Alice 8

 

Pedro assustou-se e virou-se de repente, batendo num pilha de livros que estava ao lado da estante, espalhando com grande estrondo e espalhafato, os livros que miraculosamente se encontravam empilhados. Todos uns em cima dos outros num equilíbrio precário, como se pode concluir.

Tim ao assistir à cena, deu um esticão na trela, que Alice, desprevenida, largou, e correu em direção ao Pedro que muito atrapalhado não sabia se segurava os livros que ainda não tinham tido o prazer de encontrar o chão, ou se os deixava cair e se baixava para apanhar os que já tinham caído.

Sempre solicito, Tim correu a ajudá-lo, saltando para cima dele, disposto a participar naquela brincadeira que sempre achava engraçada.  A de deitar coisas ao chão, bem entendido, pois o facto de ver humanos a cair, não lhe despertava nenhum interesse… Bem, quase nenhum, mas isso ficará para outra história.

Isto, claro está, fez com que o pobre Pedro se desequilibrasse ainda mais, e deixar que todos os livros sofressem a mesma experiência.

A de conhecer de perto o chão da livraria, que se se bem recordam, não é um chão qualquer, mas um chão com séculos de história, carregado de memórias

Alice, por seu lado, não sabia se ria, se ralhava com o cão, se ficava quieta ou se corria a ajudar. Por fim lá se decidiu, e entre risos e ralhos, lá foi ter com os dois.

- Tim! Já para o chão. Quieto! Senta! Deita! – Ordenava-lhe ao mesmo tempo que ajudava Pedro a levantar-se.

Tim olhava para ela com um ar de quem diz:

- “Mulher-tu-decide-te-sobre-o-que-queres-que-eu-faça-de-uma-vez-por-todas!!!!”

Ignorando-o, Alice estendeu a mão ao Pedro, e ao receber a dele, ambos sentiram um choque elétrico a percorrer-lhes o corpo. Estremeceram e olharam-se confusos. Instintivamente, separaram as mãos sentindo-se ambos embaraçados com o que acabavam de sentir.

Gerou-se um clima estranho onde por breves instantes nenhum falou. Tim apercebendo-se de que algo não estava normal, resolveu afastar-se e ir explorar o jardim já que a porta que lhe dava acesso estava aberta.

O movimento do cão despertou a atenção de Alice que foi a primeira a recuperar da situação embaraçosa que se tinha criado. Baixando-se para apanhar os livros resmungou falsamente zangada.

- Sabes o que isto é? - Referia-se ao livros espalhados pelo chão.  – Isto é castigo! Não esperaste por mim para ver e agora olha! - Levantou-se e com um braço fez o gesto que abraçava o chão coberto de livros.

- Castigo, castigo. - Resmungou ele de pé e bem-disposto. – Isto é, é falta de tempo para comprara umas prateleiras novas, é o que é.

- Isso é o que tu pensas! Olha que o “Karma” existe. Não te deixes enganar. – Retorquiu ela bem-disposta.

Entre piadas e resmungou, os dois foram-se levantando baixando e arrumando os livros, uns na estante outros numa nova pirâmide desta vez encostada à parede, mais segura e à prova de encontrões.

Estava cada um com dois ou três livros nos braços quando, como numa cena de filmes, se baixara ambos e ao mesmo tempo, para apanhar o último livro.

O livro.

Alice pegou-lhe primeiro e de imediato, Pedro pegou-lhe também colocando a sua mão por cima da dela.

Também como nos filmes, olharam-se e os seus rostos como que dotados de vontade própria, aproximaram-se de modo a que os seus lábios ficasse a escassos milímetros uns dos outros, sentindo-se atraídos por uma força magnética que os uniria não fosse Tim entrar espalhafatosamente na sala com um pássaro ferido na boca que piava desalmadamente.

- Tim! O que fizeste? – Alice largou tudo no chão e correu para o animal tirando-lhe o passarito da boca.

- UoF. UoF! - Ladrou contente. – “Apanhei-o do chão e trouxe-to. Gostas?” – Queria o pobre bicho dizer.

Enervada com o que quase acontecera, Alice ralhou-lhe injustamente.

- Cão mau! Já te disse que não deves magoar os outros. Olha o que fizeste! Achas bem? E se o passarinho morrer?

Aflita virou-se para Pedro que, entretanto, apanhara os livros e os colocara no cadeirão.

- Já viste isto? E agora? Sabes cuidar dele?

Pedro aproximou-se, também ele incomodado com o que se passara, mas recorrendo ao seu autodomínio, reagiu com toda a calma, como se nada tivesse acontecido.

Tirou-lhe o pássaro das mãos e fez uma festa na cabeça do Tim.

- Calma. O Tim deve tê-lo encontrado caído no chão. Ainda é bebé. Deve ter caído do ninho, não vês? O pobre animal só veio trazer-to. E ele não está assim tão ferido. Está mais assustado do que outra coisa.  Olha!

Virou o passarito de um lado para o outro e apenas viu um corte no lombo, uma coisa não muito grande, mas que sangrava um bocadinho.

- Espera aqui que eu vou buscar o estojo de primeiros socorros e já venho.

Deixou-lhe o pássaro nas mãos e Alice olhou para o Tim, que amuado lhe virou as costas.

Arrependida, chamou-o:

- Tim. Anda cá.

Tim continuou parado. De costas para ela.

- Tim. Anda. Vá lá!

Nada. Não se mexeu. Quem tem cães sabe como eles sabem ser teimosos quando querem…

Suspirando, largou o passarito em cima do cadeirão, de modo a que não caísse, e foi ter com o Tim, abraçando-o.

- Desculpa, vá. Fui injusta. Mas tu também às vezes dás-me cabo da paciência. E sabes que estes tempos não têm sido nada fáceis. Tu sabes. – Fez-lhe uma festa por baixo do pescoço, um sítio onde ele adorava que lhe fizessem festas.

- Uof. Uof! – E umas lambidelas no rosto foi o que obteve como resposta.

Mais uma vez, quem tem cães, sabe como eles facilmente perdoam…

A tudo isto assistiu Pedro quando entrou na sala com o estojo de primeiros socorros na mão, pronto para salvar o passarito, mas o que viu fê-lo desejar que o estojo tivesse o poder de em vez de salvar o animal, de salvar aquela mulher.

- Deus! Como é linda! – Deixou escapar em voz muito baixinha…

 


 

 

 

 

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