que passou ao
pensar neste encontro, afinal fazia 3 meses que não se viam, e ela tinha receio
que ele a esquecesse, o que a deixou nervosa e sem dormir.
Ele olhou-a nos olhos. Magoado. E ela sentiu-se a pior pessoa do
mundo.
- Como pudeste pensar isso de mim?
Ela abraçou-o com ternura e sussurrou-lhe:
- Vamos almoçar. Tenho uma
sobremesa especial para ti. – disse-lhe com um brilho nos olhos.
Mais resignado, levou-a a um
restaurante que ficava numa cratera de um vulcão desativado, no outro extremo
da ilha.
O edifício, uma estrutura toda feita de vidro e madeira, tinha a
forma de um quadrado deixando ver de um lado, as montanhas e do outro, o mar, que
naquele dia estava revolto, como que a gritar por uma tempestade.
As mesas eram de madeira, umas quadradas, outras retangulares e uma
redonda e as cadeiras, também de madeira, eram desirmanadas, tendo cada um nome
escrito numa chapinha pregada nas costas. O nome da família de onde veio, mas
isso eles ainda não sabiam.
À Lua calhou-lhe a cadeira da família Castro
Escolheram uma mesa de canto, onde podiam ver o mar e Lua deixou-se
ficar em silêncio por uns momentos, como que atraída por ele.
- O que se passa? – Fernando não queria disfarçar mais. – Estás
estranha.
Lua demorou um pouco a regressar do mar e sorriu-lhe.
- Tenho uma coisa para te contar, mas não aqui. Não agora. Prefiro
fazê-lo ali em baixo, junto ao mar.
- Estás a deixar me assustado. O que que é?
Ela não lhe conseguiu responder. Engoliu um suspiro e olhou para o
empregado que se aproximava. Uma boia de salvação.
Escolheram as refeições, e antes que o empregado fosse embora, ela
pediu-lhe que lhe explicasse o significado daquelas placas com os nomes nas
cadeiras, sendo que alguns se repetiam mais do que outros.
E ele, embalado pela história que contava diariamente, explicou-lhe
que aquele restaurante tinha sido erguido por todos os habitantes da ilha, após
a extinção do vulcão que enterrou muitas famílias, algumas delas inteiras.
Começou por ser uma casa tosca, onde as pessoas que reconstruiam a
ilha vinham almoçar ou jantar no fim dos trabalhos de restauro e como a pobreza
era muita, cada uma trazia algo do que restava da sua casa, algo que tornasse o
sítio um pouco melhor.
Umas traziam comida, outras tachos, outras móveis, mas o que mais
trouxeram foram as cadeiras para se sentarem e comerem. As mesas foram aparecendo
depois.
Quando os trabalhos de restauração acabaram, o local ficou
abandonado, até que o atual dono resolveu recuperá-lo.
Ao mexer nos destroços encontrou as cadeiras e as mesas empilhadas a
um canto e pegando em cada uma delas, bateu de porta em porta recolhendo o nome
e a história da família a que pertenciam.
A dela pertencia à família Castro, uma das famílias que foi
engolida pela lava do vulcão.
Sobrou a filha mais pequenina que ainda não tendo escola, estava,
na altura, na ilha vizinha em casa da avó a passar uns dias de férias.
- Oh…Que história triste! - Lua comentou com lágrimas a correrem
cara abaixo.
Fernando, embora também comovido com a história, olhava-a
espantado. Mas o que era aquilo? Nunca a vira chorar por alguém que não
conhecia…Definitivamente ela não estava bem.
- Sim, é mesmo. Mas ela está bem. Tem agora 50 anos, ou perto disso
e um rancho de netos que a vêm ver todos os verões. No inverno dedica-se com o
seu marido a estudar os movimentos sísmicos da ilha de modo a evitar outra
situação igual. E para beber, o que desejam? – perguntou dando o assunto por
encerrado.
Fernando pediu um vinho, para os dois, mas delicadamente ela
recusou. Só queria uma garrafa de água…
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