Carolina 7



As pálpebras começaram a fechar-se tendo, de repente, ganho vida própria, e as palavras dos contos que acabara de ler invadiam a sua mente e povoavam os seus semi-sonhos.
- Vou deitar-me. - Disse para si.
Levantou-se e foi até ao computador para desligá-lo, só que ao invés de o fazer, não sei se movido pelo sono, se movido pelo destino, sentou-se novamente e respondeu ao mail que tanto o atraíra. Respondeu assim:
-  Boa noite Catarina. Confesso que fiquei agradavelmente surpreso com os seus contos. Há muito tempo que não lia algo assim, leve e despretensioso, mas ao mesmo tempo intrusivo e cativante. Gostaria de conhecer melhor um pouco a pessoa que está por de trás destas palavras. O que me pode dizer acerca de si? O que a motivou a escrever? E o que pretende de nós, para além da publicação dos contos? Aguardo a sua resposta, espero que brevemente. Cumprimentos Filipe.
 Ia deixar para enviar o mail na manhã seguinte, depois de o reler. Já se metera em sarilhos algumas vezes por enviar mails sem relê-los e tinha decidido não o voltar a fazer, mas mais uma vez quer fosse pelo sono quer fosse pelo destino, sem se aperceber carregou no botão enviar.
-M*da! - Exclamou quando se apercebeu. - Agora já está! Não há nada a fazer. Vai-te deitar e dormir que bem precisas! – Ralhou consigo próprio.
Na sala de Rita apenas se encontrava ela e o Tim.
Era a hora do dia que ela mais gostava, essa e a de manhã bem cedinho, quando descia para a sala e tinha aquele bocadinho só para si. Não é que ela não adorasse o marido e o filho e a vida que levavam.
Ela adorava, mas ser mãe, mulher, dona de casa e empregada por conta de outrem é dose. O tempo que ela tinha realmente para si era mesmo muito pouco e por isso quando ela o tinha, sabia-lhe taaaão bem...
Assim, estava ela enroscada no sofá, a navegar pelas redes sociais e a ver um pouco de televisão, quando o sinal de mensagem no telemóvel tocou.
- Olá! - Pensou. - Mail a esta hora? Deve ser publicidade. Vejo amanhã.
 E continuou a seguir o filme que, entretanto, se revestira de suspense.
Carolina chegou cedo ao trabalho.
Estava a trabalhar num projeto de investigação sobre a vida de Afonso II, um rei que a História delegou para segundo plano, e como Carolina era defensora dos fracos e oprimidos, ainda que já cá não estivessem, e encontrara um documento que lhe mostrava uma nova faceta dele, uma faceta menos plácida e mais inteligente, estava cheia de vontade de o analisar, em sossego, sem o rebuliço do gabinete.
Era um gabinete de trabalho muito engraçado, que parecia ter saído do filme “As crónicas de Nárnia”, pois tal como no filme, acedia-se a ele passando por um armário.
 Naquele departamento da Universidade, situado no primeiro andar de um átrio quadrado ladeado por enormes janelas ancestrais, que davam para um jardim povoado de árvores também de idade provecta, acedia-se aos gabinetes através de armários de fachada indistintas umas das outras convidando a quem não conhecesse bem o sítio a um belo puzzle para tentar aceder ao gabinete pretendido.
Uma vez atravessado o armário, as portas posteriores abriam-se em par e davam lugar a um gabinete quadrado com janelas de águas furtadas, onde em seis secretárias de mogno grandes e imponentes, trabalhavam vários historiadores, sociólogos, arqueólogos, restauradores de arte, entre outros, lado a lado, na análise e restauro de documentos antigos.
Carolina aproveitando o gabinete vazio, ligou o aquecedor e o computador, foi buscar o documento ao arquivo e sentando-se na sua cadeira junto à janela. Parou um momento para observar um esquilo vermelho a trepar a árvore defronte da janela, e depois pegou no seu caderno A4, pautado.
Abriu-o ao meio, lembrando-se de que tinha de reabastecer o seu stock de cadernos, e preparou-se para iniciar a escrita.
Começou a ler o documento, a tirar os seus apontamentos, e à medida que se embrenhava na descrição grandiosa e generosa do rei,  como só os cronistas medievais sabiam fazer, deu por si a imaginar-se ao lado de um Afonso II do século XXI, e o seu lápis, como se ganhasse vida própria, de imediato começou a transformar as anotações num conto, onde nos dias de hoje um homem corajoso e destemido, haveria de cruzar o seu caminho com uma mulher sonhadora como ela mas não de uma forma linear, porque a vida não o era na maioria das vezes, ou pelo menos nas vezes que tinham interesse em serem contadas, e dessa forma iniciou mais um caminho pelo mundo do sonho e da aventura.
Entretanto, mais tarde na hora, Rita, na empresa, depois de picar o ponto, dar “dois dedos de conversa” com a colega do lado e de beber o café que trouxera da máquina situada no fundo do corredor para evitar que os funcionários “perdessem tempo” a ir ao café fora do escritório, ligou finalmente o computador.
 Começou por ver os mails relacionados com a firma em que trabalhava e depois de reencaminhar uns e responder a outros e ainda de arquivar outros, no famoso "arquivo sexto", resolveu ir espreitar o seu mail pessoal.
-Tralha, tralha, tralha. - Dizia para si enquanto apagava mail, atrás de mail.
Ia tão afoita na eliminação dos mails que acabou por eliminar o mail de Filipe.
Felizmente a reciclagem dos nossos computadores permite a repescagem de mails apagados por engano, e foi o que Rita se apressou a fazer assim que deu pelo erro.
Excitada abriu o mail e leu-o com avidez. Ainda não tinha acabado, quando mandou mentalmente para a outra banda a ideia que tivera de enviar o mail em nome da Carolina.

- Raios! Como é que eu vou responder a isto?! 



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